Asunción (Prensa Latina) Horacio Cartes cumpriu o primeiro mês como presidente do Paraguai sem que alguém possa qualificar esse tempo como um simples expediente de um mandatário que se acomoda no cargo para enfrentar um período de cinco anos no poder.
Vistoriar todos os episódios desencadeados neste curto tempo obriga a se afastar da tradicional espera admitida de 100 dias para analisar o desenvolvimento dos acontecimentos e a atuação do novel Executivo que chega à frente de qualquer Estado.
As turbulências desta pequena primeira etapa, para ser objetivos, não podem ser atribuídas somente ao presidente entrante, porque, independentemente do caminho proclamado e adotado pelo novo governo, não é pouca a herança recebida de seu antecessor.
A 15 de agosto, Federico Franco entregou um poder assumido, segundo o critério internacional, com a ruptura do processo democrático paraguaio mediante um golpe de Estado parlamentar com a cumplicidade de partidos tradicionais e poderosos interesses econômicos que dominam o país.
Mas além dessa grave falta institucional que teve como conclusão a destituição do presidente eleito pelos paraguaios, Franco e sua equipe realizaram um gerenciamento, denunciado abertamente por Cartes, meios de difusão e organizações políticas e sociais, com o fim de deixar vazias as arcas do Estado e em alta a corrupção administrativa.
Elemento importante na instabilidade deste mês no campo social foi a multiplicação dos protestos sindicais, camponeses e indígenas, pelas afetações causadas por essa sorte de furacão que varreu os recursos estatais.
Franco e seus ministros não só terminaram com os fundos de todas as instituições e entidades governamentais, como também abriram ainda mais as portas aos grandes grupos nacionais e internacionais exploradores tradicionalmente das riquezas paraguaias.
As propostas da administração Cartes para estabelecer uma ordem no uso das finanças chocaram neste mês, logicamente, com as medidas adotadas, ao nomear um gabinete de técnicos com evidente corte neoliberal e a aplicação de restrições ao uso do dinheiro público no tocante à satisfação de necessidades sociais.
Os primeiros 30 dias decorridos desde sua assunção viram as ruas repletas de protestos de docentes, médicos, enfermeiras, beneficiários de programas sociais estabelecidos no governo de Fernando Lugo, camponeses sem terras e indígenas dormindo nas ruas de Asunción reclamando alimentos e sementes.
Mas também viram importantes demonstrações sindicais de organismos vitais da economia nacional, entre eles os do setor elétrico, o serviço de fornecimento de água à população e até dos serviços sanitários públicos, alertando sobre os perigos existentes da privatização e entrega a ávidas empresas estrangeiras.
Ataques protagonizados por um grupo armado que opera no norte do país, uma das zonas mais pobres e abandonadas pelo Estado, motivou uma forte resposta do governo com a modificação da Lei de Defesa Nacional e a militarização urgente dos departamentos de San Pedro, Concepção e Amambay.
Consequência imediata do uso da força em proporções discutíveis foi o protesto quase imediato de camponeses e suas organizações e até propostas da igreja local pelas denúncias de excessos dos uniformizados em seu afã de encontrar os irregulares. No entanto, um dos mais curiosos contratempos enfrentados por Cartes neste curto período -e também o mais inesperado- é a verdadeira rebelião com a qual tropeça precisamente dentro do Partido Colorado que o candidatou para o cargo agora ocupado.
Na realidade, Horacio Cartes nunca foi político, mas um empresário que confessou publicamente manejar um grupo com seu nome integrado, nada menos, a 26 importantes empresas.
Sem ter votado nunca nas diferentes eleições paraguaias chegou a um acordo com o Partido Colorado, desalojado do poder depois de 60 anos de exercê-lo, inclusive durante a ditadura de 37 anos de Alfredo Stroessner (1954-1989), pelo triunfo de Fernando Lugo.
Sua contribuição econômica à campanha e seu trabalho de unidade dos vários grupos existentes dentro do partido, não só lhe garantiu a candidatura presidencial, como conseguiu que de sua mão regressassem os colorados ao poder.
Mas aí começaram os problemas. Cartes decidiu assumir toda a responsabilidade do desenho de seu governo e portanto da nomeação de todos os que o acompanhariam nos próximos anos e isso chocou com os mencionados grupos gerando uma oposição pública aos técnicos eleitos para os mais altos cargos ainda que o partido compartilhasse a chegada do novo neoliberalismo.
Da oposição pública à aprovação de uma Lei de Responsabilidade Civil que corta as atribuições parlamentares sobre o orçamento até o protesto das secionais de base reclamantes de cargos só para os de longa tradição colorada, marcam ainda o acontecer diário.
Cartes, muito duro ao princípio, teve que flexibilizar sua posição nas últimas semanas, nomear militantes do partido em importantes cargos apesar de não sempre comprazer a todas as tendências e tratar de sortear os descontentamentos da base, que chegaram a ondear bandeiras negras nos locais da organização.
Finalmente e para completar o complexo panorama também negocia a forma de seu regresso às filas da Unasul e Mercosul, onde o governo de Franco permaneceu 14 meses suspenso pelo golpe de Estado contra Lugo, para consegui-lo nas melhores condições possíveis.
Isso se faz apesar dos ataques permanentes a Venezuela, a que ostenta a presidência pró témpore, o qual é uma espécie de concessão aos grupos mais retardatários da sociedade paraguaia e com a vista posta na possibilidade de assumir a dita presidência ao final deste ano.
Como pode ser visto facilmente, trata-se de um começo bem complexo que ainda não tem bem esclarecido o desenvolvimento futuro do governo do abastado empresário apolítico agora governando à nação mediterrânea.
*Corresponsável da Prensa Latina no Paraguai
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