Uma das questões mais interessantes para um olhar ocidental é perceber como os russos encararam os novos desafios propostos à sua sociedade com o colapso do comunismo - ou, mais precisamente, de que forma à sua mentalidade adaptou-se às novas regras do jogo. A julgarmos pelo belíssimo filme do realizador Andrey Zvyagintsev ..., que tem circulado nos mais importantes festivais de cinema do mundo e foi premiado em Cannes no ano passado, o capitalismo abriu as portas da prosperidade para alguns, mas também entregou outros tantos à pobreza desassistida.
A personagem que dá nome ao filme está interligada a estas duas esferas. Aos novos ricos está conectada através do marido - sovina, materialista e firmemente imbuído da lógica mental capitalista (num momento ele diz que "a gratidão e a solidariedade só existem no reino dos céus"). Sua filha de outro casamento, por sua vez, entrega-se a uma vida de jovens ricos tipicamente ocidentais - vivendo unicamente para o prazer sem ter qualquer laço afetivo ou profissional que a prenda.
Elena está também profundamente ligada aos pobres através do seu único filho e a sua família. Desempregados crónicos, vivem do dinheiro que Elena lhes traz, seguem a fazer filhos (o terceiro vem a caminho) e são dotados daquela apatia de quem vive numa espelunca num bairro social. Drama da pobreza que atinge o filho já adolescente - rebelde, desmotivado e desocupado, que entrega-se com outros iguais a ele à violência gratuita.
Mas este retrato sociológico preciso e demolidor vai ainda mais adiante - ao conectar a Rússia com o verdadeiro crepúsculo da moral pós-moderna onde, pela nova lógica, os fins justificam quaisquer meios e o último a adaptar-se é aquele que perde. E a culpa, surpreendentemente, não é só do capitalismo...
Roni Nunes