Qual é a extensão da pandemia na África?
Ruanda emprega robôs no combate à pandemia
Deutsche Welle*
África do Sul foi duramente atingida, outros países conseguiram gerenciar melhor a pandemia.. Especialistas alertam que é preciso maior capacidade de testes para revelar a verdadeira extensão da pandemia no continente.
Susan Joshua, de 30 anos, vende milho assado na beira da estrada no distrito de Maitama, em Abuja, capital da Nigéria. A subsistência dela e de sua família dependem dessa atividade.
Quando Abuja decretou um confinamento geral no fim de março por causa do surto de covid-19, Joshua ficou confinada em casa, assim como outros milhões de nigerianos. Agora a vida está lentamente voltando ao normal na cidade.
"Estamos de volta aos negócios", disse à DW. "Normalmente vendemos mais do que isso, mas agora não estamos conseguindo. Às vezes só comemos uma ou duas vezes por dia."
A Nigéria, o país mais populoso da África, com 200 milhões de habitantes, registrou até agora 42.208 casos confirmados de covid-19. O presidente nigeriano Muhammadu Buhari recebeu crédito por levar a pandemia de covid-19 a sério. Ele mobilizou todas as instituições do governo para controlar a pandemia e logo impôs uma política de confinamento nas grandes cidades, posteriormente estendida para todo o país.
John Nkengasong, diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças da África (CDC) louvou a iniciativa nigeriana, apontando que o governo de Buhari foi bem-sucedido em lidar com o vírus: "É preciso elogiar o governo e o Centro de Controle de Doenças da Nigéria. Sem os esforços deles, os números poderiam ter disparado rapidamente."
A Nigéria, no entanto, tem poucos centros de testagem, e os resultados ainda levam vários dias para ser anunciados, aponta Abubakar Umar, cientista político da Universidade de Abuja. "Se você olhar para todo o tratamento, ele está abaixo da média, então não estou particularmente impressionado com o que o presidente fez até agora."
Vírus fora de controle na África do Sul
Com mais de 470 mil casos registrados, a África do Sul tem o quinto maior número de infecções depois dos EUA, Brasil, Índia e Rússia. O país está fechando suas escolas públicas depois de reabri-las no início de julho.
Segundo o presidente Cyril Ramaphosa, seu governo quis evitar que as escolas se tornassem novos focos de transmissão num momento em que as taxas de infecção por coronavírus avançam rapidamente no país, situando-se entre as mais altas do mundo.
O aumento do número de casos é tanto resultado de uma política agressiva de testes em massa, quanto da presença mais forte do vírus entre as populações mais vulneráveis. "Uma coisa que as pandemias fazem é tirar vantagem das disparidades e amplificá-las", disse Nkengasong, dos CDC África. "Eu me preocupo que isso ocorra cada vez mais em muitas capitais circundadas por favelas."
Em discurso transmitido pela TV no fim de julho, Ramaphosa também anunciou a expansão de um programa multibilionário de alívio ao coronavírus e a intensificação da luta contra a corrupção e fraudes no fornecimento de auxílio.
Uganda e Ruanda, dois bons exemplos
Especialistas em saúde e os CDC África elogiaram Uganda por conseguir segurar as taxas de covid-19, apesar do aumento em outras partes do continente.
Até agora, Uganda acumulou 1.140 casos confirmados e registrou apenas duas mortes, graças a uma política de isolamento muito rigorosa, de acordo com o professor Yap Boum, representante da África para o Epicenter, o braço de pesquisa dos Médicos Sem Fronteiras (MSF): "A estratégia de testes de Uganda está dando frutos, com apenas pouco mais de mil casos nos quase seis meses do surto. Para um país tão grande, é bastante impressionante."
Os CDC África também elogiaram a parceria de Ruanda para acelerar a plataforma Pacto para Aceleração de Testagem de Covid (Pact, na sigla em inglês), que promove testes eficientes e rastreamento de contatos.
"Ruanda enviou mais de mil agentes comunitários de saúde para ajudar no rastreamento de contatos", disse o diretor Nkengasong, acrescentando que a estratégia de Ruanda no combate à pandemia pode servir de exemplo. Até agora, o país da África Oriental registrou 1.963 casos de coronavírus e apenas algumas regiões seguem em confinamento. Outros bons exemplos são Camarões, Angola, Ilhas Maurício, Uganda e Moçambique.
Uganda tem sido elogiada por levar a pandemia a sério e adotar medidas precoces
Mais testes, menos negacionismo
Até agora, todo o continente realizou um total de 8,3 milhões de testes, dos quais 80% realizados em apenas dez países: África do Sul, Marrocos, Gana, Egito, Etiópia, Uganda, Ilhas Maurício, Quênia, Nigéria e Ruanda. A África Central realizou bem menos testes de covid-19 do que as demais regiões, totalizando apenas 330 mil.
"Essa é uma preocupação séria para nós. Vamos começar a focar nessa região de forma muito agressiva para aumentar o número de testes", prometeu Nkengasong. A meta do CDC da África é aumentar esse número para pelo menos 1% da população do continente (aproximadamente 15 milhões) por mês.
Há necessidade de alertar a população e aumentar a capacidade de testes visando especialmente aqueles em risco de adoecerem gravemente, aponta o professor Boum. "Agora sabemos que um em cada seis casos na República de Camarões e na República Democrática do Congo envolvem portadores de outras doenças ou maiores de 60 anos. Isso significa que é necessário sensibilizar essa faixa da população para limitar a mortalidade especificamente", aponta Boum.
O negacionismo é um dos principais problemas, de acordo com especialistas em saúde. Alguns africanos ainda acreditam que a covid-19 não passa de um resfriado comum que é superestimado pelo Ocidente. Segundo Umar, prefere-se reclamar do que cumprir com as medidas de saúde.
Desenvolvendo soluções próprias
No início de julho, a farmacêutica Gilead Sciences anunciou o preço do remdesivir, um medicamento que vem se mostrando promissor no tratamento da covid-19. Nos EUA, um tratamento completo com o medicamento através de um plano de saúde sai por 3.120 dólares.
Ensaios clínicos mostraram que o remdesivir reduz o tempo de hospitalização e a gravidade da doença, acelerando a recuperação em até 47%, em alguns pacientes. Segundo o professor Boum, no entanto, a África não tem acesso nem capacidade financeira para comprar esse tratamento.
"Enquanto isso, os pacientes seguem usando todas as opções, inclusive a medicina tradicional", observa Boum, acrescentando que esse desafio oferece uma oportunidade "para avaliar tanto a medicina ocidental quanto a africana, e ver como elas são complementares de várias maneiras".
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