Jandira Feghali: Meu mandato tem lutas e raízes em favor do povo
Jandira Feghali é uma das grandes oradoras do parlamento brasileiro. Fala com propriedade, contundência, paixão. Abraça as causas menos lembradas, incomoda, dirige-se aos mais necessitados, defende os oprimidos. Faz de sua tribuna a voz de todos.
Por João Francisco Werneck, para a coluna de Hildegard Angel
Foto: Midia Ninja
Ela representa uma vigorosa, porém pequena, safra de mulheres no Congresso, que, nos últimos anos, vem se destacando por seu ímpeto e a coragem de falar dos temas inconvenientes.
Aqueles que incomodam aos que oprimem, aos que subtraem do povo, aos que querem apagar a nossa História, mistificam e manipulam a opinião pública. Poucos abordam a questão da saúde pública como ela, médica advinda do serviço público. Sua bandeira supera os rótulos. É a do enfrentamento dos preconceitos, da desigualdade social, da tirania e da violência. É uma combatente pelo ensino gratuito. Raros dominam os assuntos referentes à Cultura como Jandira Feghali, que, no plenário da Câmara Federal, faz a defesa da memória histórica nacional.
Graças a Jandira, o Livro dos Heróis da Pátria, onde se inscrevem, nas páginas de aço, os nomes das bravas figuras do país, passou a se chamar Livro dos Heróis e das Heroínas da Pátria. Elas são muitas, ao longo dessa saga chamada Brasil, mas poucas receberam o honroso reconhecimento no Livro. Zuzu Angel é a última delas a ingressar nele, a primeira da vida contemporânea, e pela mão da corajosa Jandira.
Essa leoa brasileira "das Arábias" já ingressou mais de uma dezena de vezes na lista dos 100 políticos eleitos os "Mais Influentes do Congresso". Para cumprir seu próximo mandato, conquistou 71.646 mil votos, deputada mais votada no Rio de Janeiro, na chapa PT-PCdoB. Este 2018 foi um ano difícil para as esquerdas, com muita luta, uma grande derrota - a perda da eleição nacional, e grandes vitórias, para Jandira, particularmente - como impedir a Reforma da Previdência, o arquivamento do Escola sem Partido e a eleição da maior bancada da Câmara.
Nesse quadro, Jandira mantém o otimismo e a convicção de que, em 2019, a frase "ninguém solta a mão de ninguém" será mais do que um slogan.
Você fecha 2018 eleita com mais de 70 mil votos. Qual o segredo para fidelizar o seu eleitorado?
Não sei se tem algum segredo. Eu acho que o meu mandato é de opinião. Por ser deputada, é o mandato mais difícil de aferir, durante a campanha, o seu potencial de votos, porque são votos e eleitores espalhados, que vêm de todos os lugares. A ¬ fidelização acontece exatamente por isso. Você se expõe, muitas vezes em matérias polêmicas, onde nem sempre coincide com a opinião pública majoritária. Muitas vezes, eu preciso me expor em matérias em que a opinião pública está contra a minha opinião. Mas é o fato da coerência política, de manter essa proximidade com as lutas da população, que permite a fidelização de uma base eleitoral que se sustenta.
Obviamente, muitas vezes essa base é agregada em determinado momento por uma causa eleitoral, e outras vezes se perde uma parte desse eleitorado. Eu já saí de eleições com 263 mil votos, e já tive 60 mil em outra. Isso varia, mas existe uma sustentação básica, que se mantém a partir de uma coerência alcançada durante a vida. Estou do mesmo lado sempre, per¬filada com as ideias que sempre defendi. Sou uma mulher que enfrenta uma maré de preconceitos, porque as mulheres enfrentam preconceitos permanentes no campo majoritariamente masculino da política. Meu mandato não é vazio, ele tem lutas e raízes em favor do povo. Mandato de marketing não se sustenta.
Seus campos de atuação política são muito distintos, como saúde e educação públicas, direito das mulheres e cultura. Isso ajudou na fidelização do seu eleitorado?
Eu deixei de ser uma parlamentar temática há algum tempo. Assumi uma liderança no campo da esquerda, até por ter sido líder da bancada de Oposição (ao Michel Temer) em um momento muito difícil da história do país, e eu acho que meu mandato se tornou uma referência no campo da esquerda, muito mais do que como uma liderança temática. Eu me elegi pela soma que essa liderança se conformou. Quando o parlamentar se veicula a uma única bandeira, dependendo da bandeira, ele pode se fechar ou abrir para um novo eleitorado. A saúde pública é uma luta do povo, uma luta ampla, ela abre possibilidades. Outras lutas nem tanto, pois enfrentam maior preconceito...
Como ser contra a Reforma da Previdência, que deve ser votada no ano que vem?
Discordo. A reforma (da previdência) abre muito mais possibilidades do que fecha, porque as pesquisas de opinião mostram que a população majoritariamente é contra a reforma. Principalmente quando ela é bem explicada. O problema é que a televisão brasileira trabalhou com dados falsos, tentou fazer o povo acreditar que a previdência precisava ser reformulada. Mas, como as pesquisas de opinião provaram que a população era contra, o Congresso teve medo de votar neste ano. A reforma é contra o povo.
Em algum momento nessas eleições de 2018 você temeu não ser reeleita?
Claro. Todos nós, inclusive. Vimos crescer essa onda, uma onda muito reacionária, muito à direita, de extrema-direita, com preconceitos muito grandes contra nós, da esquerda, mas nem por isso nós tiramos do nosso discurso a explicitação da nossa posição. Tanto foi que nós entramos em campanha dizendo que havia dois campos: o do Lula e o do Bolsonaro; e nós estamos no campo de cá: contra o golpe, contra a retirada dos direitos, contra a Reforma Trabalhista e a favor da liberdade, da democracia. Nós não escondemos a nossa opinião em momento algum. Essa coerência que garantiu um processo eleitoral que nos reelegeu. Mas não foi fácil. Foi uma sobrevivência política. No Rio de Janeiro, em particular, essa onda foi muito forte. A sede deste fundamentalismo da campanha do Bolsonaro foi aqui.
E qual foi a sua maior vitória em 2018?
A reeleição, sem dúvida. E também ter impedido a Reforma da Previdência e obtido o arquivamento do projeto Escola Sem Partido, mais recentemente.
E a maior derrota?
Ter perdido a eleição nacional. A maior derrota foi a vitória do Bolsonaro.
Qual parlamentar jovem, promissor, você destacaria para 2019?
A Tabata Amaral, do PDT. Ela chega com uma força incrível. É uma menina jovem, que atua no campo da educação, muito nova, que nunca foi parlamentar, com uma história muito bonita. Ela vem de uma família humilde, batalhadora, e veio pelo campo da superação escolar. Foi estudar, resolveu entrar para a política, e agora é mais uma defensora da educação. Ela vem com um discurso muito bonito. Estou apostando nessas meninas mais jovens, que estão chegando para lutar neste campo estrutural da educação, que é algo importante para a cidadania. A nossa derrota em 2018 foi cultural e política e no campo dos valores, os debates serão muito duros na Câmara. Quando aparece uma mulher jovem, com essa energia e essas ideias, eu acho muito bonito, muito promissor.
Qual a sua avalição do Congresso Nacional que toma posse em 2019?
É um Congresso pior. A esquerda não perdeu em números, mas perdeu em qualidade. O Wadih Damous vai fazer muita falta no ano que vem. E o que cresceu, no lugar de alguns parlamentares de centro, digamos assim, foi a extrema direita. São pessoas que não têm o menor vínculo com questões basilares da nossa democracia, e tampouco com convívio democrático. Alguns vão para lá apenas para fazer reality show, outros apenas para desquali¬ficar o Congresso e a política. Eles querem desquali¬ficar a ação parlamentar. Só que o Parlamento é o poder eleito. É o pilar democrático do país. Então, não se pode disputar o espaço na democracia representativa e desquali¬ficá-la. É preciso ir para lá quali-ficá-la. Muitos querem ir para lá fazer do Congresso um espaço de show de horror, de brincar. Congresso não é lugar para brincadeira. Vai ser menor o diálogo, a seriedade com a política. São valores muito conservadores. São pessoas que querem voltar para o início do século 20, para o ¬ final do século 19. Pioramos muito, em muitos sentidos. Vai ser um Congresso muito polarizado.
O Centro afundou no Brasil?
Sem dúvidas. No entanto, se olharmos para a sociedade, o brasileiro não é nem majoritariamente de esquerda, nem de direita. Então, o Congresso, de novo, não representa a maioria da sociedade. Talvez esses 40 milhões que não votaram deixaram de expressar o nosso Parlamento. Isso é ruim. Se andarmos por aí, pela rua, o brasileiro tem um pensamento de Centro.
No ano que vem, você estará de novo como oposição. O que muda de Temer para Bolsonaro?
A ascensão do Temer já foi uma ruptura da democracia, O que faremos agora, já como resistência, é defender a Constituição. Fazer uma frente ampla, que defenda os direitos do povo. Faremos a defesa da liberdade de cátedra, das minorias, da seguridade social, da ideologia. Se o Bolsonaro segurou a Constituição, nós faremos ele cumpri-la. O discurso do Bolsonaro é antidemocrático. Isso nos preocupa. Vai ser o centro da nossa oposição.
São 37 anos no PCdoB. O termo "comunista" enfrenta um preconceito muito grande na sociedade. Virou até xingamento. Como é possível fazer parte do PCdoB em meio a esta demonização?
O anticomunismo sempre existiu. O que acontece agora é que o anticomunista é também o antipetista, e consequentemente o anti-esquerda. Isso é algo que a esquerda brasileira precisará enfrentar. Era um problema do PCdoB, e agora é de todos os democratas, ¬ ficou mais amplo, é um problema de todo mundo. O anticomunismo é contra a convivência democrática. Eles são contra a cor vermelha, contra o feminismo, contra as minorias, contra todos os partidos de esquerda. Essa linha do ódio é uma luta de todos, precisamos combater isso juntos.
Fonte: JB
http://www.vermelho.org.br/noticia/317736-1