Há exatos 100 anos a humanidade acordava com o estourar do que viria a ser a maior revolução da história vindo de um lugar que ninguém esperaria: a Rússia, um dos últimos países a abolir o feudalismo e símbolo do atraso na Europa e na Ásia. Mas a partir de um 7 de novembro como hoje (25 de outubro no calendário russo de então) com Lenin e os bolcheviques tudo, absolutamente tudo, mudou - lá e no mundo.
Para se mensurar o valor da Revolução Russa é preciso ter clareza de que nunca houve nenhum momento mais nefasto na história da humanidade do aquele que precedeu a revolução. Nem antes e, de forma relacional, nem depois. A barbárie da I Guerra Mundial trouxe muito mais do que a extinção em massa e a mutilação de corpos em escalas até então nunca nem imaginadas. Foi pior. A Caixa de Pandora que se abriu fez vir à tona todo tipo da pior espécie de vilania, traições e corjas de renegados.
Que as classes dominantes dos países ricos promovam um massacre global em prol do saque de colônias não é surpresa agora e não era há cem anos. O problema foi ver quem deveria se opor a tudo isso, quem servia de carne de canhão para uma guerra visivelmente injusta, bater palmas para o espetáculo do horror! A classe trabalhadora europeia, que tantos exemplos de valentia tinha dado para toda a humanidade ao longo de décadas, ao invés de se opor ao conflito, foi, em dezenas de milhares, para as ruas exigir que seus respectivos governos assassinassem outros povos em nome do "orgulho nacional". As vanguardas desses trabalhadores, os partidos políticos mais bem preparados e organizados do mundo, agrupados na II Internacional, que tantos progressos haviam arrancado à sangue em todo o globo, sucumbiram à barbárie e se esfacelaram perante uma metástase chauvinista completamente insana - incluso o grande e histórico Partido Socialdemocrata Alemão, o maior partido de massas do mundo, fundado por Engels e Marx e forjado no calor de batalhas antológicas. Karl Kautsky, reserva intelectual do marxismo revolucionário, principal referência global de todos os socialistas, companheiro pessoal de Engels até sua morte e herdeiro direto do legado de Marx (com direito à organização do esquecido livro IV de O Capital), junto com seu partido e sua Internacional já citados, também cai de joelhos e se rende ao lado obscuro da força como um porco imoral.
O problema não era, então, o esperado grito dos "maus". Não assustam hoje e não assustavam naquela época. Mas os urros simbiotizados de ódio-prazer dos "bons". Provavelmente, de fato, não haveria esperanças...
Mas a História não é a Matemática. Não vive exclusivamente de probabilidades. De onde ninguém esperava a esperança veio. Começou com as corajosas operárias de Petrogrado e sua greve em março de 1917. Os sovietes, conselhos de trabalhadores de todas as categorias unidas, na cidade e no campo, reaparecem depois da quase extinção com as derrotas das revoltas de 1905-1907. Em abril Lenin chega, do exílio, de volta à Rússia e proclama: todo poder aos sovietes! Todo poder à classe trabalhadora! Dias depois, ousa ainda mais e aponta o dedo na cara de todas as organizações então (pretendes à) revolucionárias da Rússia que se negavam a defender o poder soviético: se ninguém quiser tomar o poder com os sovietes, nós, bolcheviques, faremos sozinhos! A plateia ria, debochava e gargalhava às alturas. Meses depois, num 7 de novembro como hoje, Lenin e os bolcheviques estavam liderando os sovietes na maior revolução que a humanidade já viu! E contra tudo e contra todos, venceram. Lenin, os bolcheviques e a classe trabalhadora russa venceram!
A Revolução Russa, daquela conjuntura nefasta, na qual a barbárie se tornou regra inclusive entre os que sempre lutaram pelo progresso, fez nascer uma onda de avanços e revoluções ímpar na história, que durou décadas e tem consequências até os dias de hoje. Faz parte dessa epopeia os heróis de Stalingrado e a vitória de Stálin e do Exército Vermelho sobre o nazi-fascismo; a heroica luta de Kim Il Sung e de todo o povo coreano contra o imperialismo, derrotando, pela primeira vez, a maior potência militar da história (EUA); a vitória de Ho Chi Minh, Giap e todo povo vietnamita ante 3 das maiores forças imperialistas de todos os tempos; a gloriosa Revolução Cubana de Che, Raul, Célia e Fidel; a marcha revolucionária de Mao Tsé-Tung e a construção de uma China livre, soberana e socialista; as lutas anticoloniais de Agostinho Neto e Amilcar Cabral em Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde; os martírios de Olga Benário e Carlos Marighella em nossas terras; enfim... várias lutas e revoluções socialistas, anticoloniais e anti-imperialistas ocorridas ao longo de todo o século XX - tudo isso somado às conquistas em prol dos direitos trabalhistas, das mulheres e dos negros, cujo impulso da Revolução Russa também foi ímpar.
Na nossa atual conjuntura, de retrocessos igualmente inigualáveis, com derrotas acachapantes semana à semana, com o fascismo ressurgindo no mundo prometendo parir uma bizarra cria a partir do seu acasalamento com o neoliberalismo, celebrar os cem anos da Revolução Russa é celebrar a capacidade que um povo tem de virar o mundo de cabeça pra baixo e mudar radicalmente os rumos que se desenham para a história quando realmente decide lutar. Quem contar a história da humanidade e não reservar um importante capítulo à Revolução de Outubro e seu legado estará mentindo. Outros Outubros virão! Que os nomes de Lenin, Stálin, Kollontai e tantos outros revolucionários atravessem os séculos! Os séculos e milênios que a humanidade for existir!
Viva Lenin!
Viva os cem anos da Revolução Russa!
Diego Grossi, mestre em História Comparada (UFRJ) e doutorando em Ciência Política (UERJ)