A situação na Colômbia

"A oligarquia não aceita nada que ameace a ditadura do capital"

Redação Política de VOZ

29 Outubro 2017

Una análise da realidade colombiana


Carlos A. Lozano Guillén (foto) é o diretor de VOZ e um conhecido facilitador e analista sobre os temas da paz. Sete livros sobre o tema da paz em distintas épocas, assim o certifica. Quisemos conhecer para www.semanariovoz.com suas opiniões sobre as dificuldades da implementação do Acordo de Havana e das perspectivas para superá-las em meio às contradições com os inimigos da paz, as debilidades do Governo de Santos, da campanha eleitoral e da busca de uma saída democrática da crise.

Pergunta: Alguns analistas de paz, tanto de direita como de esquerda, opinam que o processo de paz está passando por uma crise difícil de superar. Crise de credibilidade, crise de cumprimento, crise na implementação porque há resistência no Congresso da República às leis e atos legislativos que implementam o Acordo de Havana a partir da decisão da Corte Constitucional de dar luz verde às modificações dos projetos por parte dos congressistas e estes a levaram muito a sério. Qual é sua opinião?

Resposta: Vamos por partes. Há crises no processo de implementação do Acordo de Havana. Está sendo submetido a uma espécie de renegociação em alguns casos e de mudança arbitrária tanto pelo governo, por agentes do Estado, como pelos congressistas, incluindo aos que fazem parte da coalizão de governo. É um coelho ao acordo com as FARC-EP por parte do Governo e do Estado e dos partidos da coalizão oficialista, talvez por distintas razões em todos os casos. Pelo que seja porém é um ato de traição, de falta de palavra. As FARC-EP, por outro lado, têm cumprido ao pé da letra os compromissos que se derivam -e os obriga- dos acordos pactuados em Havana. É a diferença.

O pânico da oligarquia às reformas

No fundo, se ratifica algo que temos sustentado sempre. Já o disse uma e muitas vezes em tantas análises sobre os processos de paz, inclusive comparando aos precedentes, que a oligarquia colombiana, toda sem exceção, tem pânico às mudanças, às reformas democráticas. Sabem que seu pior inimigo para preservar o poder sempiterno que têm mantido mediante a violência e o terror é a democracia, o regime de liberdades e garantias. Por isso fracassaram os processos anteriores e por isso também está em crise a implementação. A chave da classe dominante burguesa para manter o poder tem sido a violência, a precariedade democrática e consequentemente não têm interesse nas mudanças por mínimas que sejam. Há um setor realista deles que entenderam a necessidade de uma abertura limitada e a isso obedecem os intentos da paz dialogada e o êxito de Havana, porém cedem às pressões, fazem concessões à ultra direita militarista e belicista.

As FARC cumpriram e puseram fim à luta armada: deixaram as armas e fizeram o trânsito a um partido sem armas, isso era o que interessava a Santos, a Uribe Vélez, a Vargas Lleras, a Martínez Neira e enfim àqueles que detêm o poder e aspiram a manter o status quo. As mudanças que permitem são aquelas que não ponham em perigo seu poder político e econômico. Foi o que Santos aplicou na negociação, nada de discutir o modelo econômico, a propriedade privada, a "confiança inversionista" etc... Nada que ameace a ditadura do capital.

Contradições no bloco dominante

P.- Porém entre eles há contradições...

R: Claro que há. Poderíamos denominá-las de contradições no bloco hegemônico de poder ou no bloco dominante. E se expressam de diferentes formas. Enquanto Santos, por exemplo, quer a reconciliação porque a paz que é sua bandeira sem ela não tem sentido, a extrema direita que reivindica a vitória militar advoga pela vingança, pela retaliação e promove a violência. Quer ver a Timoleón e a todos os ex-integrantes do Secretariado no cárcere e extraditados para os Estados Unidos. Porém, ademais, os mais comprometidos com a guerra suja, com o terrorismo de Estado, com a violência contra o movimento popular, a promoção do paramilitarismo e do genocídio, têm temor da justiça transicional e da Jurisdição Especial de Paz, a célebre JEP, porque se pode dar o caso de que tenham que responder por suas atrocidades. São os políticos tradicionais, empresários, latifundiários, pecuaristas, comerciantes, que auspiciaram crimes e os financiaram e que têm gozado da impunidade. O que tem patente de corso é o ex-presidente Uribe Vélez que cometeu todo tipo de irregularidades e delitos, porém o protege a impunidade da Comissão de Acusações [dizem absolvições] da Câmara de Representantes. Porém cairá. Seja na Corte Penal Internacional ou quando neste país exista uma verdadeira justiça. Comparto a proposta de Roy Barreras, senador oficialista, que ante a ofensiva reacionária no Congresso o melhor caminho é a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte no médio prazo.

Um político realista porém dúbio

P.- O que assinala de Santos o coloca no campo dos bons?

R. - Não digamos assim. Santos é um político realista, porém também joga duplo. Desde o governo estão reformulando várias coisas do acordo. Sua posição é ambígua, faz concessões à extrema-direita; há inimigos da paz dentro do Governo e do Estado e não atua contra eles. Descumpre também os pactos sociais contra as comunidades e isso debilita os acordos de paz, há uma enorme inconformidade e insatisfação popular no país. Veja todo o jogo que deu a Vargas Lleras, um politiqueiro que com os dinheiros públicos montou sua campanha presidencial e que lidera o partido Cambio Radical, um dos mais contaminados de parapolítica e de corrupção. Por isso teme tanto a JEP. Flertou com Néstor Humberto Martínez Neira para ser Promotor Geral da Nação e veja o nefasto papel que cumpre como sabotador da paz. Rodrigo Lara, como presidente da Câmara, é um provocador contra os acordos de paz, seu pai Rodrigo Lara Bonilla, homem extraordinário, democrata e um dos fundadores do Comitê Permanente dos Direitos Humanos, deve estar se revirando de raiva em sua tumba ao ver seu filho patrocinando a guerra e apoiando aos paramilitares que o assassinaram. Que horror!

Não há que esquecer, companheiros, que Santos foi o ministro da Defesa de Uribe Vélez, durante sua gestão se fez o ataque no Equador para assassinar a Raúl Reyes e se cometeram os falsos positivos, promoveu os processos contra os facilitadores de paz. Tudo isto conta na hora dos balanços. Não nos equivoquemos. Não é correto, por exemplo, propor alianças eleitorais com ele para defender o Acordo de Havana, como propõem alguns na esquerda. O assassinato de Alfonso Cano foi um ato de traição, porque, enquanto era o principal interlocutor para estabelecer os diálogos com as FARC, não vacilou em ordenar sua execução. A história não é caprichosa e é teimosa. É verdadeira quando se conta ou se escreve bem.

O país está estremecido pelas explosões sociais e a resposta é a negativa a resolvê-los e a repressão dos criminais do ESMAD que o Governo não quer dissolver apesar das exigências dos organismos nacionais e internacionais humanitários. Tampouco atua contra o paramilitarismo e seus cúmplices que banham de sangue a geografia nacional. São demasiados os mortos no campo da esquerda e do movimento popular e nas esferas oficiais seguem negando a existência do paramilitarismo e da sistematicidade da onda de violência. É um plano de extermínio que conta com o apoio de setores militaristas e da inteligência do Estado. E Santos não atua. Não digo que esteja comprometido nisso, porém não atua em consequência. Uma parte da cúpula militar conspira contra a paz. Não nos equivoquemos.


Não é a hecatombe

P.- Então, o que fazer? Qual é o caminho?

R.-  A primeira coisa que há que dizer é que a situação é grave, delicada, porém tampouco é a hecatombe. Não estamos na panela de pressão e sem saída. Às vezes se escutam discursos catastróficos, apocalípticos. Como se não houvesse saídas. Esta conduta é equivocada porque gera pânico nas massas e pessimismo, paralisa a mobilização e a resposta popular. Pelo contrário, o conjunto da esquerda e das organizações sociais de vanguarda estão atuando, promovendo a resistência popular e a denúncia internacional do que sucede no país. A paralisação da Cúpula Agrária é exemplar. Assim como as mobilizações em várias regiões. A paralisação dos pilotos, dos funcionários da Dian, os pronunciamentos da USO e a convocatória da paralisação nacional em defesa do Acordo de Havana e da vida nos mostra o caminho a seguir. Não podemos estar expectantes, há que atuar, lutar, a melhor trincheira é a luta e a resistência de massas.

Avançam outras iniciativas como o referendo revogatório do prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, as quais surgem nas organizações sociais e sindicais reunidas quase que em sessão permanente e amadurecem as condições de uma paralisação nacional que é inevitável. Existe um bom estado de ânimo no setor social e popular e isso é importante, conta com a presença da maioria da esquerda.

P.- E está também o diálogo com o ELN...

R.- Pertinente sua observação. Também vai em desenvolvimento o diálogo com o ELN e por bom caminho, com um cessar-fogo bilateral que vai até o mês de janeiro e com possibilidades de se prorrogar. Há que defendê-lo. A palavra de ordem não é só defender o Acordo de Havana mas também o diálogo com o ELN no Equador, deve se manter e se continuar. Muito importante a reunião recente da direção do partido FARC com os delegados do ELN na mesa de Quito. Não é uma boa mensagem do Governo o descumprimento dos acordos de Havana, não gera confiança na guerrilha elena. Assim o reconheceu há uns dias o chefe negociador do governo, Juan Camilo Restrepo, na entrevista que com ele fiz para Telesul.


O processo eleitoral

O processo de implementação se adianta em meio à campanha eleitoral, exacerba mais os ânimos da extrema-direita e dos inimigos da paz, não é verdade?

R. - Claro que sim. A extrema-direita uribista, sempre tão prepotente, anuncia que fragmentará o Acordo de Havana e que romperá os diálogos com o ELN. Terra arrasada. Guerra total. É o que debemos ter em conta para elaborar a tática eleitoral da esquerda.

O Acordo Final de Havana não só pôs ponto final ao conflito armado de mais de meio século senão que também abre enormes perspectivas de avançar em reformas democráticas e sociais. A abertura democrática é para superar em definitivo as causas do conflito, nem mais nem menos. É uma realidade. Por isso o caminho na campanha eleitoral e mais além desta é a de forjar uma ampla frente de forças alternativas para defender o conquistado e mediante um programa comum atuar com ambição de poder para derrotar ao bloco hegemônico da direita e bloquear a passagem à extrema-direita delirante e fascistóide. É uma frente ampla, democrática e progressista, não reduzida ao âmbito da esquerda. Tem que ir mais além desta, sem conluios reformistas porém entendendo sim o alcance real da frente. É para a democracia e melhorar as condições sociais, consolidando as conquistas de Havana e o que resulte de Quito. Nessa direção é pertinente a ideia do governo de transição, este é um momento histórico de transição, de avançar para outro momento no estágio político e social nacional.

Se fazemos um retrospecto histórico, há exemplos no passado, talvez o mais significativo, guardadas as proporções, foi a política de frente popular na Europa e no mundo para bloquear a passagem ao nazifascismo. Em Colômbia se expressou no respaldo dos comunistas ao governo de Alfonso López Pumarejo chamado da "revolução em marcha". Foi a maneira de frear a ameaça dos conservadores bajuladores do nazifascismo na época. Se não tivesse existido essa realidade ao melhor não se haveria dado esse apoio. Em contraste, foi um erro não ter apoiado a Jorge Eliécer Gaitán nas eleições de 1946 quando Mariano Ospina Pérez ganhou, quem instaurou, graças à derrota liberal, um regime terrorista de Estado. Vejam os exemplos da história que nos devem servir não para repeti-los mas sim para analisar o melhor caminho neste momento histórico. Lênin orientou a revolução democrático-burguesa, em fevereiro de 1917, como via da unidade para derrotar ao czarismo e foi a antessala da revolução socialista de outubro que cumpre cem anos nestes dias.

Os princípios são inalteráveis

Isso não quer dizer que a esquerda revolucionária abandone seus princípios. É um assunto de correlação de forças, pois se trata de acumular forças sob a nova realidade para a luta estratégica pelas mudanças estruturais, as transformações revolucionárias e o socialismo. Acumular forças para avançar na definição do problema do poder.

Timoleón explicou bem que as conquistas do Acordo de Havana são os que a correlação de forças permitiu, algo que ensina o abc da teoria revolucionária. No caso nosso, somos marxistas-leninistas, comunistas, não anarquistas iludidos que cremos que a revolução sempre está na volta da esquina. Esta temos que construí-la. E assim como a direita incomoda para a democracia, para nós é nossa melhor aliada na luta pelo poder. Experiências há em todo o planeta. A mais recente é Venezuela bolivariana, de como a esquerda mudou a tendência política com a eleição da constituinte e as eleições de governadores. Não se deixou encurralar pelo terrorismo da oposição e das guarimbas com apoio do exterior.

Aqui tivemos apoio do exterior. Da União Europeia, da América Latina, para construir a paz, para virar a página da violência de mais de meio século, isso é importante.

Por esta razão promovemos uma aliança de forças alternativas. O último plenário do Comitê Central convidou os candidatos alternativos, para assim denominá-los, a que conversemos, tratemos de elaborar em conjunto um programa comum, que é o mais importante. Vale a pena intentá-lo em direção a defender os diálogos de Havana e a Mesa de Quito e a fazer compromissos na luta democrática e social. É um compromisso histórico, um desafio para derrotar aos que promovem a guerra e aos vacilantes.

Piedad é uma revolucionária de muito valor

P.- E nisto, onde cabe Piedad Córdoba? Lhe pergunto por que não sei se leu o artigo de La Silla Vacía...

R. - Eu o li e me deu tristeza de como se manuseia uma situação para abrir fissuras na esquerda. O artigo é de Laura Ardila, jornalista decente, a conheço e a respeito, porém lhe deu um viés odioso, e nessa direção acomodou sua história. Não creio que o tenha feito de má-fé, talvez por apreço e carinho a Piedad, que é uma personalidade extraordinária, uma heroína da luta democrática em Colômbia e uma mulher de muitas qualidades.

Laura me entrevistou por cerca de quinze minutos e só tirou um pequeno parágrafo fora de contexto para acomodá-lo ao que queria mostrar, isto é, que a esquerda, os amigos de Piedad, lhe deram as costas. Recolhe até fofocas para demonstrá-lo e isso não é sério. No que se refere a Marcha Patriótica não é assim. Sou um de seus porta-vozes e bem sei que ali se lhe quer e se lhe aprecia e não se lhe deu as costas, há decisões em processo que não foram adotadas. E em várias regiões a gente de Marcha a acompanhou em seus giros eleitorais. Pessoalmente tampouco lhe dei as costas nem sou um mal-agradecido, porque Laura assegura que Piedad financia a VOZ. A verdade é que nos ajuda e isso eu agradeço. Numa ocasião, há mais ou menos três ou quatro anos, nos deu um aporte econômico importante; no ano passado nos financiou um coquetel no Clube de Executivos e em dezembro nos emprestou um dinheiro que já pagamos. Foram gestos generosos, próprios de uma mulher como Piedad, solidária e lutadora. Porém jamais me condicionou a nada distinto a que VOZ siga na batalha jornalística e revolucionária. Foi algo normal, transparente e sem nada irregular. Assim que o viés que Laura lhe dá é impróprio. Na realidade VOZ se financia com o apoio do Partido Comunista, de organizações sindicais do país e do exterior, com seus próprios recursos que provêm da venda do jornal e de campanhas financeiras, entre elas o Festival, e da ajuda de personalidades generosas como Piedad Córdoba.

Queremos muito a Piedad, pessoalmente a admiro a tem sido uma estreita amiga que tem me brindado seu apoio em momentos difíceis como o que passou por razões de meu estado de saúde. Tem direito a realizar sua campanha presidencial e lhe sobram méritos para presidir este país. E todo mundo deve ter a certeza de que Piedad tem lugar neste projeto unitário e, sendo o caso, seria uma excelente candidata, porém isso deve ser fruto do mesmo processo unitário, das decisões democráticas daqueles que integrem a frente. Piedad, evidentemente, tem suas próprias opiniões e são muito respeitáveis. É tudo.

 

Tradução > Joaquim Lisboa Neto

 


Author`s name
Pravda.Ru Jornal