Como The Duran já previra que aconteceria, os russos rejeitaram a oferta de Kerry (um lugar para os russos numa coalizão anti-ISIS liderada pelos EUA, em troca de os russos admitirem a deposição do presidente Assad).
O ministro de Relações Exteriores Sergey Lavrov acaba de confirmar publicamente o que já disséramos: as conversas em Moscou, com o secretário de Estado John Kerry dos EUA, fracassaram.
Eis o que dissemos nesse blog, sobre a proposta que Kerry levou a Moscou:
"(...) parece que os EUA ofereceram-se para unirem-se aos russos numa campanha militar conjunta na Síria contra Al-Qaeda e Daech. Antes de ir a Moscou, Kerry deixou escapar que alguns dos que chamou de "subgrupos" afiliados à Al-Qaeda também seriam atacados. Mas em troca os norte-americanos pareciam esperar que os russos se submeteriam à liderança dos EUA naquela campanha militar, suspenderiam o fogo contra grupos terroristas e rebeldes aliados com os EUA na Síria e concordariam com a mudança de regime do presidente Assad."
Nosso comentário sobre essa proposta foi
"Se esse é resumo fidedigno do que Kerry tem para propor, não é difícil ver por que os russos rejeitarão a proposta. Na essência, o que Kerry parece ter oferecido aos russos não passou de mais um plano para derrubar o presidente Assad, dessa vez com ajuda dos russos, em troca de um lugar, sob comando dos EUA, numa coalizão militar."
Agora, Lavrov acaba de confirmar que foi exatamente o que aconteceu. Falando num fórum nacional russo de educação para jovens, a agência Sputnik noticia que o ministro russo disse o seguinte:
"Disseram que os russos poderíamos nos unir aos esforços deles na luta contra o terrorismo [...], mas só depois que concordássemos com tirar Assad do poder na Síria."
Sputnik noticia também que Lavrov informou que Kerry disse aos russos que Assad teria perdido o apoio da "vasta maioria da população síria". Segundo Lavrov, os russos responderam que cabe aos sírios - não aos EUA ou à Rússia - eleger governantes sírios, de modo democrático.
Em outras palavras: os russos rejeitaram a 'oferta' de Kerry. Para destacar esse ponto, Sputniknoticia que Lavrov condenou firmemente toda a política dos EUA de mudança de regime como foi aplicada ao Oriente Médio:
"O que está acontecendo no Oriente Médio e no Norte da África é resultado direto de uma atitude muito incompetente, absolutamente não profissional ante a situação em campo. No esforço para manter a própria dominação, nossos parceiros ocidentais agiram como boi numa loja de porcelana."
Essa sempre foi a posição dos russos, absolutamente consistente, desde o início do conflito sírio, em 2011.
De fato, a história da diplomacia do conflito sírio foi a continuada repetição de um mesmo evento: os EUA tentando forçar os russos a aceitarem a derrubada do presidente Assad. Os EUA fazem as mais variadas ofertas ou ameaças aos russos, tentando ou suborná-los ou obrigá-los a aceitar 'o negócio'. Os russos respondem que o futuro do presidente Assad é assunto estritamente interno da Síria, e que não se envolvem. Os EUA voltam para casa, confusos e furiosos.
Aconteceu incontáveis vezes, exatamente assim. As conversações de Kerry em Moscou com Putin e Lavrov são apenas o exemplo mais recente.
Os EUA não são os únicos a tentar coisa semelhante com os russos, e a sair de lá com as mãos igualmente vazias. Em julho de 2013, o chefe da inteligência saudita príncipe Bandar bin Sultan bin Abdulaziz Al Saud voou secretamente a Moscou onde alternou ofertas e ameaças, em reunião privada com Putin, tentando que os russos aceitassem a remoção do presidente Assad. Para grande surpresa e ira do príncipe, os russos disseram não - como sempre antes e depois.
Na verdade, um dos traços mais estranhos de todo o conflito sírio, é (a) a total incapacidade dos EUA e de seus aliados árabes para aceitar que os russos opõem-se à política deles de mudança de regime na Síria e noutros lugares; (2) que essa oposição é real; e (3) que os russos não são nem seduzíveis nem subornáveis pelo menos, com certeza, nessa questão. Apesar das inúmeras vezes em que os russos esforçaram-se empenhadamente em explicar sua política, os EUA e aliados parecem incapazes de crer que os russos estão falando sério. A impressão que se tem é que os norte-americanos pensam que os russos estariam tentando alguma 'jogada' falsa ou mentirosa; e que, se conseguirem montar uma proposta realmente tentadora, ou pressionar com suficiente força... os russos acabarão por aceitar que os EUA derrubem o presidente Assad.
Hoje - já lá vão cinco anos desde o início do conflito -, já deveria estar obviamente claro que nunca acontecerá como os EUA supõem. A viagem de Kerry a Moscou e as longas horas de 'negociação' infrutífera porém mostram que os EUA simplesmente não conseguem aceitar o fato de que os russos não mudarão de posição.*****
25/7/2016, Alexander Mercouris, The Duran