Entrevista com Jurista Mads Andenæs - Presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária
O advogado norueguês Mads Andenæs é jurista acadêmico e Relator Especial da ONU sobre Detenções Arbitrárias, presidente do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária desde 2009, comissão de especialistas que instou às autoridades suecas e britânicas que acabem com a privação da liberdade de Julian Assange, respeito a sua integridade física e à liberdade de movimento, além de pagar-lhe pelo direito a uma compensação financeira.
Assange, detido pela primeira vez na prisão e, em seguida, em prisão domiciliar, refugiou-se na Embaixada do Equador em Londres em 2012, depois de perder ação junto ao Supremo Tribunal do Reino Unido contra a extradição à Suécia, onde teve início uma investigação judicial contra ele em relação a acusações de abuso sexual. Contudo, o fundador e editor de WikiLeaks não foi acusado formalmente.
Em seu parecer oficial, o Grupo de Trabalho considerou que Assange tinha sido submetido a diferentes formas de privação da liberdade: através da detenção inicial na prisão de Wandsworth, em Londres, seguida da prisão domiciliar e, depois disso, por meio do confinamento na Embaixada equatoriana na capital inglesa.
De acordo com um comunicado de imprensa emitido pelo Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (OHCHR, na sigla em inglês) das Nações Unidas, os peritos concluíram também que a detenção foi arbitrária já que Julian Assange foi mantido em isolamento na prisão de Wandsworth o que, devido à falta de diligência por parte do Ministério Público sueco em suas investigações, resultou na perda de liberdade por longo período.
O Grupo de Trabalho estabeleceu ainda que tal detenção viola dois artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, além de seis artigos do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Assange também liberou mais de 250 mil telegramas secretos e confidenciais, emitidos por Embaixadas dos Estados Unidos em todo o mundo. Publicados inicialmente em seu sítio WikiLeaks, muitos desses cabos que revelam os segredos de Estado norte-americanos, têm sido publicados em meios de comunicação e blogs por todo o mundo.
Nesta entrevista exclusiva, Andenæs comenta sua participação no Grupo de Trabalho das Nações Unidas e por que a comissão defende a liberdade de Assange, apresentando as implicações legais relativas ao caso.
"Há vários erros processuais cometidos pelas autoridades", diz o jurista que apresenta também sua visão sobre o papel que o fundador de WikiLeaks pode desempenhar em relação à política internacional, a importância da solidariedade mundial a ele e como vê as recentes revelações de WikiLeaks, de que os Estados Unidos espionaram o secretário-geral da ONU, Ban Ki-monn, e a chanceler alemã Angela Merkel.
Andenæs, quem emite ainda opinião sobre a cobertura da mídia predominante em relação ao caso Assange, é também professor da Faculdade de Direito da Universidade de Oslo, ex-diretor do Instituto Britânico de Direito Internacional e Comparado, em Londres, e ex-diretor do Centro de Direito Europeu no Kings College, da Universidade de Londres. Ele também é pesquisador do Instituto de Direito Europeu e Comparado da Universidade de Oxford, e pesquisador sênior no Instituto de Estudos Legais Avançados da Universidade de Londres.
É editor-geral da revista jurídica britânica International and Comparative Law Quarterly (da Imprensa da Universidade de Cambridge), doEuropean Business Law Review, além de membro de conselhos editoriais de dez outras revistas da área de Direito e de série de livros, incluindo a Série Nijhoff que trata de Direito Comercial Internacional.
O justista norueguês é membro honorário da Sociedade de Estudos Jurídicos do Reino Unido, membro do conselho da Academia Internacional de Direito Comercial e do Consumidor, Membro Honorário do Instituto Britânico de Direito Internacional e Comparado, e membro da Sociedade Real das Artes, também do Reino Unido.
Mads Andenæs foi secretário-geral da Fédération Internationale de Droit Européen durante o período 2000-2002, secretário da Associação Britânica de Direito Europeu no período 1997-2008, e secretário do Comité de Direito Comparado do Reino Unido, 1999-2005. Foi presidente da Associação dos Institutos de Direitos Humanos, no ano de 2008.
Edu Montesanti (*)
Caro Professor Mads Andenæs, obrigado por conceder esta entrevista. Você poderia, por favor, dizer-nos sobre seu trabalho no Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária (WGAD, na sigla em inglês), durante a parte inicial do caso de Julian Assange nas Nações Unidas (ONU)?
Prof. Mads Andenæs: Eu era presidente do Grupo de Trabalho das Nações Unidas quando a denúncia foi recebida, e a interação entre a ONU e as partes ocorreu. Não fiz parte das discussões do Grupo de Trabalho que antecederam a conclusão do caso de Assange. Meu mandato se estendeu até julho de 2015, enquanto a decisão foi publicada em fevereiro de 2016.
Por que o senhor defende Assange?
Prof. Mads Andenæs: Tenho emitido opinião favorável ao parecer do Grupo de Trabalho das Nações Unidas. Assange está em detenção arbitrária, e no Reino Unido e na Suécia devem respeitar a decisão das Nações Unidas contra eles, tomar as medidas necessárias para colocar fim nessa detenção.
Por favor, professor Andenæs, especifique as acusações contra Julian Assange, e quem o acusa.
Prof. Mads Andenæs: O caso atual sobre a extradição para a Suécia diz respeito às alegações de abuso sexual. Claro, as alegações relativas a WikiLeaks envolvem um forte interesse do aparato de segurança em diversos países.
O temor é que essa última questão esteja influenciando o processo e os resultados do primeiro caso.
Como o senhor vê a alegação do regime de Washington, de que Assange tem ameaçado a segurança nacional dos Estados Unidos?
Prof. Mads Andenæs: Vejo que se tratam de alegações, normalmente, proferidas contra o uso do direito à informação e à liberdade de expressão. Há todas as razões para ser cético diante de tais afirmações.
Como o senhor vê a decisão da ONU de libertar Assange?
Prof. Mads Andenæs: Ela é muito clara. O WGAD da ONU teve que decidir sobre duas questões. Em primeiro lugar, se havia privação de liberdade em contraposição à restrição da liberdade. Em segundo lugar, se essa privação de liberdade foi arbitrária.
O WGAD da ONU aceitou claramente o argumento de que as condições de Assange não são auto-impostas, ou seja, se ele sair às ruas será preso. Há também um fracasso substancial da autoridades em relação à diligência prévia na execução da ordem criminal.
O limite entre restrição da liberdade e privação de liberdade é finamente traçada na jurisprudência europeia dos direitos humanos. A privação da liberdade não consiste apenas nas condições facilmente reconhecíveis do estado da detenção. Você deve considerar o período de tempo em que Assange permanece na Embaixada do Equador, e sua situação atual.
A liberdade deve ser capaz de ser exercida de maneira efetiva, em sua totalidade. Onde o exercício de tal liberdade tiver resultados significativamente coercitivos, como outras privações de liberdade ou colocar outros direitos em risco, isso então não pode ser descrito como liberdade na prática. O fato de que Assange está resistindo à prisão não resolve esse problema, já que isso significaria argumentar que a liberdade é um direito contingente em sua cooperação.
Assange não é livre para sair da Embaixada equatoriana por sua própria vontade. Ele teme uma extradição aos Estados Unidos seguida de repressão por seu envolvimento com WikiLeaks. As autoridades suecas recusam-se a fornecer garantias de não-repulsão que apresentem resposta a esse temor. A privação de Assange é arbitrária e desproporcional.
Há outras maneiras, menos restritivas de se proceder. Antes de emitir um mandado de detenção europeu, as autoridades suecas poderiam ter seguido a prática normal de entrevistar Assange em uma sala de interrogatório da polícia britânica.
Após Assange ter residido na Embaixada equatoriana, eles poderiam ter contado com protocolos de assistência mútua, questionando Assange através de videoconferência, e dado, assim, a oportunidade de responder às acusações contra ele.
Por favor, Professor Andenæs, esclareça em que consiste a privação de liberdade.
Prof. Mads Andenæs: O Pacto Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos Civis e Políticos e a Declaração Universal da ONU sobre Direitos Humanos, proíbem privação arbitrária da liberdade nos artigos 9. Isso é algo mais do que uma "restrição à liberdade". Ela inclui prisão domiciliar.
Como o senhor avalia a decisão de Reino Unido e Suécia, de não respeitar a decisão da ONU?
Prof. Mads Andenæs: As decisões do WGAD da ONU nem sempre são seguidas por Estados, mas raramente resultam nos ataques pessoais feitos por políticos do Reino Unido após o parecer Assange.
Sei que as palavras usadas pelo ministro das Relações Exteriores e do primeiro-ministro não se tratavam de reprodução das palavras por parte dos conselheiros públicos em direitos humanos e em direito internacional. Os políticos do Reino Unido visam enfraquecer a autoridade do órgão da ONU a fim de obter uma oportunista vantagem de curto prazo.
Temo que esses políticos tenham enfraquecido a possibilidade de a comunidade internacional proteger algumas das vítimas mais vulneráveis de violações dos direitos humanos. Suas palavras têm circulado entre os Estados responsáveis pelas piores violações dos direitos humanos. As palavras desses políticos do Reino Unido vão custar vidas e muito sofrimento humano.
O Reino Unido pode exercer lobby por algum tipo de apoio quando o assunto for relatado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, mas o Reino Unido certamente será criticado por outros Estados por sua resposta, e claramente merece críticas. Os danos causados pelo Reino Unido na ONU e sua autoridade moral em questões de direitos humanos são outro assunto, mas não há nenhuma dúvida sobre o dano causado à autoridade do Reino Unido.
Por favor, Professor Andenæs, comente o estado atual da investigação preliminar na Suécia, e a acusação vigente dos Estados Unidos contra WikiLeaks.
Prof. Mads Andenæs: Também aqueles que estão convencidos de que Assange é culpado de estupro, ache ou não ache você que ele é um auto-publicista deliberadamente resistente à prisão, o que eu não acho, a verdade é que as autoridades poderiam usar menos meios restritivos sem comprometer a investigação inicial sobre as alegações a respeito de sua conduta sexual na Suécia.
É oportuno lembrar que Assange não foi considerado culpado de estupro: atualmente, o Ministério Público e os tribunais na Suécia consideram que existem motivos prováveis. O professor Andrew Ashworth, de Oxford, afirmou na Expert Opinion de 2011 que a equipe de Assange fez referência a que "não considero que nenhum dos fatos alegados no European Arrest Warrant [Mandato de Detenção Europeu], que são as alegações citadas no mandado de prisão, seja auto-suficiente para configurar qualquer infração à lei Inglesa".
O vice-presidente do Supremo Tribunal sueco recordou-nos que o acusado é presumivelmente inocente até considerado culpado (vídeo abaixo), e que, quando há declarações contraditórias, os tribunais devem decidir se os requisitos para uma condenação são satisfatórios.
http://www.adelaide.edu.au/live/theassangeaffairapril2013.html
Os tribunais suecos, bem como a maioria do Supremo Tribunal do país e o vice-presidente da Suécia não compareceram à comissão, expressaram que o mandado de detenção, mesmo que não pudesse ter sido executado contra Assange, limitou sua liberdade de uma maneira que acabou sendo relevante para questionar se ela permanece proporcional. A maioria manifestou aprovação diante das medidas tomadas agora, para entrevistar Assange em Londres.
Certamente, o ex-representante jurídico sueco para as Nações Unidas e consultor jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Hans Corell, afirmou que "não entende porque o promotor não tinha interrogado Julian Assange durante todos os anos em que ele esteve na Embaixada do Equador".
Visões moderadas e jurídicas têm divergido sobre muitas dessas questões. Sem dúvida, elas têm sido incrementadas de maneira tendenciosa através de pontos de vista sobre a integridade do próprio Assange. Mas os direitos humanos não são destinados a favorecer um ser querido entre nós, mas sim para favorecer a todos nós.
Porque você acha que o Reino Unido está agindo tão acentuadamente de acordo com os interesses do regime dos Estados Unidos neste caso?
Prof. Mads Andenæs: WikiLeaks tem contribuído de modo muito importantes no que diz respeito ao nosso conhecimento do processo diplomático e político. Ele mudou minha percepção sobre grandes acontecimentos e instituições. WikiLeaks faz com que seja muito mais difícil nos manipular.
A tão chamada comunidade de inteligência baseia-se sobre métodos de trabalho envolvidos em segredo. Há poderosas forças institucionais que querem pôr fim às atividades do sr. Assange. E estão presentes em muitos países.
Como o senhor vê a posição do governo do Equador em relação a Assange, e a importância da solidariedade mundial a ele não só por parte de outros governos, mas também por ativistas e civis em geral, Professor Andenæs?
Prof. Mads Andenæs: O governo do Equador deu uma contribuição muito importante à proteção de uma esfera pública internacional e à proteção à liberdade de informação, à liberdade de expressão e à responsabilização por violações de direitos humanos. As expressões de solidariedade para com ele, não só por parte de outros governos mas também por ativistas e outros setores populares ao redor do mundo, são muito importantes.
Como o senhor avalia a abordagem dos meios de comunicação predominantes em relação às revelações de WikiLeaks, especialmente envolvendo o julgamento de Assange?
Prof. Mads Andenæs: Eu esperava uma defesa mais robusta ao direito à informação e à liberdade de expressão. Mas a mídia, em todos os países, opera dentro de uma complexa interação com os governos e leva em conta o interesse do Estado, de diferentes maneiras. Na minha opinião, neste caso há respeito excessivo ao interesse do Estado.
Como o senhor vê as recentes revelações de WikiLeaks, que o regime de Barack Obama espionou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e a chanceler alemã Angela Merkel em uma particular reunião estratégia de mudança climática, em Berlim neste ano, e que espionou também o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, na sigla em inglês)?
Prof. Mads Andenæs: Revelam práticas totalmente inaceitáveis. Tais revelações também justificam o trabalho de WikiLeaks.
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Edu Montesanti é professor de idiomas, autor de Mentiras e Crimes da "Guerra ao Terror", escreve para oDiário Liberdade (Galiza), para Truth Out (Estados Unidos), foi tradutor do sítio na Internet da ativista afegã pelos direitos humanos, Malalaï Joya, da ONG argentina Abuelas de Plaza de Mayo, e ex-colunista semanal do sítio na Internet do programa Observatório da Imprensa (TV Brasil)