Intervenção do Comandante-chefe das FARC-EP, Timoleón Jiménez, na roda de imprensa em La Habana
La Habana, Cuba, sede dos Diálogos de Paz, 23 de setembro de 2015
Compatriotas e amigos da paz de Colômbia:
Lhes trazemos hoje, ademais de nosso abraço fraterno, um informe de vitória coletiva: conseguimos, com a inestimável ajuda da subcomissão jurídica, retirar muitos dos obstáculos que tornavam mais difícil o caminho de nossa reconciliação. Temos uma Jurisdição Especial para a paz que, além de garantir o respeito aos direitos das vítimas, será fator dinamizador da firma de novos acordos neste ramal fundamental para alcançar a terminação do conflito.
O atual processo de Paz é o único no mundo que acordou um Sistema Integral que reúne e relaciona todos os elementos que o Direito Internacional assinala como direitos inalienáveis das vítimas: os da Verdade, da Justiça, da Reparação e da Não Repetição.
Aspiramos a que nada detenha agora a torrente de um povo que exige paz e deseja fundir-se perpetuamente num abraço de reconciliação; um povo que quer apalpar com suas próprias mãos as benevolências desconhecidas da justiça social, e sentir com o advento da democracia verdadeira que a exclusão e a desigualdade começam a se converter num nebuloso presente que se distancia.
Com a criação desta Jurisdição Especial para a Paz, tornamos realidade o reiterado na Mesa de conversações enquanto que as vítimas do conflito estão no centro do acordo; a jurisdição da qual informamos examinará os fatos ocorridos durante o conflito armado, estabelecerá responsabilidades e procederá a sancionar aos que incorreram em graves infrações contra os direitos humanos, infrações ao DIH e crimes de lesa-humanidade.
Buscamos que, com a criação desta Jurisdição Especial para a paz, se satisfaçam no campo da justiça as aspirações do povo colombiano, das vítimas, dos defensores de DDHH e da comunidade internacional. As partes nas conversações procuraram conjugar o direito à paz como direito síntese de todos os direitos humanos -civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais-, com a luta contra a impunidade que carcome a Colômbia desde há décadas e que permitiu que as agressões contra o povo não sejam nunca devidamente castigadas, sendo isso outro impedimento para a paz.
O Sistema está elaborado para que todas as partes envolvidas no conflito -combatentes e não combatentes- tenham oportunidade de oferecer Verdade exaustiva, detalhada e plena, o que pode permitir-lhes ter acesso a medidas sancionadoras de caráter restaurativo, de reparação para as vítimas. E as sanções serão alternativas para aqueles que unicamente ofereçam uma parte da verdade, e retributivas para os que, negando-se a oferecer verdade, sejam condenados em julgamento. Num e noutro caso, para os responsáveis as penas podem alcançar até 20 anos de cárcere; quer dizer, 12 anos mais de prisão que o estabelecido na última lei de justiça transicional, a 975 de 2005, aprovada pelo Estado colombiano.
Enquanto os acordos respeitam o ordenamento jurídico internacional, contemplam a aplicação do artigo 6.5 do Protocolo II dos Convênios de Genebra, do qual a Colômbia é Estado Parte, e que dispõe: "À cessação das hostilidades, as autoridades no poder procurarão conceder a anistia mais ampla possível às pessoas que tenham tomado parte no conflito armado ou que se encontrem privadas de liberdade, internadas ou detidas por motivos relacionados com o conflito armado". É óbvio, então, que não será anistiável nenhuma infração que seja considerada crime internacional, segundo as leis e tratados internacionais.
Ademais do componente de justiça, o Sistema está integrado por uma Comissão de Esclarecimento da Verdade, já acordada, por umas políticas de reparação integral a vítimas, e por medidas que garantam a Não Repetição. As FARC-EP já ofereceram este tipo de garantias ao tomar a determinação de pactuar a deixação de armas e se converterem em organização legal. De sua parte, o Estado deverá oferecer medidas efetivas de Não Repetição como a eliminação de qualquer vestígio da Doutrina de Segurança Nacional, a dedicação do Exército a defender as fronteiras e a soberania nacional, a destinação da polícia a manter a ordem pública, e a erradicação do fenômeno do paramilitarism o.
A jurisdição especial para a paz dispõe de um mecanismo judicial de oferecimento de verdade e reconhecimento de responsabilidades de caráter voluntário, e um Tribunal para a Paz que julgará aqueles que se neguem a oferecer verdade e reconhecer responsabilidades.
Ressaltemos que, ainda tendo pago um alto preço por nos rebelar contra a injustiça; sofrendo também nossos familiares e próximos as consequências da repressão, pondo em perigo até suas vidas, como insurgentes estamos dispostos a assumir responsabilidades por nossas atuações ao longo da resistência, porém nunca pelo que interessadamente nos imputam nossos adversários, sem nenhum fundamento nem fórmula de julgamento. Como se reflete no último informe da promotoria da Corte Penal Internacional sobre Colômbia, a insurgência tem sido perseguida implacavelmente, com todo tipo de medidas e procedimentos; não têm sido as organizações guerrilheiras as que desfrutam de impunidade, mas sim os agentes do Estado e os grupos paramilitares.
Acreditamos imprescindível, então, que o restante de atores do conflito, tanto os que combateram como os que instigaram a guerra a partir de luxuosos gabinetes, assumam com coragem sua responsabilidade e assim o manifestem ante o povo colombiano, sem poupar uma gota de verdade. Tudo devemos aos colombianos e às colombianas, e em especial é nossa obrigação em relação às futuras gerações, para que ninguém volta a padecer o que vivemos. Por isso pensamos em que é necessária uma grande jornada de contrição na qual se possa juntar o universo da gente envolvida no conflito -combatentes e não combatentes- para limpar as consciências, oferecer verdade, e assumir responsabilidades.
A jurisdição especial de paz que criamos deve inspirar-nos a olhar para frente, a acordar sobre o futuro de nossa pátria e deixar de confrontar pelo passado. Deve ser um passo que ajude a impulsionar as grandes transformações sociais e políticas que devem surgir do acordo de paz que estamos empenhados em alcançar, porque não podemos permitir que, assim como em anteriores tentativas de diálogo sucedidas em nosso país, ou em diferentes lugares do mundo, não se cometam as mudanças estruturais que sirvam como a maior garantia de não repetição do ocorrido.
Hoje anunciamos ao país que faremos tudo o que esteja ao nosso alcance por conseguir em poucos meses o acordo final de paz, e exortamos a nossa contraparte na Mesa a fazer o mesmo, levantando a voz do NUNCA MAIS, sobre os alicerces da Verdade, da Justiça e da Reparação, como um imenso farelhão andino que detenha para sempre a confrontação armada entre colombianos, favorecendo a concórdia na América Nuestra.
Só nos resta expressar nossa gratidão por seu esmero e profissionalismo aos juristas Manuel José Cepeda, Álvaro Leyva Durán, Juan Carlos Henao, Enrique Santiago, Douglas Cassel e Diego Martínez.
Muito obrigado ao Presidente Raúl Castro, ao comandante Fidel e ao povo de Cuba por sua solidariedade e altruísmo.
Muito obrigado à República Bolivariana de Venezuela por seu apoio incondicional à paz da Colômbia.
Muito obrigado aos países garantidores dos diálogos, Noruega e Cuba, e gratos ao Chile por seu acompanhamento.
"Quem semeia amor colhe amor, e quem semeia amor, amor terá".
Coincidindo com o Papa Francisco, devemos insistir em que: "Não temos direito a permitir-nos mais outro fracasso neste caminho de paz e reconciliação".
Esta vitória não poderá ser arrebatada ao povo da Colômbia.
Secretariado do Estado-Maior Central das FARC-EP