Com bem planejada campanha de mídia, em três atos, o Estado Islâmico (EI) anunciou que se está convertendo em entidade multinacional presente em muitos países. E o presidente dos EUA afinal aceitou que o presidente da Síria deve, pelo menos durante a tal "transição", permanecer onde está [e de onde, por falar nisso, ninguém conseguiu tirá-lo, por mais que tantos tenham tentado (NTs)].
17/11/2014, Moon of Alabama
http://www.moonofalabama.org/2014/11/syria-is-promotes-its-multinationality-obama-keeps-assad.html#more
Há uma semana, grupos jihadistas em cinco países árabes publicaram vídeos nos quais juram fidelidade ao Estado Islâmico e ao seu Califa. Os grupos aparecem na Argélia, no Egito (Sinai), na Líbia, no Iêmen e na Arábia Saudita. Os vídeos parecem ter sido editados pelos mesmos profissionais que editam todos os vídeos oficiais do Estado Islâmico, mas incluem tomadas locais de cada país.
Na 5ª-feira passada apareceu o segundo ato, quando foi publicada nova fita de áudio, com uma fala do Califa:
O discurso de Baghdadi foi dividido em duas partes principais. A primeira cobria aproximadamente dois terços do tempo da gravação e durava 17 minutos. Baghdadi falou do fracasso das operações da aliança internacional, que ele chama de "campanha dos Cruzados", e zombou dos árabes que participam daquelas operações. Na segunda parte, que foi a mais perigosa, ele anunciou que o EI está em processo de expansão e surgem novas províncias em vários estados árabes. Essas duas partes foram divulgadas sob a principal manchete de Baghdadi: sua jihad continuará e alcançará todos os povos e todas as terras em todos os tempos.
Um terceiro ato, um vídeo muito bem produzido, foi distribuído, com mais de 16 minutos de duração, que mostrava uma fila de 18 homens do Estado Islâmico, cada um deles degolando um oficial ou piloto sírio capturado.[1]
Na cena anterior ao momento dessa foto, vê-se uma cesta com facas bowie e cada degolador pega uma faca. Todos, na cena, usam o mesmo uniforme novo em folha, que não é o uniforme ocidental padrão, mas mostram mangas do tipo das que se veem nos uniformes usados no Afeganistão. (O padrão digital da estampa de camuflagem parece vir dos Emirados Árabes Unidos.) Todos têm mochilas iguais e gorros iguais. Todos os prisioneiros vestem o mesmo tipo de roupa. O único degolador que não aparece uniformizado e o único que tem o rosto coberto é britânico (apelido "Jihadi John") e já fora visto em outro vídeo de decapitações. Esse tem papel especial no final do clip. Todos os degoladores são de diferentes nacionalidades e representam a internacionalização do Estado Islâmico. Há um francês, um saudita, um iemenita, um paquistanês, um afegão, e outros.
A degola é mostrada do começo ao fim, em detalhes, parcialmente em câmera lenta. As decapitações são feitas devagar e sem hesitação. Quando a cabeça está separada do pescoço, é posta sobre o tronco, no chão. Não há gritos nem qualquer tipo de luta. A julgar pelos olhos e pela calma, todos, degoladores e degolados, parecem ter sido drogados, pelo menos superficialmente.
O vídeo exibe uma marca que mostra que foi filmado em Dabiq na Síria, o que tem muitos significados simbólicos. Dabiq é um vale no norte de Aleppo, onde o sultão otomano Salim I derrotou os mamelucos egípcios no século 16. Dabiq é também o local onde, segundo alguns textos islamistas, travar-se-á a batalha do Armageddon, no confronto histórico final entre o bem (muçulmanos) e o mal (cristãos).
A degola dos oficiais sírios toma cerca de 12 minutos e só depois dela é mostrada outra decapitação, a qual, parece, aconteceu antes. O decapitado é Abdul-Rahman Kassig, "ex" soldado Ranger da força especial dos EUA que combateu no Iraque e apareceu depois como "trabalhador humanitário" na Síria, a serviço da oposição. Foi capturado pelo Estado Islâmico em 2013. A degola não é mostrada, mas vê-se a cabeça separada do corpo. O degolador é "Jihadi John" e ele ameaça os EUA e o Reino Unido: "Massacraremos vocês, nas suas ruas". Nada sugere que seja piada. Parece, isso sim, anúncio de operações já planejadas.
O vídeo e a produção são de excelente qualidade. Com certeza a edição ficou a cargo de alguém que conhece muito bem o 'estilo' da narrativa dramática ocidental e, também, da produção ocidental.
Os valores simbólicos do vídeo não estão tanto propriamente na degola, embora os detalhes pornográficos possam ter sido incluídos para recrutar doentes psicóticos de um determinado tipo. Os pontos simbólicos estão na locação (e no que Dabiq representa) e no próprio grupo multinacional de degoladores, todos, hoje, já alistados como soldados uniformizados do Estado Islâmico.
É esse detalhe, afinal, que faz o vídeo aparecer como terceira parte de uma campanha de mídia muito bem planejada para anunciar e demonstrar o caráter multinacional do Estado Islâmico.
Por mais que tenham aparecido várias colunas escritas nas últimas semanas, sobre derrotas que o Estado Islâmico estaria sofrendo em algumas batalhas pequenas e sem importância no Iraque, a campanha de mídia lançada pelo EI aponta na direção oposta. O Estado Islâmico está crescendo e já é entidade multinacional com ampla distribuição geográfica. E vai-se tornando cada dia mais duro, mais difícil, combater contra ele. Mas significa também que o EI passará a precisar de mais recursos financeiros, que serão difíceis de obter. Significa também mais comunicação entre seus 'ramos' - e comunicação é coisa rastreável, detectável e interrompível.
O vídeo acima discutido inclui também uma passagem na qual se explica que o Estado Islâmico e o fato de manter-se embasado em "Tawheed e Jihad" é consequência DIRETA das hostilidades e da ocupação, pelos "cruzados", do Iraque. É explicação suficiente para pôr fim, de uma vez por todas, à conversa de tantos 'especialistas', que só fazem culpar Malik ou Assad pela ameaça que o EI traz para todos.