Frente LGBT reage contra ação evangélica que fere direitos humanos de gays e lésbicas
No dia 28 de junho, foi realizada uma Audiência Pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados para discutir o Projeto de Decreto Legislativo (PDC), proposto pelo deputado federal João Campos, que objetiva sustar a resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia. Essa resolução impede que psicólogos usem a mídia para reforçar preconceitos, ou que proponham "tratamentos" para "curar" a homossexualidade. A Audiência colocou em campos opostos a frente evangélica, que defendia o projeto de Campos, e a frente LGBT, que defendia o respeito à decisão da comunidade científica.
Explorada de forma inconsequente por uma parte oportunista da mídia, a discussão está sendo tratada como uma tentativa de cercear a liberdade de pacientes e a liberdade profissional de psicólogos por parte da comunidade LGBT. Tal visão esconde a real questão acerca do projeto da bancada religiosa: qual o interesse em sustar uma resolução autônoma do Conselho Federal de Psicologia, democrática e de legítima competência de uma entidade científica, como o Conselho? Por que esta proposta é feita dez anos após a resolução do Conselho? Qual é o sentido de se apresentar como uma questão de "liberdades" o que é, na verdade, uma questão científica? Se aplicarmos esse mesmo critério para outras situações do mesmo tipo, o Congresso poderia aprovar um decreto legislativo que autorizasse os oncologistas a tratar o câncer com suco de limão, "curar" a negritude ou usar como remédios substâncias venenosas.
A resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia é correta. Ela impede os profissionais desse campo de exercer a profissão de maneira anticientífica tratando como doença o que não é doença, oferecendo "tratamentos" para mudar o que não é possível mudar, reforçando assim a ideia errada de que ser gay ou lésbica é ruim e colocando em risco a saúde mental dos pacientes. Em diferentes partes do mundo, os "tratamentos" para "curar" a homossexualidade, também apresentados como "terapias de reversão" - que são, na verdade, formas de tortura psicológica baseada em preconceitos religiosos - têm tido como consequência o suicídio de muitos gays e lésbicas. Por isso, tem psicólogos que já pediram publicamente perdão e tem países que aprovaram leis que proíbem este tipo de práticas antiéticas, no mesmo sentido que o C. F. P. resolveu como entidade profissional.
Retomar a discussão sobre a homossexualidade ser ou não uma doença é um absurdo do mesmo tipo que seria retomar a discussão sobre se o sol gira em torno da terra. Trata-se de assuntos que não estão mais em discussão na comunidade científica. A homossexualidade nunca foi uma doença, da mesma maneira que a heterossexualidade e a bissexualidade também não são. O que a ciência sabe é que na espécie humana (e em centos de espécies animais) há indivíduos que sentem atração sexual pelo mesmo sexo, pelo sexo oposto ou por ambos. Isso sempre foi assim, em proporções estáveis, em todas as épocas, em todos os continentes, em todos os povos e em todas as culturas. E a ciência sabe que todas essas possibilidades (hétero, homo ou bi) são naturais e saudáveis e que nenhuma é melhor ou pior do que as outras.
O anterior é ponto pacífico no âmbito científico, que não pode ser mudado por decisão do poder político. O Congresso Federal não tem autoridade para mudar por lei ou por decreto os conhecimentos dos cientistas nesse ponto, da mesma maneira que não poderia, por votação dos parlamentares, anular a lei de gravidade.
Por outro lado, chama muito a atenção que esta tentativa autoritária de submeter a ciência às crenças de um setor religioso com representação política no Poder Legislativo apareça no mesmo tempo em que a comunidade LGBT reforça a luta por seus direitos, através do desarquivamento do PLC-122 no Senado, do reconhecimento da união estável por parte do STF, do reconhecimento de direitos tributários por parte do Executivo e da luta pelo casamento civil igualitário na Câmara. A verdadeira intenção da bancada fundamentalista é gerar um fato político que dê algum tipo de sustento a seus discursos de ódio contra os homossexuais e outras minorias.
Por isso tudo, membros da Frente Parlamentar LGBT no Congresso decidiram participar, mesmo sem qualquer convite, da Audiência Pública, realizada exatamente - que ironia! - no dia mundial do orgulho LGBT. Foram ao debate, ouviram todo o pronunciamento da psicóloga Marisa Lobo, e, após, com embasamento e dados técnicos reconhecidos internacionalmente, desconstruíram suas afirmações de que é "questionável a conclusão de que a homossexualidade não seja doença". Porém a frente, em decisão unânime, resolveu se retirar antes das declarações homofóbicas do deputado Jair Bolsonaro, que fez questão de propagar seu discurso de ódio contra a comunidade LGBT, e que não tinha qualquer relação com o tema da Audiência, sendo, por isto, advertido.
A discussão acontecida na audiência não pode ser ignorada ou subestimada. O próprio fato de se ter feito uma audiência para tratar o projeto de Campos, que é, sem dúvida, anticonstitucional, é muito grave. Parece uma discussão do século XIX e, se o projeto de Campos avançar, isso colocaria o Brasil numa posição vergonhosa no cenário internacional, ao lado dos países governados por ditaduras teocráticas que criminalizam e perseguem os homossexuais.
"Quem nasce nesta cultura e é injuriado desde criança, quando começa a expressar seus afetos, seus sentimentos, é claro que terá um sentimento de si negativo. É claro que esta pessoa terá um sofrimento psíquico, em relação à sua orientação sexual. Ela vai ter, portanto, egodistonia. Mas se alguém desenvolve egodistonia porque vive numa cultura homofóbica, que rechaça e subalterniza a homossexualidade, é claro que a postura ética de um profissional da psicologia será colocar o ego em sintonia com o seu desejo. Então o homossexual que por ventura procurar o psicólogo para falar do sofrimento psíquico que ele passa por viver nesta cultura homofóbica, deveria ter do profissional, que é ético, dizer para ele que o melhor caminho é colocar o seu ego em sintonia com o seu desejo. Portanto, é assumir para si o seu desejo. É sair da vergonha para o orgulho, passar a experimentar a si como pessoa inteira. E aí vai acabar o sofrimento. Não reforçar esta egodistonia por meio de discursos com fundo religioso", disse Jean Wyllys em proferimento durante o debate.
Fonte: www.jeanwyllys.com.br
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