Tirando as máscaras para falar da escola pública: uma análise na pandemia e para além dela
Izadora dos Santos Pires - Professora de Química e mestranda na área de ensino
Victor Ferreira Dias Santos - Professor de Química e mestrando na área de ensino
Helio da Silva Messeder Neto - Professor de ensino de Química da Universidade Federal da Bahia
Estamos passando por um período difícil, as medidas de quarentena adotadas pelos estados, paralisaram a educação pública brasileira. Apenas no dia 28 de abril Conselho Nacional de Educação (CNE) com a colaboração do Ministério da Educação (MEC), divulgou orientações para estados e municípios adequarem suas atividades educativas durante a pandemia em todos os níveis educativos1. Em suma, essas recomendações tencionam para adesão a recursos digitais [1]. Outra iniciativa do (MEC) foi a criação de uma plataforma de monitoramento das instituições federais que também estão com as atividades suspensas [2]. A postura do (MEC) tenciona para a retomada das atividades educativas em todos os níveis, mas não há por hora, nenhum plano efetivo que considere as desigualdades e que seja realmente comprometido com a oferta de educação com qualidade e segurança para todos.
As orientações do (CNE) reforçam as atividades educativas que estão sendo mantidas em algumas instituições privadas, através de formatos digitais, sem olhar para como esse processo está acontecendo. Na prática, as orientações podem funcionar como uma forma de pressionar os professores da rede pública de ensino, sem pautar, por exemplo, a necessidades de computadores, câmeras, celulares, internet. A custo disso, professores/as e alunos/as da rede pública tiveram que mudar suas dinâmicas de ensino e aprendizagem fazendo essas atividades em casa, cujos espaços podem não dispor de infraestrutura material e social. Pois, as condições das residências da classe trabalhadora, em grande parte são precárias. E aqui vale relembrar, que professores/as fazem parte dessa classe! Neste sentido, é preciso ressaltar que ainda não houve por parte do governo nenhuma medida ou quiçá orientação para regulamentar essas atividades em meio a pandemia.
Neste sentido as orientações do (CNE) não trazem implicações diretas para os professores/as que já alteraram suas dinâmicas de ensino e para aqueles que podem ter que se adequar às novas demandas sem as condições ou instrumentos necessários, para que os desenvolvimentos dos seus trabalhos possam chegar aos alunos/as (se chegarem) com condições mínimas de qualidade. Com isso, esperamos apontar os problemas desse projeto, que, na prática, se constituem como avanços neoliberais de precarização do ensino e acelera propostas anteriores que vinham sendo debatidas. Pois, hoje, mais do que nunca, precisamos defender a escola pública e a sua primazia como um espaço de desenvolvimento e formação humana, principalmente para as filhas/os da classe trabalhadora. Desta forma, buscamos lutar contra os objetivos neoliberais que buscam extrair cada vez mais lucros, por meio da escola, que é vista como um espaço, no qual, preparam-se indivíduos apenas para o mercado de trabalho, com condições mínimas de formação.
A ESCOLA PÚBLICA QUE TEMOS, E A ESCOLA PÚBLICA QUE QUEREMOS!
No Brasil, o acesso à educação pública e de qualidade é um direito constitucional, no entanto, esta vem sendo ao longo dos anos literalmente precarizada e demolida. Seja nos aspectos constitucionais, em investimentos financeiros (manutenção e aprimoramento) e até mesmo humano (professores/as, gestores/as e alunos/as). Paradoxalmente, a pandemia que se instalou no mundo, nos permite olhar para a luta de classes na política acentuada na escola pública, onde busca-se, neste momento de crise, combater os avanços neoliberais, colocando em movimento o que queremos como futuro educativo para a classe trabalhadora. Neste sentido, temos que conhecer nosso campo de batalhas.
Segundo dados do censo escolar "No ano de 2019, foram registradas 47,9 milhões de matrículas nas 180,6 mil escolas de educação básica no Brasil, cerca de 582 mil matrículas a menos em comparação com o ano de 2018, o que corresponde a uma redução de 1,2% no total de matrículas. " ([3], p. 5). Ainda sobre o número de matrículas os dados apresentados apontam que a "educação infantil cresceu 12,6% de 2015 a 2019, atingindo 8,9 milhões em 2019. Esse crescimento decorreu, principalmente, do acréscimo de 706 mil matrículas em creches no período." ([3], p. 6). Devemos olhar para diminuição de matrículas ao longo dos últimos anos na educação básica atentando para os fatores internos e externos a educação como a política, econômicas e as reformas curriculares. Neste sentido, a diminuição da oferta de vagas atrelado ao agravamento das desigualdades podem estar contribuindo para o esvaziamento das escolas públicas e contribuindo para a migração desses alunos para as instituições privadas. Ao omitir essas discussões o neoliberalismo segue avançando, e utiliza a diminuição de matrículas como justificativas para fechar escolas (Quadro - 1).
Quadro 1- Número de escolas ao longo dos anos como fonte consulta ao
Todas as redes |
Rede Pública |
Rede Privada |
|
Educação Básica 2013 |
190.706 |
151.884 |
38.822 |
Educação Básica 2014 |
188.673 |
149.098 |
39.575 |
Educação Básica 2015 |
186.441 |
147.110 |
39.331 |
Educação Básica 2016 |
186.081 |
146.065 |
40.016 |
Educação Básica 2018 |
181.939 |
141.298 |
40.641 |
Fonte: Elaboração própria com base em consulta aos documentos "Anuário Brasileiro da Educação Básica"
Em relação aos dados da tabela acima [4,5,6,7,8], percebe-se que na rede pública sofreu uma diminuição de instituições de ensino, enquanto na escala privada aumentou. Ademais, não encontramos dados referentes a 2017[1] e 2019 no Anuário Brasileiro da Educação Básica. Partindo dos dados referentes a todas as redes com base no censo de 2019 há "180.610 escolas de educação básica" ([3] p.12). Caso o padrão seja o mesmo, mais escolas públicas foram fechadas em comparação com todas as redes de 2018.
Em oposição a esse movimento, defendemos que a escola é um espaço que deve ser ocupado e as atividades educativas devem ser desenvolvidas com qualidade, pois, o país ainda possui números alarmantes de analfabetismo. Segundo dados divulgados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio do estudo desenvolvido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) indicam que "No Brasil, em 2018, havia 11,3 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade analfabetas" [9]. Esses dados nos revelam que a alfabetização como uma condição básica dos indivíduos, ainda não está sendo suprida. Podemos ampliar essa problemática para além desse quadro. Com a pandemia instaurada, verificamos cada vez mais a necessidade da ciência e da tecnologia para o combate dessa situação. E o Brasil nesse cenário de combate, o que tem feito? A preocupação do atual governo Bolsonaro-Mourão é de restabelecer as atividades e estancar a sangria da economia, enquanto as mortes continuam a acumular e se amplia um crescimento quase que incontrolável de casos da COVID-19. Além da alfabetização, devemos lutar pela ampla transmissão dos conhecimentos científicos, no sentido de se tornarem instrumentos para a classe trabalhadora em dois aspectos. Poderíamos nesse momento sermos mais um país na linha de frente na produção de soluções científicas para a solução dessa problemática. E, por outro lado a população com acesso a esse saber, poderia efetuar uma análise mais consciente da situação e enfrentar as atuais ações desse governo neofacista que pelo falso discurso da economia, ataca a vida de diversos trabalhadores/as, colocando-os na linha direta da contaminação desse vírus.
A diminuição de matrículas pari passu a diminuição de escolas mantém a superlotação em salas de aula, conforme pode-se perceber com base na consulta que fizemos nos dados obtidos no censo escolar de 2019 divulgado no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) [10]. Enfatizamos que esse número corresponde a uma média geral do Brasil, no documento os dados são referentes a localização zona rural, urbana e por dependência administrativa (federal, estadual, municipal, no setor público e privado). Entretanto, ainda pode haver discrepância à medida que aprofunda-se a análise, considerando por exemplo, as particularidades das regiões geográficas no país.
Gráfico 1 - Distribuição de alunos por sala em 2019.
Fonte: Elaboração própria com base nos dados Indicadores Educacionais de 2019
Ainda discutindo os elementos de ataque a educação, sabemos que na lógica capitalista o empenho se concentra em formas de reduzir custos, e que os programas de educação a distância, servem aos interesses da classe dominante. Nessa conjuntura atual se agudiza os objetivos da burguesia em relação ao ensino. A lógica do empreendedorismo e o aumento da competitividade se elevam. Com isso, não é mais objetivo da escola ensinar os conteúdos científicos, filosóficos e artístico, mas sim desenvolver uma consciência voltada para adaptação desse sistema desigual capitalista no qual vivemos. No caminho recorrentemente afirmado que a escola está ultrapassada e com a internet, não há necessidade de ensinarmos, mas sim mostrar os caminhos para que alunas/os aprendam a como aprender, nos vemos em uma situação extremamente precarizada e com sérios riscos da escola ser destruída. Com isso, o problema da pandemia pode tencionar para uma rápida incorporação de políticas de ensino à distância para instituições públicas da educação básica.
Neste caso, a educação pode ser atacada ao implementar as orientações do (CNE) e essas se consolidarem como uma forma precária e apolítica de formação da classe trabalhadora. Pois, as orientações não consideram as desigualdades existentes no país, as condições de trabalho dos professores/as, os alunos/as, ou seja, as especificidades da escola pública e sua comunidade. Este projeto já está em curso e pode ser percebido na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e especificamente na reforma do Ensino Médio, pela lei (13.415/ 2017) "20% da carga horária total no diurno e até 30% no noturno podem ser contempladas com atividades a distância" [11] (p. 107-108). O atual governo está disponibilizando programas como o "Educação conectada" e a "Plataforma MEC de Recursos Educacionais Digitais". No caso da plataforma, percebe-se que os apoiadores são da rede privada e de grandes conglomerados da burguesia nacional e internacional, (Figura 1)
Fonte: Captura de tela realizada no dia 30 de abril de 2020 com base na consulta do site Plataforma MEC de Recursos Educacionais Digitais. Disponível em:<https://plataformaintegrada.mec.gov.br/sobre#parceiros>
Os elementos até aqui expostos possibilitam uma visão mais imediata do cenário que a escola se encontra e dos projetos de educação a distância que estão sendo embutidos nas reformas curriculares. Certamente, as parcerias entre os setores público e privados, na prática, se consolidam como fonte lucrativa para o setor privado empresarial. No entanto, expor os problemas escolares, que se constituem como o êxito do projeto burguês de fornecer uma educação precária para a classe trabalhadora, se estabelecem, como um dos elementos do nosso ponto de partida.
Neste sentido, buscamos ao invés de saídas imediatas, discutir, tencionar e cobrar dos gestores estaduais pautas para pensar a luta por uma educação com qualidade para a comunidade escolar, durante a quarentena. Dada a urgência de se preservar as instituições escolares e sua primazia, como espaço de formação humana, individual e coletiva, pensamos que este seja o momento para nos posicionarmos frente as novas necessidades que as escolas terão, quando as atividades presenciais puderem ser retomadas. Nos adiantamos aqui, a pensar em um cenário, no qual, as medidas de distanciamento social permaneceriam, mesmo quando for possível a retomada das aulas presenciais. Por isso, endossamos os posicionamentos contrários a incorporação de atividades a distância, sem as condições mínimas necessárias para professores/as e alunos/as. Frente a isso, endossamos o posicionamento do documento "Ponderações sobre o ensino escolar em tempos de quarentena: carta às professoras e professores brasileiros" [12].
Tensionamos assim para que os governos estaduais e municipais possam buscar junto com as secretárias de educação e os trabalhadores da educação, pensar estratégias para uma reorganização do espaço escolar, no qual seja possível alocar o menor número de alunos por sala. Isso consequentemente exigiria contratação de docentes em regime de urgência por processos simplificados, podendo dispor das tecnologias para isso. Compreendemos ainda que qualquer política que realmente esteja comprometida com a qualidade da educação, deve se colocar como primazia a revogação da Emenda Constitucional 95 (EC 95), que congela os gastos com educação durante 20 anos. Entendemos, assim que a permanência desta (PEC 95) compromete qualquer projeto que esteja realmente empenhado em melhorar as condições da educação no Brasil.
REFERÊNCIAS
1 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. CNE aprova diretrizes para escolas durante a pandemia. Publicado em 28 de abril de 2020. Disponível em: Acesso em 30 de abril de 2020
2 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. MEC lança portal de monitoramento de ações e operação das instituições de ensino durante a pandemia. Publicado em 20 de abril de 2020. Disponível em: Acesso em 30 de abril de 2020
3 - BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Básica 2019: Resumo Técnico. Brasília, 2020. Disponível em: < http://portal.inep.gov.br/documents/186968/0/Notas+Estat%C3%ADsticas+-+Censo+da+Educa%C3%A7%C3%A3o+B%C3%A1sica+2019/43bf4c5b-b478-4c5d-ae17-7d55ced4c37d?version=1.0> Acesso em: 30 de abril de 2020.
4 - TODOS, PELA EDUCAÇÃO. Anuário brasileiro da educação básica. São Paulo: Moderna, 2015. Analise dos dados referentes a 2013
5- TODOS, PELA EDUCAÇÃO. Anuário brasileiro da educação básica. São Paulo: Moderna, 2016. Analise dos dados referentes a 2014.
6- TODOS, PELA EDUCAÇÃO. Anuário brasileiro da educação básica. São Paulo: Moderna, 2017. Analise dos dados referentes a 2015.
7 - TODOS, PELA EDUCAÇÃO. Anuário brasileiro da educação básica. São Paulo: Moderna, 2018. Analise dos dados referentes a 2016.
8- TODOS, PELA EDUCAÇÃO. Anuário brasileiro da educação básica. São Paulo: Moderna, 2019. Analise dos dados referentes ao ano de 2018
9 - AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE). PNAD Contínua 2018: educação avança no país, mas desigualdades raciais e por região persistem. Disponível : Acesso em 30 de abril de 2020.
10- (INEP). Indicadores Educacionais. Disponível em: Acesso em 30 de abril de 2020.
11 - SANTOS, A. A. Educação a distância: tensões entre expansão e qualidade. In: Educação contra a barbárie: por escolas democráticas e pela liberdade de ensinar. Boi tempo Editorial, 2019.
12 - Centro Esportivo Virtual - CEV. Ponderações Sobre o Ensino Escolar em tempos de quarentena: Carta às professoras e professores Brasileiros. Disponível em: < http://cev.org.br/biblioteca/ponderacoessobreoensinoescolaremtemposdequarentena-cartaasprofessoraseprofessores-brasileiros/?fbclid=IwAR09bNoUFns53VYipqJ8vX76iGuJPKK0XK1o5YRIT1EC1rE7qA_1IXr0tw4> Acesso em 30 de abril de 2020.
Foto:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola#/media/Ficheiro:Larkmead_School,_Abingdon,_Oxfordshire.png
[1] No anuário de 2018 se atem aos dados de 2016, pois segundo "A crise econômica, política e social brasileira se prolongou em 2017, tornando todo cenário imprevisível, ainda mais em um ano de eleições". ([7], p.7)