Depois do mar

É claro que isso nunca aconteceu, mas foi mais ou menos assim: Era dezembro de 2010, estava em Arraial D´Ajuda, iria manter a tradição de passar mais um réveillon junto ao meu irmão Jorge Lemes, cantor e compositor de primeira linha.

Jorginho tocava naquela noite tranqüila e vazia do Sul da Bahia no restaurante de nosso dileto amigo Fernando, quase debaixo do cajueiro, no Mucugê. Era eu, as mesas, a cerveja e nada. Até que chegaram duas belas e elegantes meninas, lindas, altas e loiras. Gatas! Sentaram-se à mesa ao lado. Jorginho do palco sinalizou, eu reforcei. Logo logo ele arrumou um intervalo e veio me falar.

"Olha só, essas meninas devem ser de Porto Alegre, vou cantar umas músicas de lá para elas e você puxa conversa". Respondi: "Deixa comigo". Jorginho se esmerou nas interpretações e foi um festival de Kleiton & Kledir, Vitor Ramil e nada. Ele cantava, dançava e nada: "Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau"... Ao final da música Jorginho ainda arriscou: "Oh vontade de tomar um chimarrão". Fui até ele: "Canta umas mais atuais, Engenheiros do Hawaii por exemplo". Ele foi na veia: "Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão". Nada. Falei novamente: "Sobe no mapa, vai para Santa Catarina, toca Armandinho". Jorginho seguiu a toada:

"Quando Deus te desenhou, ele estava namorando". E as meninas nada, nada, nem um sinal. Apelamos! Jorginho arrumou outro intervalo e fomos os dois à mesa. "Meninas, este é o cantor e eu sou o empresário dele. Como só tem vocês aqui, o show será particular. Então queríamos saber de onde vocês são pra gente cantar uma música do seu Estado em homenagem a vocês". Elas ficaram surpresas e, sorrindo, responderam na bucha: "Somos do Amapá!". Puta merda - nos entreolhamos - quase que perplexos, e falamos juntos: Amapá!!! Miramos no Rio Grande do Sul e acertamos o Amapá! Perguntei ao Jorginho: "O que você sabe cantar do Amapá?". Ele nem me respondeu. Perguntei a elas:

"O que vocês gostariam de ouvir?" As meninas falaram com convicção: "Wando"! Eu: "Wando!?!?". Jorginho me puxou pelo braço, nos despedimos, e ele falou: "Vou tocar nada para elas não, saem do Amapá para vir à Bahia ouvir Wando!!!" Caímos na gargalhada e até hoje perguntamos um ao outro quando vemos meninas andando em dupla: "Será que elas são do Amapá?!". Jorginho voltou ao palco, empunhou seu violão e cantou feliz a canção do Caymmi, quando um doce vento baiano soprava-lhe o rosto: "Marina morena Marina você se pintou"...

Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor

 


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Pravda.Ru Jornal