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Notícia fria para uns. Dor que ferve para muitos

Notícia fria para uns. Dor que ferve para muitos

Notícia fria para uns. Dor que ferve para muitos

Jolivaldo Freitas

Três coisas chamam a atenção, agora, seis meses depois do surgimento da pandemia do coronavírus na China, e chocam pelo sentido que estão sendo adotados. O primeiro é que as pessoas já parecem ressabiadas com tantas mortes, não ligam mais para o noticiário; esfriaram o sentimento ruim, já não param para prestar atenção quando um jornal televisivo passa a mostrar os mortos em massa e que está colocando o Brasil na liderança do número de mortos cotidianamente. Se está impresso no jornal, trata-se logo de pular para a próxima notícia, e se está ouvindo no rádio do carro, basta um movimento para colocar numa estação que não seja "chata" e que só fala neste assunto. O Covid-19 praticamente virou um tema banal.

Mas, é banal para quem ainda não sentiu a dor de perto. Procure saber dos milhares de familiares, colegas e amigos daqueles mais de 30 mil mortos Brasil afora o que acham da questão do coronavírus. A dor só tem validade quando bate na sua porta. Quando vai se aproximando de forma plena, como elemento do apocalipse bíblico... na figura da morte. Perder um ente querido é dor que não se aufere a não ser que seja o seu e isso ninguém quer. Ninguém em sã consciência deseja a dor para outrem e muito menos para si mesmo. Mas, enquanto a dor não está limítrofe o assunto não interessa. O ser humano tem essa coisa de transformar - talvez até por defesa, instinto de preservação, e não por omissão natural - as dores generalizadas em coisas banais.

A outra questão que me chama a atenção é a política sendo mais importante em seu sentido pragmático do que a morte, a pandemia ou as dores dos outros. O brasileiro está cada vez mais confuso, atrapalhado e órfão, pois as autoridades não se entendem, aliás, todos se desentendem, em meio a uma peste que grassa sem escolher classe social, filosofia, dogma ou gosto político. Mas, a busca de fortalecimento do poder, da busca do poder, da destruição do poder, do poder pelo poder, é ação superior à procura de uma unidade que gere conforto, tranquilidade, amor, humanidade, solidariedade e solução para quem sofre as agruras de uma doença que não tem cura e que mata aos borbotões. É preciso ler "A Peste", de Albert Camus.

E a outra questão é ver que a juventude brasileira não está ligada, mostra-se desatenta, não dá bola, não quer ouvir as autoridades científicas e nem acredita que será a próxima vítima e não tem cumprido as regras da quarentena. Nos bares dos subúrbios as portas estão abertas, nas casas tem festa, gente anda nas praias, sai para dar uma voltinha de carro e vai bater um baba, uma pelada, um racha nos campinhos e parques. E quando a morte chega para os "inocentes que não sabem nada", resta a dor. E a essa dor termina sendo de todos nós. E o Brasil perde seus filhos. Perdidos. E quando mais se morre aos borbotões, mas parece que é problema dos outros.

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Escritor e jornalista: Autor livro "Tesouros do Comércio - História e Arquitetura da Zona Portuária de Salvador" e "A Rua Chile e Suas Sublimes Lembranças"

Foto: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Corpo_de_Bombeiros_vai_atuar_na_detec%C3%A7%C3%A3o_de_casos_suspeitos_-_49658924053.jpg

 


Author`s name
Ksenia Semenova