O Projeto de Lei que os Verdes entregaram na Assembleia da República, em que propõem medidas para fomentar a durabilidade dos bens, dissuadir as práticas de obsolescência programada dos produtos e reforçar os direitos dos consumidores através do alargamento do prazo de garantia dos bens móveis e imóveis, será discutido em Plenário da Assembleia da República na próxima quarta feira, dia 11 de dezembro, a partir das 15H00.
Para Os Verdes a forma de melhorar a qualidade dos bens móveis e imóveis, salvaguardar os direitos do consumidor e reduzir os impactos no ambiente, diminuindo a nossa pegada ecológica, será aumentar o prazo de garantia dos bens para um período superior ao que existe atualmente na legislação e combater a prática de obsolescência programada.
PROJETO DE LEI Nº 120/XIV/1.ª - Aumento da durabilidade e expansão da garantia para os bens móveis e imóveis (Alteração ao Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, e ao Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio) |
Vivemos numa sociedade do consumismo fácil e muitas vezes descartável, que gera resíduos, designadamente embalagens, mas também quantidades insustentáveis de produtos em fim de vida.
Neste atual mercado competitivo e até liderado por uma lógica irracional, a ânsia do lucro imediato e desmedido, leva à produção e à colocação de produtos no mercado, tantas vezes não para satisfazer as necessidades dos consumidores, mas antes para aumentar a faturação das empresas, recorrendo a campanhas de marketing agressivas no sentido de vender a simples atualização de um produto, sem que haja qualquer vantagem explícita para o consumidor. A lógica atual consiste em incutir no consumidor o sentimento de constante desatualização do produto, como se verifica com os produtos eletrónicos de que os telemóveis e os computadores são exemplos bem demonstrativos.
A pretensão das empresas venderem o maior número de produtos num curto espaço de tempo, num mercado cada vez mais estabilizado, tem tornado os produtos cada vez menos duradouros e mais descartáveis.
Nesta lógica, existem cada vez mais empresas que passaram a introduzir o designado conceito de obsolescência programada, que consiste genericamente por decisão do produtor reduzir artificialmente a durabilidade dos produtos, ou seja, de forma propositada o produtor desenvolve, fabrica e distribui um determinado produto para consumo de forma que se torne obsoleto ou não funcional, especificamente para forçar os consumidores a adquirirem uma nova geração do produto dentro de um prazo menor.
Este conceito estudado e fomentado há várias décadas, encontra-se intrinsecamente associada à doutrina capitalista e delapidadora de recursos que não olha a meios para obtenção de lucros desmedidos, perante recursos ambientais finitos.
A obsolescência programada afeta inúmeros produtos de vários setores, entre os quais estão os têxteis, os eletrodomésticos, tecnologia, como impressoras, telemóveis, tablets, computadores que em muitos casos ficam mais lentos e começam a falhar dois anos depois da compra, ou as lâmpadas que têm uma vida útil limitada, normalmente a 1000 horas, quando poderiam ultrapassar largamente esse tempo.
No caso dos telemóveis, o consumidor começa a achar normal ao fim de dois anos o aparelho ficar mais lento e certos aplicativos deixem de funcionar ou de corresponder de forma aceitável. Um telemóvel sem a obsolescência programada ascenderia aos 12 anos de vida útil.
Perante esta prática recorrente das empresas, com custos elevados para os consumidores e para o ambiente, existem cada vez mais associações de ambiente, de consumidores e cidadãos a exigirem medidas no combate à obsolescência programada.
Se é certo que na esfera do consumo a redução é, como sabemos, um patamar que condicionará depois todos os restantes processos de destino e tratamento dos resíduos, e que é importante que o consumidor tenha preocupações ambientais e sociais no ato do consumo, também é claro que a garantia de melhores desempenhos ambientais não deve ser imputada apenas ao cidadão, mas sim partilhada por todos. No contexto atual, todos são convocados a contribuir para o bem comum e para uma maior sustentabilidade e para dar o seu contributo para a mitigação das alterações climáticas em curso, nomeadamente no que diz respeito à oferta que é disponibilizada aos cidadãos nos locais onde procedem aos seus atos de aquisição de bens, enquanto consumidores.
A França foi dos primeiros países a tomar medidas no sentido de combater esta prática. Desde 2015 que a lei francesa passou a considerar crime a obsolescência programada, tendo já sido realizadas uma série de investigações sobre esta prática, em particular em empresas ligadas ao sector tecnológico.
A prevenção tem sido uma etapa bastante secundarizada nas políticas de gestão de resíduos, e por norma, quando são apresentadas medidas, estas sustentam-se na penalização do consumidor.
Nesta prática, para além das empresas limitarem o funcionamento do produto através de atualizações de software, muito evidente nos produtos tecnológicos, os materiais utilizados podem também estar correlacionados com a obsolescência programada.
Os materiais utilizados são frequentemente de má qualidade, embora existindo materiais melhores e mais adequados que poderiam duplicar e triplicar a durabilidade dos produtos, sem que representasse um acréscimo muito superior ao preço final a pagar pelo consumidor.
A utilização de materiais muito à base de plásticos e colagens faz com que, perante a mais insignificante avaria, os produtos tenham de ser substituídos por novos, quando na verdade se utilizassem materiais mais resistentes poderia ser possível a sua própria reparação com custos muito mais reduzidos para os próprios consumidores.
Há inclusivamente empresas que utilizam materiais, processos de fabrico e até simples parafusos extremamente personalizados, para que se torne praticamente impossível a substituição ou reparação de uma pequena componente do equipamento que esteja danificada, obrigando o próprio consumidor a adquirir um novo produto, como é o caso de telemóveis, contribuindo para o acumular de resíduos e consequentemente mais pressão sobre os próprios recursos naturais.
De forma a impedir a substituição de uma determinada peça ou componente, os bens raramente são vendidos acompanhados com o respetivo manual de reparação, que permitiria de modo mais oportuno a opção de voltar a colocar o respetivo produto operacional.
Em 2016, segundo as Nações Unidas, no âmbito do estudo Observatório Global de Lixo Eletrónico 2017, foram produzidos quase 45 milhões de toneladas de lixo eletrónico, valor que tem vindo a aumentar. Mantendo-se a mesma tendência, as previsões para 2021 apontam para a produção de mais de 52 milhões de toneladas deste tipo de resíduos.
Uma grande parte destes resíduos descartados, em particular eletrónico, não está a ser reciclado sendo enviado, sobretudo, para países mais pobres, nomeadamente do continente africano, muito do qual enviado de forma informal, onde por vezes são amontoados ou incinerados a céu aberto, provocando contaminação, devido à existência de mercúrio nesses materiais, tornando-se uma das maiores preocupações ambientais à escala global, situação que também afeta a saúde humana.
Atualmente, no que se refere ao lixo eletrónico, os maiores produtores, segundo um relatório apresentado em Davos pelas Nações Unidas, são a Austrália, China, União Europeia, Japão, América do Norte e Coreia do Sul. Na União Europeia cada pessoa produz em média 17,7kg anuais de resíduos eletrónicos, contrastando com 1,9kg no continente africano.
Os custos económicos e ambientais, associados às perdas dos produtos, são extremamente lesivos não só pelo lixo produzido, mesmo que possa ser reciclado, mas também pela pressão que tem sido exercida sobre os recursos naturais e pelas emissões de gases com efeito de estufa.
A associação ambientalista Zero, tendo por base um relatório da European Environmental Bureau, maior rede organizações ambientalistas da Europa, considera que o aumento da vida útil dos telemóveis e de outros dispositivos eletrónicos em apenas um ano, nos países da União Europeia, reduziria e muito as emissões de carbono, equivalente a retirar dois milhões de carros das estradas, enquanto que se estender em cinco anos a duração dos smartphone´s, computadores portáteis, máquinas de lavar e aspiradores, equivale em termos de emissões a retirar de circulação todos os carros em Portugal ou seja reduzir-se-ia quase 10 milhões de toneladas de emissões (CO2eq).
O aumento das emissões de dióxido de carbono não está tanto ligada ao consumo de energia que os dispositivos eletrónicos gastam nas suas operações e funcionamento, mas gerada ao longo da fabricação do respetivo produto, bem como na sua eliminação. Por exemplo, no caso dos telemóveis, 75% dos gases com efeitos de estufa associados correspondem a todo o processo de transporte e distribuição comercial, antes que o utilizador os retire da embalagem.
No mesmo sentido expandir a durabilidade dos telemóveis e outros dispositivos eletrónicos que utilizam baterias de lítio atenuaria a vaga predadora da mineração do lítio, nomeadamente em Portugal, como se está a verificar com o crescente número de pedidos de prospeção e pesquisa.
Este é um exemplo evidente que o combate às alterações climáticas tem de passar indubitavelmente por uma alteração deste paradigma da descartabilidade e como tal da alteração do modelo económico vigente que não olha a meios nem a recursos para a obtenção do lucro.
Para além de medidas que conduzam à reciclagem e reutilização dos produtos, é prioritário em primeiro lugar atuar a montante desde logo proibindo a obsolescência programada, e fomentando a utilização de materiais de melhor qualidade permitindo aumentar a durabilidade e recuperação dos respetivos produtos.
Seria também importante, ao nível da durabilidade, contribuir para a sustentabilidade ambiental e poupanças para os consumidores, pelo facto de os produtos apresentarem melhor qualidade dos materiais, havendo a possibilidade de reparação, poderá levar à dinamização das economias locais como se pode constatar, embora cada vez menos, com as microempresas dedicadas à reparação de eletrodomésticos que têm vindo a desaparecer.
Na perspetiva de melhorar a durabilidade dos produtos e da alteração do paradigma que tem balizado os fabricantes, contribuindo para a defesa do ambiente e combate às alterações climáticas torna-se também fundamental proteger e salvaguardar os consumidores desta imposição do mercado, onde os produtos são cada vez mais descartáveis e de má qualidade, torna-se assim prioritário expandir a garantia dos produtos comercializados.
O Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, e respetivas alterações, veio salvaguardar aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, estabelecendo em dois anos a garantia dos bens móveis, independentemente da aquisição se realizar numa loja tradicional ou on-line, e cinco anos para os imóveis.
Se no passado a expansão da garantia para dois anos para os bens móveis foi uma mais valia salvaguardando os consumidores, este prazo está a inibir os fabricantes de melhorarem a qualidade dos seus produtos, desprotegendo os consumidores que são praticamente obrigados a adquirirem um novo produto passado este tempo.
A necessidade de expandir a garantia é tão evidente que, há cada vez mais vendedores, embora numa perspetiva de negócio, a "vender" a expansão da garantia dos seus produtos para três a cinco anos, através de seguros, por vezes pagos a preços exorbitantes.
Por se tratar de um seguro, esta "garantia" não está regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, mas pelas clausulas do respetivo seguro, não raras vezes de difícil ativação em caso de avaria dos equipamentos.
Para além dos bens móveis, o prazo de garantia para os imóveis é de 5 anos, contudo é igualmente insuficiente, não tanto do ponto de vista ambiental, mas sobretudo económico e social, em particular no que se refere à habitação.
A habitação para além de ser um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa, representa uma parte considerável do orçamento das famílias, pelo que os cidadãos devem estar salvaguardados, por um período nunca inferior a dez anos, de defeitos relacionados com a sua construção.
Neste sentido, uma forma de melhorar a qualidade dos bens móveis e imóveis, salvaguardar os direitos do consumidor e reduzir os impactos no ambiente, diminuindo a nossa pegada ecológica, será aumentar o prazo de garantia dos bens para um período superior ao que existe atualmente na legislação e combater a prática de obsolescência programada.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
A presente Lei estabelece medidas para fomentar a durabilidade dos bens, dissuadir as práticas de obsolescência programada dos produtos e reforçar os direitos dos consumidores através do alargamento do prazo de garantia dos bens móveis e imóveis.
Artigo 2º
Alteração ao Decreto-Lei 67/2003, de 08 de abril
Os artigos 3º, 5º e 6º do Decreto-Lei 67/2003, de 08 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio, passam a ter a seguinte redação:
"Artigo 3.º
Entrega do bem
1- (...)
2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de cinco ou de dez anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
Artigo 5.º
Prazo de Garantia
1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dez ou de vinte anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel.
2 - Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a cinco anos, por acordo das partes.
3 - Havendo substituição do bem, o bem sucedâneo goza de um prazo de garantia de dez ou de vinte anos a contar da data da sua entrega, conforme se trate, respetivamente, de bem móvel ou imóvel.
4 - O prazo referido no n.º 1 suspende-se, a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens.
Artigo 6.º
Responsabilidade direta do produtor
1 - (...)
2 - (...)
a) (...);
b) (...);
c) Poder considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que o defeito não existia no momento em que colocou a coisa em circulação;
d) Não ter fabricado a coisa nem para venda nem para qualquer outra forma de distribuição com fins lucrativos, ou não a ter fabricado ou distribuído no quadro da sua atividade profissional;
e) Terem decorrido mais de 15 anos sobre a colocação da coisa em circulação.
3 - (...)".
Artigo 3.º
Obsolescência programada
1- A redução artificial da durabilidade dos produtos de forma propositada pelo fabricante ou distribuidor tornando o bem obsoleto ou não funcional, especificamente para forçar os consumidores a adquirirem um novo produto, designada de obsolescência programada, é considerada uma prática danosa para os consumidores pelo que passa a ser proibida.
Artigo 4.º
(Longevidade dos produtos)
1- Os novos produtos devem ser arquitetados e construídos de modo a possibilitar a sua reparação.
2- Os produtores e representantes dos bens móveis devem garantir pelo período de 15 anos peças de substituição, bem como o acesso aos manuais de utilização e manuais técnicos do respetivo produto em língua portuguesa.
3- Os bens móveis, nomeadamente de cariz tecnológico, devem ser concebidos de forma a permitir atualizações de software, de hardware e estéticas.
Artigo 5.º
Disposições transitórias
O disposto no artigo 2.º da presente Lei aplica-se a partir de 1 de janeiro de 2021 e o determinado nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 4º da presente Lei a partir de 2025.
Artigo 6.º
Regime sancionatório e contraordenacional
O não cumprimento do disposto nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da presente lei implica a aplicação de sanções e coimas, em termos a regulamentar pelo governo no prazo de 90 dias.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação.