O saudosismo lusitano com ares melancólicos de fado repousou no ombro da minha alma ítalo-brasileira, naquela fria e azulada manhã de outono lisboeta, numa travessia pelo Rio Tejo. Ventos além-mar sopraram-me lembranças de canções poéticas - a música é minha amiga e companheira.
Ocorreu-me, naqueles instantes, ter deixado de fazer coisas românticas na juventude: serenatas à donzela na sacada ao luar; cartas encantadas de amor; cinema com pipoca; brincadeiras dançantes. Aos charmosos bailes com orquestra, regados a cuba libre, nunca fui.
Estava eu dia e noite debruçado sobre livros. Conhecimento eu adquiri, é certo. E sabedoria ninguém tira da gente. Que bom!
Papai e mamãe se conheceram numa instantânea troca de olhares, num ritual de refinado cavalheirismo de fim de semana ao redor do coreto, numa pequenina cidade serrana do Rio de Janeiro. Que fique bem claro: homens de um lado e mulheres do outro, todos elegantemente trajados para o tradicional flerte após a missa de domingo na praça.
Eles namoraram; noivaram e casaram. Fizeram e cumpriram juras eternas de amor. Criaram filhos, netos e bisnetos. Cuidaram do lar. Dois seres apaixonados que conviveram com respeito e admiração mútuos durante sessenta e dois anos sob o mesmo teto. Ambos já partiram deste mundo.
Penso ser a história dos meus pais a tradução exata do Samba da Bênção, quando o nosso poetinha declama: - "a vida é arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida".
Entendo hoje que os desencontros naturais do viver eram transformados por eles em reencontros diários na construção das suas individualidades. Mais ou menos assim: livremente juntos estão como estrelas bailarinas lá no céu.
♫ A vida é pra valer ♫