O ódio é a escuridão. A ausência de luz. Por isso irracional, incompreensível. Quando se joga luz, ele some, desaparece, dissipa-se. Indecifrável, vive e morre em trevas; imutável, além do tempo, arrastando seu corpo sem rosto pelos séculos.
Era o Brasil pós 64, e o ódio grassava em solo pátrio. Seixas Dória era governador de Sergipe, da UDN, partido que apoiou a intervenção militar. Seixas era da UDN e da democracia. Consumado o Golpe, Seixas e alguns outros que eram da democracia foram cassados; outros escanteados pelos militares, como muitos dos líderes civis que apoiaram o Golpe. Aqui em Minas, o deputado federal José Aparecido de Oliveira, da UDN, também foi cassado.
Perseguido, preso em Fernando de Noronha, Seixas contou todo o seu martírio em livro: "Eu, réu sem crime", e lançou em uma noite no Rio, era janeiro de 1965. O lançamento foi um comício silencioso no centro da antiga capital federal. A edição se esgotou na mesma noite. Foi um tumulto nacional, gente do Brasil inteiro. José Aparecido decidiu que o próximo lançamento seria em Belo Horizonte. Não foi. Aqui a polícia e manifestantes não deixaram a noite de autógrafos acontecer. Primeiro ameaçaram bombardear a livraria em que seria o lançamento. Desde o anúncio do evento, os telefonemas e ameaças não pararam mais e a livraria Itatiaia desistiu.
Ainda assim, Seixas Dória, José Aparecido e outros jornalistas vieram para Belo Horizonte, sendo ameaçados já no desembarque do avião. Seguiram em frente. O hotel em que se hospedaram estava tomado por manifestantes que agrediam verbalmente os que a pouco beijavam a mão. Decidiram ir para a sucursal do jornal Correio da Manhã e fazer o lançamento lá. Os manifestantes, liderados pelo movimento que se intitulava de a Tradicional Família Mineira, subversivo dos valores mais nobres da mineiridade, cercaram a sucursal do jornal, com palavrões e agressões de toda ordem.
Para me ater ao fato, transcrevo o registro do jornalista Joel Silveira, que cobriu o evento, quando o grupo deixou a sede do jornal: "Um grupo mais afoito e mais bilioso, no qual se destacavam furiosas senhoras de rosário na mão, tentou impedir que o carro se movesse.
Mas quem o dirigia foi forçando a barreira humana que nos cercava. Com seus rosários, verdadeiros látegos, as furiosas madames chicoteavam nossa viatura, e estrugiam: 'Fora filhos do diabo! Comunistas sem vergonha! Viva Cristo-Rei!'. E os sacros chicotes, com suas continhas abençoadas, batiam forte, arrancando ruídos atonais, na mil vezes cuspida lataria do carro. Um verdadeiro concerto de rosário e cuspe. Lá dentro nos apertávamos uns aos outros, sem saber ao certo o que nos reservava o próximo minuto. Meio hora depois, conseguimos finalmente deixar para trás a turba ululante e cuspidora".
Meu Deus, o que o pequeno Sergipe e seu destemido governador fizeram a Minas Gerais e ao seu povo?
Petrônio Souza Gonçalves é jornalista