Todos recordam a coalizão OTAN/AFRICOM [Organização do Tratado do Atlântico Norte / Comando dos EUA na África] de vontades, 'comandada' pelo rei Sarkô 1º da França, com o presidente Barack Obama dos EUA "liderando da retaguarda", e o mote "Viemos, vimos, ele morreu" cunhado por uma ex-secretária de Estado, hoje candidata à presidência dos EUA com $2,5 bilhões para gastar na campanha.
Pois bem, essa fabulosa coleção de imperialistas humanitários ainda está solta, agora matando - por procuração - nas águas do Mediterrâneo, também conhecido como "Club Med", também conhecido como Mare Nostrum, depois de os mesmos imperialistas humanitários terem destruído um estado viável - a Líbia, república árabe secular -, sob o falso pretexto de que estariam impedindo "um genocídio".
Perguntado sobre o assunto hoje, uma vez que anda pontificando pontifica sobre o genocídio dos armênios, esse patético arremedo de secretário-geral da ONU Ban-Ki Moon[1] talvez dissesse que o potencial massacre na Líbia não poderia - e a palavra decisiva aqui é "poderia" - de modo algum ser descrito nem como "crime atroz" [a definição genérica, pela ONU de três crimes: genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra (NTs)]
Os seis meses de ininterrupto bombardeio humanitário contra a Líbia, concebido para impedir que se consumasse um "crime atroz" absolutamente hipotético e improvável, terminou por "libertar" dessa vida para o outro mundo pelo menos 10 vezes mais pessoas que todas as escaramuças prévias entre tropas do coronel Gaddafi e "rebeldes" armados, a maioria dos quais milícias islamistas linha-duríssima, que hoje também já estão bem "libertadas" para disseminar o inferno dos jihadistas, da Líbia, no leste, até a Síria, no norte.
Os praticantes do imperialismo humanitário criaram como lhes interessava uma terra arrasada "libertada" - o que eles chamam de "vitória" - atravessada por milícias armadas; instalaram ali o mais absoluto caos, que alcança grande parte do Maghreb e da África Ocidental, e desencadearam massiva crise humanitária.
Encalhados no MENA (Middle East-North of Africa)
O imperialismo humanitário que se vê aplicado à área que o Pentágono adora definir como MENA (Middle East-Northern Africa) [Oriente Médio-Norte da África] - da Líbia ao Iraque, Síria e agora também Iêmen, além das subguerras por procuração no Mali, Somália e Sudão - levou, segundo a Anistia Internacional, "ao maior desastre com refugiados desde a 2ª Guerra Mundial". A Anistia estima que, até 2014, não menos de 57 milhões de pessoas foram convertidas em refugiados.
Uma subtrama crucialmente importante é que, segundo a Organização Internacional sobre Migração [orig. International Organization on Migration (IOM)], o número de refugiados que morrem na tentativa de penetrar na Fortaleza Europa aumentou mais de 500% entre 2011 e 2014.
É que o imperialismo humanitarista, como o aplica o Pentágono/OTAN/AFRICOM, entregou as águas do Club Med ao reais vencedores: uma vasta rede de traficantes de seres humanos que inclui contrabandistas, policiais corruptos e até muitos "tera-ristas".[2]
Em toda a Europa, só a Itália - para mérito dela - está indignada e disposta a receber pelo menos uma fração, de fato bem poucos, do massacrado povo africano dos botes. Afinal, o privilegiado porto de partida deles é a "libertada" Líbia, e o privilegiado porto de chegada é a Sicília italiana. França, Alemanha, a Grã-Bretanha e a Suécia vêm depois da Itália, com propostas ainda mais modestas.
Essa afásica parede de silêncio da UE/OTAN deve-se ao fato de que a Europa está convertida em saco de gatos de partidos políticos anti-imigrantes. Afinal os pressupostos imigrados são bodes expiatórios perfeitos. Como 'nacionalistas' assustadiços os definem, eles achatam os salários; vivem dos serviços públicos; quase todos eles são criminosos; reproduzem-se como coelhos; destroem a 'identidade nacional'; e, claro, há tantos "tera-ristas" entre eles, todos interessados em submeter a Europa ao chador e à lei da Xaria.
Dificilmente essa União Europeia assustada, devastada pela 'austeridade', subjugada pelo autoritarismo militarista da OTAN conseguirá mobilizar suficiente desejo e força para construir uma política comum, que dê resposta à tragédia do Club Med putrefato, afogado numa tsunami de cadáveres africanos. Grande parte da União Europeia, de fato, já suspendeu a Operação Mare Nostrum - e optou por policiar/controlar as águas da Fortaleza Europa, em vez de agir por princípios humanitários.
Chame a cavalaria de drones
Proposta modesta implica bombardear os barcos dos contrabandistas [de migrantes] ainda nos portos de origem, antes que se encham de sua trágica carga humana; sob a proteção da ONU, estabelecer ao longo do litoral "libertado" da Líbia estações de socorro humanitário para triar os elegíveis para receber asilo político na União Europeia; facilitar para esses a viagem por ar ou mar para as nações dispostas a recebê-los; ou - servindo-se da metodologia dos EUA - dronar o 'inimigo' até reduzi-lo a farelo, os contrabandistas e seus financiadores. Afinal de contas, os drones norte-americanos são especialistas no assunto, operando sobre a tal para sempre infame "lista de matar" sob as ordens de Obama, e sem que a lei internacional tome conhecimento.
Isso, contudo, jamais acontecerá. Como Nick Turse demonstra em livro recente que abre novos caminhos, a Líbia foi apenas a primeira guerra do AFRICOM (depois transferida para a OTAN, como examinei); o Pentágono tem planos muito mais sórdidos no seu crescente pivoteamento para a África.
Enquanto isso, aquelas gangues fabulosamente ricas em petróleo e gás no Golfo Persa - os mesmos que estão comprando todos os signos ostensivos de luxo entre Paris e Londres - estão ocupadas "criando" o cerne na maior crise de refugiados desde a 2ª Guerra Mundial: na Síria, teatro privilegiado da próxima guerra daquelas mesmas gangues, contra o Irã.
E a hacienda de petróleo da Casa de Saud, com o Império do Caos "liderando pela retaguarda", mas fornecendo as bombas, os jatos bombardeiros, a inteligência e a escalada (graças a nove naves de guerra dos EUA já despachadas para águas do Iêmen) - também está muito ocupada dando andamento à sua bombástica "Tempestade Decisiva" contra a mais pobre das nações árabes do planeta, preparando a cena para outro capítulo da crise de refugiados sempre em crescimento.
A OTAN permanece ocupadíssima treinando os bandidos de Kiev. Demonizar a Rússia rende muito mais "Relações Públicas" que lidar com os africanos.
No Afeganistão, os Talibã já anunciaram que a nova ofensiva da primavera começa nessa 6ª-feira; a OTAN, cujo traseiro coletivo já foi chutado a valer por um punhado de Talibã armados com Kalashnikovs falsificadas, não estará, sequer, "liderando pela retaguarda".
No fundo do Mare Nostrum, metido nos uniformes de putrefata gala, jaz o cadáver da União Europeia/OTAN civilizada.
23/4/2015, Pepe Escobar, Sputnik
http://sputniknews.com/columnists/20150422/1021234376.html