No Brasil, 20 anos depois, policiais serão julgados pelo assassinato de 111 presidiários
SÃO PAULO/BRASIL - Uma briga entre dois presidiários no dia 2 de outubro de 1992 foi o estopim da maior tragédia carcerária da história do Brasil. Naquele dia, 111 presos da Casa de Detenção do Carandiru, na Zona Norte de São Paulo, maior metrópole brasileira, no Sudeste do País, morreram após a Polícia Militar entrar no Pavilhão 9 para sufocar a rebelião.
Por ANTONIO CARLOS LACERDA
PRAVDA.RU
Agora, 20 anos depois, começam a ser julgados 26 policiais militares que atuaram no episódio, que inspirou livros, filmes, musicas e ficou conhecido mundialmente como "massacre do Carandiru".
Por volta das 14 horas daquele 2 de outubro, dois presos de gangues diferentes discutiram e se agrediram na área externa do pavilhão 9. A briga logo se espalhou e chamou a atenção dos agentes penitenciários, que tentaram, em vão, controlar os rebelados. O alarme foi acionado e a PM, chamada.
O coronel Ubiratan Guimarães foi até o complexo avaliar a situação. Acompanhado de três juízes-corregedores, ele ouviu relato de funcionários sobre a situação: o Pavilhão 9, que concentrava 2.070 dos 7.257 detentos do complexo, havia caído. O prédio tinha 428 celas (entre individuais, que abrigavam até três presos, e coletivas, com até 40 homens) e era destinado aos presos novatos, a maioria entre 18 e 25 anos, que ainda aguardavam julgamento.
Diretor da prisão, José Ismael Pedrosa tentou negociar com os rebelados, mas também não obteve sucesso. Prevendo que a rebelião não se resolveria na conversa, Ubiratan decidiu, por volta das 15h30, chamar policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), do Choque, do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e Comando de Operações Especiais (COE).
A aguardada ordem para a invasão foi dada uma hora depois. Bombeiros apagaram o fogo ateado na entrada do prédio e abriram a barricada feita pelos detentos. Ao entrar com sua tropa, composta por 330 PMs, 25 cavalos e 13 cães, Ubiratan foi atingido por uma explosão causada por um vazamento de gás. Desmaiado, foi retirado e levado para um hospital - ele foi um dos 22 policiais feridos na operação (nenhum por tiro). A incursão continuou.
No primeiro patamar, correspondente ao térreo, não houve mortos. No segundo, que foi controlado pela Rota, 15 presos assassinados. Nos outros três andares morreram 96 detentos - a maior parte atingida por projéteis de armas de fogo. Após cerca de meia hora, a PM controlou o Pavilhão 9.
Segundo a versão dos policiais, os presos, armados com facas e pedaços de metal, avançaram contra eles. As mortes, segundo os réus, ocorreram por legítima defesa.
Sobreviventes e parentes das vítimas, porém, rebatem dizendo que os detentos foram massacrados. Para eles, os policiais entraram para matar -marcas de tiros no interior de algumas celas, indicando que os disparos foram feitos de fora para dentro, reforçariam esse argumento.
Às 17h30, os sobreviventes tiraram as roupas e, nus, foram obrigados a passar por um corredor polonês formado por PMs. Aos detentos foi incumbida a retirada dos corpos das celas e dos corredores.
Em buscas nas celas foram encontrados 165 estiletes, 25 barras de ferro, uma marreta de ferro, 13 revólveres e porções de maconha e cocaína. As armas dos detentos não foram páreas para o arsenal dos PMs, composto de 352 revólveres, 31 submetralhadoras, três espingardas, uma pistola e um lançador de granadas. Os mortos começaram a ser levados da prisão por volta da meia-noite.
Desde o massacre, apenas um acusado foi julgado: o coronel Ubiratan Guimarães. O comandante da operação foi condenado, em 2001, a 632 anos de prisão pelos assassinatos a tiros de 102 presos e por cinco tentativas de homicídios, em um julgamento popular em 1ª instância. A condenação do coronel não incluiu nove presos que morreram esfaqueadas: a acusação alega que essas mortes foram provocadas pelos próprios presidiários.
Em 2006, no entanto, o júri foi anulado pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O oficial da reserva da PM se tornou deputado estadual pelo PTB e passou a ter foro privilegiado. Os magistrados consideraram que o júri decidiu pela absolvição, e não pela condenação, e inocentaram o policial.
Meses depois da absolvição, Ubiratan foi morto a tiros no apartamento onde morava, nos Jardins, região nobre de São Paulo. A namorada dele na época, Carla Cepollina, era acusada de matá-lo por ciúmes, foi julgada pelo crime, mas acabou inocentada pelos jurados.
Nem todos os 330 PMs que participaram da operação serão julgados. Desse total, 103 foram denunciados (acusação formal) pelo Ministério Público. Nesses 20 anos que separam o massacre e o julgamento, 24 réus morreram, sobrando 79 acusados.
Devido ao fato de a Justiça não possuir um espaço apropriado para acomodar todos eles juntos, o juiz do caso, José Marzagão, decidiu dividir o júri em quatro partes. A primeira começou nessa segunda-feira (08/04), tendo no banco dos réus 26 policiais da Rota acusados de matar 15 presos no 2º pavimento, que corresponde ao primeiro andar do Carandiru.
O juiz dividiu o julgamento com base na ordem da denúncia feita pelo Ministério Público. A Promotoria acusou os policiais por homicídio e lesão corporal grave de acordo com o número de detentos que eles mataram e feriram nos quatro andares superiores do Pavilhão 9. O juiz Marzagão acredita que até fim de 2013 todos os réus estejam julgados.
ANTONIO CARLOS LACERDA é correspondente internacional do PRAVDA.RU