Empresários ficam presos a amarras ideológicas e não conseguem enxergar o país
Grandes empresários continuam presos a uma pauta ideológica, algo suicida, que limita uma visão ampla de Nação. Na semana que se encerrou, vimos a Confederação Nacional da Indústria (CNI) calculando que o aumento no preço do óleo diesel ano passado elevou em 0,73 ponto a inflação, impediu o PIB de crescer 0,20 ponto a mais e sacrificou 368 mil vagas de empregos em 2018.
A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) classificou de "afronta" o reajuste no preço do gás industrial no estado. "Não há empresa capaz de lidar com variação abrupta de 35% no custo de qualquer insumo", protestou Paulo Skaf, dublê de político e presidente da Federação.
Ambas, CNI e Fiesp, porém, criticavam a política de preços da Petrobras nos governos Lula e Dilma e defendem a abertura do mercado (que já é aberto, mas isso é outra história) a competidores estrangeiros - como se fosse possível sonhar que viriam para cá sem praticar preços internacionais, como a Petrobras passou a fazer com Temer e Bolsonaro e que desembocou nos aumentos do diesel e do gás.
Pesquisa feita pela Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil) com 550 presidentes e diretores de empresas brasileiras de todos os portes mostrou otimismo com o Governo Bolsonaro, especialmente a área econômica, e fé na reforma da Previdência.
Porém, a mesma pesquisa revela que 48% dos executivos entendem que a simplificação e redução da carga tributária é prioridade para aumentar a competitividade do setor empresarial (em segundo lugar, com apenas 20%, vem atração de investimentos). Só que 37% acham que o novo governo não vai conseguir aprovar a reforma tributária, nem neste, nem nos próximos três anos. Não à toa, sete em cada dez entrevistados acreditam que o PIB crescerá menos de 2% este ano. E 52% reconhecem que o otimismo hoje é apenas um voto de confiança.
O discurso destoante da realidade se repete quando perguntados sobre as prioridades da empresa: 38% apontaram educação e capacitação. Antes, quando questionados sobre quais áreas sentem mais confiança no novo governo, nenhum - nenhum - apontou, entre as seis opções, educação e saúde. O jargão corporativo é que o país precisa de educação para superar os gargalos e se desenvolver. Mas apoiam um governo em que reconhecem que isso não é prioridade.
Ah, mas 31% acham que Moro e cia. serão bem sucedidos no combate ao crime. Sem educação e cidadania, resta saber quem acredita realmente nisso.
É preciso enxergar antes de solucionar
Por Eduardo Marinho*
Falando diretamente e sem curvas, a sociedade ainda não é humana, é empresarial. Tudo gira em torno de interesses e poderes econômico-financeiros, megaempresariais, vale mais o patrimônio que a própria vida. Da gente, dos bichos, das plantas, das águas, da terra, do ar.
Quando a sociedade alcançar finalmente o patamar de humana, com o custo que se fizer necessário pra isso, a vida e a integração com a natureza que a gera estarão no centro de importância, a solidariedade será não uma virtude, mas uma ferramenta de trabalho, de existência, tão natural quanto comer ou sorrir. E não se verá gente como lixo, jogada em qualquer canto sujo.
A partir daí, vou vendo o quanto de miséria cerca todas as cidades, às vezes entranhadas também em seus vales e morros, vou percebendo o quanto essa legião excluída dos benefícios sociais, roubada em seus direitos básicos de existência, é necessária na manutenção da estrutura social.
Mais da metade de tudo o que o Estado arrecada é paga pelos mais pobres
A multidão se aperta nos transportes pra fazer funcionar, debaixo de exploração intensa, a sociedade que a oprime. Milhões que são o alicerce, a base de funcionamento de tudo o que existe, literalmente tudo, pois em tudo são os que estão na base. Desde a extração das matérias primas, sua transformação, até a entrega dos produtos e dos serviços. Do começo ao fim. E são também que recolhe e limpa o descarte.
A maioria é o alicerce social, inclusive financiando o Estado através dos impostos embutidos nos produtos básicos pra sobrevivência, de uso geral, formando a massa tributária, que é a grana que o Estado arrecada pra pagar suas megadespesas. Mais da metade de tudo o que o Estado arrecada, mais da metade da arrecadação dos impostos, da massa tributária, é paga pelos mais pobres. São eles quem financiam a sociedade como um todo, somos todos nós.
Pergunta: o que faz as pessoas aceitarem se apinhar em transportes coletivos que tomam horas incontáveis de suas vidas, apenas pra levar e trazer de trabalhos explorados, mal remunerados, em situações de pressão e humilhação, com pouco tempo pra viver? O que produz a aceitação de uma vida vazia de sentido, o tempo passando, da juventude à maturidade e à velhice, com a morte como ponto final, muitas vezes com a clara sensação de ter vivido em vão?
"De que valeu a minha vida?" Imaginei esta pergunta aos meus 19 anos sendo feita a mim mesmo, lá no final, na velhice, nos momentos da partida inevitável. Observava os mais velhos, ouvia o que diziam sobre a própria vida e as impressões que tinham. Às vezes eu mesmo perguntava, provocava, pra ouvir.
Sobretudo um ficou marcado na memória, talvez porque ocorreu em um momento chave da minha vida e teve influência direta nas minhas atitudes na época. "Eu fiz tudo o que me disseram pra fazer, me formei, montei minha empresa, me dediquei a ela...", seus olhos miravam o passado, enquanto ele contava parte da sua história, em pedaços distantes no tempo. "A sensação que eu tenho é que mentiram pra mim, lá no começo da minha vida, e eu passei a vida inteira correndo atrás dessas mentiras".
As pausas pra ele eram lembranças do passado que passavam na sua frente. Pra mim eram revelações da minha intuição, chocantes pelo inesperado, eu estava literalmente em choque. "Eu sou visto como um empresário de sucesso, um vitorioso... e aqui dentro eu me sinto um fracassado, um derrotado."
Isso não vai acontecer comigo, eu me dizia repetidas vezes. Eu morro antes, mas não chego na idade desse cara desse jeito. Com esse vazio, com essa sensação. Tem que haver algum sentido em algum lugar. E eu vou buscar. Ou vou encontrar, ou vou morrer procurando. Fui direto na secretaria da universidade e me desliguei dela, peguei meus documentos escolares e levei pra entregar a meus pais. Era o pagamento da minha "dívida".
Desligamento total, da escola, da família, dos amigos, da classe social. O banimento foi completo, a realidade mudou, os lugares e relações sociais mudaram e já não havia mais pontos de encontro. E eu pude ver a cara do Estado onde ele não usa máscaras. Ali onde o serviço público forte é a polícia, que já chega com ódio nos olhos, pronta a agredir, humilhar e matar, cérebros lavados de humanidade, embebidos em medo e ódio contra os "territórios perigosos", as periferias e favelas onde vivem os milhões de vítimas de crimes sociais, em situação de estímulo ao crime, de desesperança e abandono, roubados em seus direitos constitucionais.
Um Estado que não cumpre sua própria Constituição, sobretudo nos direitos humanos, básicos, da maior parte da população, pode ser visto como uma organização criminosa, armada contra o próprio povo pela cúpula da elite alinhada com os interesses de elites mundiais, banqueiros e megaempresários de alto calibre.
O Estado não esconde a cara nos postos de saúde, nos hospitais, nos recursos aplicados na saúde pública. Falta tudo, de médicos a esparadrapo, de remédios a ambulâncias, de aparelhos a macas e lençóis. Em qualquer departamento público de atendimento aos mais pobres o desprezo, os maus tratos, a má vontade é palpável.
(Cabe aqui o contraponto dos profissionais bem-intencionados, humanos, que se dedicam, vocacionados no serviço público, que encontram todos os entraves pra exercer suas funções, desde a falta de recursos até a discriminação, a ironia, o deboche, a perseguição pelos maus funcionários, muito bem adaptados a uma estrutura espúria que premia a perversidade, a ambição, o egoísmo com cargos de poder e controle - uma estrutura mau caráter que privilegia o mau caráter e persegue os bons).
Seja na área que for, jurídica, administrativa, de transportes, trabalhista, qualquer uma. Interesses empresariais de porte grande têm prioridade e rapidez. Ao povo, desimportância, roubo, mentiras, desgaste, exploração, repressão e desdém.
É estratégica a formação psicológica e ideológica profunda, na ignorância, na desinformação, no sentimento de inferioridade, de impotência, na aceitação da "realidade" como ela é, implantando conformação, no modelo de educação empresarial, anti-social, e no massacre midiático-publicitário-ideológico.
As exceções são méritos pessoais e de grupos em ações pontuais, isoladas e devidamente ignoradas pelos meios de comunicação, pra não dar "mau exemplo" pra esmagadora maioria, mediocrizada e dominável.
Não tenho a pretensão de apresentar soluções, nem mesmo caminhos. Trato apenas de rasgar o véu que cobre a realidade. Nenhuma instituição funciona com sinceridade, no objetivo de atender à maioria da população, nem mesmo em seus direitos humanos, básicos, fundamentais e constitucionais.
É preciso enxergar o Estado como uma farsa, pelo simples motivo de que o povo está mentalmente entorpecido, ignorantizado, superficializado, desinformado - ou deformado em sua visão de mundo - incutido de valores programados, induzidos ao consumo, a valores e comportamentos condicionados, consequência de um trabalho profundo de penetração na sociedade dessa deformação informacional que são os meios de comunicação privados e os criminosos das redes sociais, a começar pelos seus donos.
É uma atividade criminosa de deformação da realidade, de controle social descarado, formando opiniões, criando "inimigos públicos" que são, em geral, justamente os que propõem uma sociedade menos injusta, que denunciam os crimes cometidos contra a população, o meio ambiente e a vida. A mídia é a voz dos parasitas sociais que dominam de alto a baixo a estrutura social. Voz que sobretudo fala ao inconsciente coletivo, usando conhecimentos profundos da mente humana.
Há muitos que já enxergam e não se deixam levar. E mais e mais vão surgindo, exceções às regras da manada. Estes vão criando formas de viver à sua maneira, escolhendo por si e não pelas programações sociais, alcançando um bem-estar proibido no esquema social.
Nesse caminho, soluções vão surgindo nos seus locais, pra resolver os seus problemas. Quanto mais gente for vendo que não se pode contar com o Estado e suas instituições, pelo menos enquanto dominadas por quem são, mais soluções de autonomia irão surgindo.
É um trabalho intergeracional. Que já vem de onde nem se vê mais e vai pra onde ainda não se vê. Não vejo soluções nem saídas, vejo caminhos formando um caminho coletivo. Caminhamos há milhares de milênios, cada vida é um passo nesta caminhada que não vemos nem começo nem fim e na qual somos apenas um passo. Que seja um passo firme e útil, que eu possa ter a satisfação de ter vivido uma boa vida, pra mim e pro mundo.
*Eduardo Marinho
Artista de rua e escritor
Foto: https://pt.wikipedia.org/wiki/Empreendedorismo