Um teste para sua ética
Você se considera "uma pessoa do bem", incapaz de fazer qualquer maldade para seu semelhante?
Então responda a seguinte questão hipotética: você é um judeu e está preso no campo de extermínio de Auschwitz e para adiar a sua morte, aceita participar de um "Sonderkommand", grupo de judeus utilizados pelos nazistas para os trabalhos mais sujos do campo.
Sua tarefa é acionar a chave que vai lançar o gás letal dentro de uma câmara para matar centenas de judeus, homens, mulheres e crianças.
O que você fará?
Aciona a chave, matando todas essas pessoas, pensando que não é culpa sua e que se não fizer isso, outro fará no seu lugar?
Recusa matar essas pessoas e corre o risco de se imediatamente morto pelos nazistas?
Essa parece ter sido a grande questão moral que o nazismo colocou para a nossa civilização, quando todos os seus crimes foram descobertos e as pessoas começaram a se perguntar como isso foi possível.
No julgamento de Adolf Eichmann, em Jerusalém, no ano 1961, Hannah Arendt, que acompanhou todo o processo, escreveu um comentário que ficou famoso: "é a banalização do mal".
Ninguém era culpado. Todos obedeciam ordens superiores.
Três meses após esse julgamento, o professor e psicólogo da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Stanley Milgram, iniciou suas pesquisas para tentar responder a seguinte questão: pode Eichmann e seus milhões de cúmplices estar apenas seguindo ordens, sem o livre arbítrio de escolha?
A experiência, feita com 40 voluntários simulava uma relação "professor" e "aluno". O professor fazia perguntas e quando o aluno errava, devia ser castigado. Só que o castigo era um choque elétrico, aplicado por um voluntário, que ia aumentando de intensidade a medida que o aluno errava as respostas. O aluno era um assessor de Milgram, que aparentava sofrer fortes dores após cada choque e seu queixava da sua condição de ser cardíaco.
O que Milgram queria saber era até onde os voluntários da experiência suportariam ser o agente provocador da dor em outra pessoa, ao obedecer uma ordem, mesmo se defrontando com uma questão muito menos dramática do que aquelas vividas pelos prisioneiros de Auschwitz.
O equipamento gerava choques que iam de 15 volts, choque leve, a 450 volts, choque muito forte.
Dos participantes, 65% foram até o limite de 450 volts e todos foram ao menos até 300 volts, quando se recusaram a continuar.
Disse mais tarde, Milgram:
'Eu projetei um experimento simples em Yale para testar quanta dor um cidadão comum estaria disposto a infligir em outra pessoa, porque um simples cientista deu a ordem. O acatamento a ordem da "autoridade" falou mais alto que a dor da "vítima". A extrema disposição de pessoas adultas de seguir cegamente o comando de uma autoridade é o resultado principal do experimento, e que ainda necessita de explicação''.
Mais informações:
1) Obviamente, embora as cobaias, como "professores", acreditassem que estavam provocando choques no "aluno" que fez o papel de vítima (para dar credibilidade ao experimento, ele foi submetido a um pequeno choque inicialmente) ele, na realidade, não recebeu nenhum choque
2) Edward Milgram era um judeu, que nasceu 1933 e morreu em 1984, em Nova York. Foi PHD em Psicologia Social pela Harvard University.
3) O filme O Experimento Milgram (Experimenter) dirigido por Michael Almereyde, com Peter Sarsgaard no papel de Stanley Milgram, quase documentário, está disponível no Neteflix.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS