Sempre que tenho um problema existencial procuro o Vincent, o cinéfilo, para ouvir seus conselhos. O problema é que com ele tudo precisa ser visto sob a ótica do cinema.
- Vincent, estou apaixonado
- Como é essa personagem
- É uma mulher madura, bonita, inteligente, irônica, experiente.
- Como quem?
- Jeanne Moreau, de Jules e Jim
-Interessante. Fale mais
- Uma mistura de Isabelle Huppert com Susan Sarandon.
- Isso não existe. É fantasia tua.
- Existe sim e quero conquistar seu coração. Só tenho dúvidas se minha apresentação vai agradá-la
- Você tem que aparecer como alguém poderoso. Assim como a Lennie Riefestahl mostrava aqueles alemães. Imponentes. Sempre em tomadas de baixo para cima.
- Isso talvez a afaste. Tanta imponência. Pensei em algo que mostrasse a minha força de macho, mas sem assustá-la.
- Claro, Clark Gable em E o Vento Levou. Um homem dominador, mas gentil.
- Mas ela talvez nem tenha visto esse filme que é muito antigo.
- Alain Delon no papel do príncipe Tancredi, em o Gattopardo, do Visconti.
- Ele não é bonito demais? Acho que ela não vai acreditar
- Antônio Banderas em Evita. As mulheres gostam de um toque latino.
- Dizem que as mulheres gostam de homens carentes. Que elas querem se sentir protetoras.
- Claro, Marcello Mastroianni, em Um Dia Muito Especial, com a Sophia Loren.
- Mas, o Marcelo faz um viado. Não vai cair mal?
- O James Dean, então, em Juventude Transviada.
- Mas ele também parece que não amava as mulheres. Pensei em alguém mais real, mais sofrido.
- Claro, Dustin Hoffmann, abandonado pela mulher má, a Meryl Streep, na véspera de Natal e precisando arrumar um emprego para não perder a guarda do filho, em Kramer x kraemer.
- E se ela se identificar com a Meryl. No filme, ele é uma mulher que não quer se prender à vida doméstica. É dramático demais. Nos filmes, as mulheres não gostam de homens tão perdedores assim.
- Tem razão, tem que ter a medida certa.
- Certo, nada de dramalhão. Que tal um personagem carente, mas também alegre?
- Jim Carey, em Todo Poderoso
- Espalhafatoso demais. Acho que ela não vai gostar
- Alec Guiness, em o Homem do Terno Branco
- Inglês demais e muito antigo.
- Jean Paul Belmondo ou Yves Montand
- Mas nenhum é muito alegre
- Mas são franceses e o charme pode ser uma forma de compensar a falta de alegria
- Não sei, não. Mas ela é uma mulher dominadora. Preciso passar a ideia de que ela não é a única. Que existem outras interessadas.
- Qualquer filme do OO7 com Sean Connery
- Mas, ele não é volúvel demais?
- O Sean Penn?
- De novo um cara que fez papel de viado em Milk. Ela jamais pode pensar em que eu tenha algum tipo de inclinação para ... bem tu sabes para o quê
- Michael Douglas, um cara acima de qualquer suspeita.
- Mas dizem que ele é viciado em sexo. Acho que ele não vai confiar num cara que só pensa naquilo.
- Matt Damon como Jason Bourne, durão, mas fiel aos seus amores?
- Talvez um sujeito cheio de dúvidas existenciais? Não sei se te disse, mas ela é uma intelectual e intelectual não gosta de certezas.
- Certo. James Stewart em Janela Indiscreta ou em qualquer outro filme. Ele sempre está com aquela cara de dúvidas, do sujeito que não sabe onde meter as mãos.
- Compondo um tipo com a mistura de todos esses personagens, você acha que conquisto essa mulher?
- Acho que ela não vai resistir. Mas o que você pretende fazer com ela?
- Entre outras coisas, levá-la para cama. Mas aí, me encho de dúvidas. Ela é uma mulher experiente. Já passou por todos esses filmes e se ela ficar esperando um Humprhey Bogart, um Paul Newmann ou até mesmo um Stallone e der de cara com o Marcello Mastroianni de o Belo Antônio?
- Você tem que buscar alguns apoios químicos e pensar que é o Leonardo de Caprio
- Vou tentar
- Mas atenção então: nada de A Um Passo para a Eternidade com Burt Lancaster e Debora Kerr, principalmente naquela cena dos dois rolando na praia; muito menos O Último Tango em Paris, com Marlon Brando. Manteiga, então, nem pensar. Na tua faixa etária é melhor ir de Clint Eastwood de as Pontes de Madison, namorando a Meryl Streep.
The End
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS