- Faça-se a luz! Com essas poucas palavras, teria-se iniciado a criação do universo. Tamanha era a crença na força da locução que, na Idade Média, se condenava à prisão e à morte por mandar alguém aos "quintos do inferno". A verbalização do desejo abriria já caminho à sua materialização. Visão que permanece, forte, no nosso inconsciente. Até poucos anos, minha velha mãe repetia: - Mário José, não digas isso. Os anjos podem dizer amém!
Mário Maestri
Na Antiguidade, Platão sintetizou a visão daqueles que acreditavam que as idéias determinavam o mundo material e as palavras precediam ao que designavam. O grande Aristóteles dissolveu essas ilusões idealistas, propondo que os fenômenos materiais e espirituais precediam a sua nominação.
Portanto, fatos novos exigiriam - e exigem - novas designações.
Devido à sua força de evocação, a língua é, definitivamente, espaço privilegiado da luta de classes. Ela serve para expressar corretamente o mundo das coisas materiais, sociais e espirituais, ou cobri-lo com o véu opaco da dissimulação e da mentira.
Os senhores generais definiram 31 de março como o dia do início da ordem que impuseram pela força dos fuzis porque, logicamente, o 1ª de abril pecava por sua pouca seriedade. Chamaram a ordem ditatorial de "revolução redentora", apoiando-se na força da palavra que descrevia o que combatiam e se encostando na princesa Isabel. Se auto-proclamaram de presidentes, mandando para a prisão aqueles que davam o nome certo aos bois. Ou seja, a eles, chamando-os de ditadores!
Temiam a força das palavras breves que desventrava sem pudor a essência do que eram e do que faziam - eram meros e vulgares golpistas e ditadores.
Devido a tudo isso, enfrentamos, hoje, um problema de nominação. Se o golpe institucional prosperar e Michel Temer abiscoitar a presidência, violentando a Constituição, apoiado na força da grande mídia e do grande capital e na leniência da Justiça, como ele, Temer, deverá ser chamado?
O conceito ditador não se enquadra ao caso. Mesmo na ilegalidade, ele governará nos quadros gerais da Constituição violada, torcendo-a, é certo, até onde deixarem, apoiado no conservadorismo que o elevou à posição que não lhe cabia.
Parece-me que o título mais condizente será o de "usurpador". Ou seja, aquele que se apodera de um título, cargo ou função, que não é seu, pelo engano ou pela força, seja qual seja.
Porém, fica uma questão. "Michel, o Usurpador" não é demasiadamente pomposo para o tamanho do homem?