Que democracia?

Um dirigente do partido do governo, que também cumpre mandato administrativo em uma prefeitura, prega a violência física contra opositores; "porrada", ele diz, em seu linguajar típico de becos. Essa cena, à primeira vista, talvez traga ao leitor a figura dos "Camicia Nera", a milícia do fascismo Italiano. Mas não estamos falando da Itália do inicio do século XX,  tampouco dos capangas de Benito Mussolini. Trata-se de Washington Quaquá, presidente do Partido dos Trabalhadores no Rio de Janeiro e prefeito de Maricá, cidade no litoral do Rio.

Com o escândalo da Petrobras, os ânimos estão à flor da pele. De um lado, uma oposição ao então governo de Dilma Rousseff tenta cavar um impeachment calcando na acusação do chamado Crime de Responsabilidade; do outro, militantes governistas que enxergam no impedimento uma tentativa de golpe. Entre socos, chutes e xingamentos, que partem de ambos os lados, amiúde se ataca a democracia. Há, entre a população que com razão se manifesta contra o assalto aos cofres públicos, grupos oportunistas a serviço de uma extrema-direita que não suporta a democracia. Refiro-me aos grupos simpáticos às ideias do deputado Jair Bolsonaro, conhecido defensor da ditadura civil-militar que desgraçou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985, com torturas, assassinatos, sequestros, censura e abusos de todas as ordens. Do outro lado, em defesa da presidente, grupos que também se afastam do ideal democrático se organizam. Quaquá, que acha que adversários devem ser tratados com violência, é um deles.

Não é só o Brasil que se distancia da democracia. Os nossos vizinhos latino-americanos, com as suas repúblicas populistas bolivarianas, também revelam a sua face autoritária ao prender e assassinar opositores. Na Venezuela de Maduro a polícia porta armamento letal em manifestações, tudo com respaldo das leis. Não há respeito à vida, não há respeito à democracia quando não se respeita a dignidade humana e os seus direitos mais elementares. No dia 24 de fevereiro, em San Cristóbal, um garoto de 14 anos foi assassinado à bala em uma manifestação. O tiro partiu da arma de um policial. No mesmo dia o PT divulgou em sua página uma nota de apoio ao governo venezuelano, onde, entre outras coisas, o presidente do partido, Rui Falcão, dizia que um governante legitimamente eleito não poderia ser expulso de seu cargo. Gostaria de saber por que não foi divulgada também uma nota condenando a prisão do prefeito de Caracas. Dois pesos, duas medidas.

Antes das eleições presidenciais de 2014, João Pedro Stédile, líder do MST, prometeu protestos diários caso a candidata do PT não fosse eleita. Os mesmos militantes governistas, que na ocasião apoiaram a declaração de Stédile, hoje se referem às manifestações populares como anti-democráticas. É uma tentativa de criminalizar o movimento de massas que se forma em oposição a um governo que, já nos seus primeiros dois meses de atuação, se revelou anti-popular, com a limitação de direitos trabalhistas e outras medidas que afetam diretamente as bases sociais.

O povo que irá às ruas marcha em causa legítima. Os oportunistas, que se valem das instituições democráticas para apoiar governos autoritários, devem ser apontados e revelados como usurpadores da voz das massas. Certa vez, o intelectual eslovaco Alexander Dubcek, líder do Partido Comunista da Tchecoslováquia e teórico das reformas da Primavera de Praga, disse que a atividade crescente das pessoas e a confiança na política constituem a melhor garantia da unidade - uma garantia mais forte do que a que pudesse ser obtida por meio da força. As manifestações democráticas que visam denunciar os crimes contra a Petrobras caminham rumo à unidade. Só o movimento de massas pode reafirmar a democracia em território brasileiro.​

 

 

 

André Rosa é jornalista e co-autor do livro Palavra é Arte (Cultura Editorial)

 


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