Em julgamento realizado no último dia 26 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus a um acusado por posse ilegal de arma de fogo, extinguindo a ação penal a que ele respondia. Na análise do processo, os ministros julgadores entenderam, à unanimidade, que a existência de registro de arma de fogo vencido não se caracteriza como posse ilegal de arma e, por isso, não pode configurar crime, sendo apenas uma infração administrativa.
De acordo com o entendimento, uma vez tendo sido autorizada a posse da arma ao cidadão, "a mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à estigmatizadora e automática incriminação penal", especialmente porque, pelo registro inicial, o Estado tinha pleno conhecimento da existência daquela arma sob a posse do acusado, podendo rastreá-la a qualquer tempo, se assim entendesse necessário.
Segundo Fabricio Rebelo, diretor da ONG Movimento Viva Brasil, tradicional defensora do direito à posse de armas pelo cidadão, "o entendimento é uma evolução importantíssima no tratamento do assunto, pois pela primeira vez se reconhece que o registro da arma, uma vez realizado, não desaparece com o tempo, e a obrigação de sua renovação é uma exigência circunscrita à esfera administrativa, cujo descumprimento impõe sanções próprias dela, como a apreensão".
Para Rebelo, a decisão do STJ também diferencia o cidadão vencido pela burocracia do Estado daquele criminoso que mantém a posse da arma com propósitos ilícitos. "O lúcido entendimento refletido no julgamento deixa claro que a posse de arma com registro vencido não transforma um cidadão em risco para a sociedade, pois não faria nenhum sentido praticar qualquer ilícito com uma arma originalmente registrada em seu próprio nome", analisa.
Já para o presidente da entidade, o especialista em segurança pública Bene Barbosa, o julgamento pode representar um avanço para a possibilidade de regularização dos registros vencidos a qualquer tempo. "Há muito defendemos que todo cidadão tenha direito a regularizar o registro de arma vencido sem restrições de prazo, trazendo-a novamente para a legalidade. Agora, considerando que o registro vencido não implica crime, quebra-se a primeira barreira para que isso seja implantado", pondera.
O ministro Bellizze, em seu voto, ainda citou positivamente o PL 3722/12 de autoria do deputado catarinense Rogério Peninha Mendonça (PMDB), que revoga o chamado Estatuto do Desarmamento e cria uma nova legislação sobre armas de fogo e munições no país. "Não consigo enxergar na pessoa que se omite ou demora a renovar o registro um criminoso que deva ser punido de forma automática pelo Direto Penal. Talvez por esse motivo, o Projeto de Lei 3722/12, em trâmite na Câmara dos Deputados, que visa substituir a Lei 10.826/03, somente prevê com típica conduta de possuir arma de fogo sem registro", afirma.
"Isso mostra que o projeto em questão não só é recordista em apoio popular pelo disque-câmara como também está sendo muito bem visto pelos aplicadores da lei. A lei atual é injusta e socialmente desajustada. Uma lei que pune o cidadão por um mero problema burocrático ao mesmo tempo que não garante punição para os verdadeiros criminosos. Uma lei que serviu para desarmar o trabalhador, o pai de família mas que não passou nem perto de impedir que criminosos tenham acesso aos mais modernos e letais armamentos." afirma o deputado.
O julgamento do Superior Tribunal de Justiça foi proferido no habeas corpus 294078, de São Paulo, com o acórdão publicado na edição eletrônica do Diário da Justiça em 04/09/2014. Os termos completos do julgamento podem ser conferidos na página eletrônica do STJ, no endereço www.stj.jus.br, através da opção "processos".
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