Enquanto Milei afirmava que não cabe à Nação pagar o Fundo de Incentivo ao Professor, abono salarial que os professores recebem desde 1998, o presidente argentino afirmou neste dia 15:
Vamos incorporar um mecanismo de assistência à classe média para que as crianças não faltem à escola, porque a situação em que o rendimento cai e você tem que mudar a escola do filho não é traumatizante apenas para os pais, mas também para os filhos
E como parte de sua excêntrica histeria por qualquer participação do Estado na economia, Milei avança a passos largos a privatização de todos os meios de comunicação da Argentina. Consolidando a informação como negócio, favorecendo o monopólio dos meios de (des)informação pelos interesses de seus patrocinadores (banqueiros, indústria farmacêutica, enfim, as grandes corporações), hasteando precariamente a bandeira da liberdade.
O rico rouba ao pobre, chama-se ‘negócio’; o pobre defende o que é seu, chamam de violência
Nos primeiros dias deste mês, protestos pacíficos de milhares de pessoas em frente ao Congresso no centro de Buenos Aires contra o pacote de medidas econômicas de Milei, foram violentamente reprimidos.
O saldo da repressão estatal foi de 285 pessoas feridas por balas e cacetetes de borracha, e gases lançados indiscriminadamente contra manifestantes; pelo menos 35 jornalistas e cinco defensores de direitos humanos sofreram ataques policiais em uma caçada que não discriminou deputados, aposentados, jornalistas nem fotógrafos.
Além de dezenas de manifestantes presos “por ataque e resistência à autoridade”, criminalizando, assim, os protestos sociais que sao garantidos pela Constituição (o que o governo já vinha fazendo logo que assumiu o cargo, antes das manifestações de fevereiro deste ano).
A polícia argentina atuou com tanta ferocidade naqueles dias, que atacou inclusive manifestantes que se retiraram para as calçadas e para a Praça de Maio, a fim de refugiar-se da violência policial.
O governo da Argentina acabou advertido pela ONU pela repressão aos manifestantes.
Despencando ao barranco
Em janeiro, a inflação na Argentina atingiu 22,6 por cento, projetada em 230 por cento para o ano de 2024 enquano o salário real atingiu queda histórica para um periodo de apenas quatro semanas: 20 por cento, com perspectiva de piora ainda mais significativa para os próximos meses. Uma das quedas salariais mais drásticas, em tão curto período de tempo, já registradas na Argentina.
Os salários tinham subido ao ritmo da inflação passada, cerca de 10 por cento ao mêo, enquanto os preços, após o pacote de medidas, passaram para 30 por cento como consequencia sobretudo da desregulacao de preços.
“Nos últimos quatro meses registrados pelo Indec, ou seja, de julho a outubro, a média mensal do aumento do salário privado registrado foi de 10%. Se a inflação estivesse em 25%, a queda em termos reais do salário privado registrado foi de 12% em um mês. Para ter uma dimensão disso, vale lembrar que a queda acumulada dos salários reais nos últimos quatro anos foi de 18 ou 19%. Assim, essa deterioração é monumental”, explica Fabián Amico, economista da Universidade Metropolitana para e Educacao e o Trabalho (UMET), da capital argentina.
Entre dezembro e janeiro, a inflação atingiu o patamar de 52,4 por cento. “Janeiro foi marcado pelo efeito de transferência estatística de dezembro, provocado pela desvalorização [da moeda argentina pelo atual governo]”, indica o último relatório de inflação da UMET.
Acompanhando a deterioração das pensões produzida pelo atual governo, durante o mês de janeiro os preços dos remédios elevaram-se vertiginosamente: entre os dez medicamentos que mais se encareceram a cifra atingiu 31 por cento de aumento, com picos de 83 por cento e 45 por cento em apenas um mês, segundo dados do Centro de Economia Política Argentina (CEPA).
“Este aumento desproporcional tem impacto direto na queda do poder de compra dos idosos, sobretudo através de reformas e pensões. Levando-se em conta que os idosos consomem, em média, cinco medicamentos por mês, é notável a crescente proporção que os gastos com medicamentos representam para sua renda”, afirma o CEPA.
A estatal Entidade Reguladora Nacional do Gás (Enargas) anunciou, neste dia 15, a subida do preço do gás de cozinha que chegará a 704 por cento, enquanto o governo corta subsídios deste este produto para famílias carentes. E Milei decide disparar as tarfias de energia elétrica: neste dia 15, houve anúncio de 150 por cento de aumento nos preços para a Área Metropolitana de Buenos Aires.
O transporte público argentino tem se tornado privilégio de poucos, desde que Milei assumiu o cargo: o preços das tarifas subiram 251% na Área Metropolitana de Buenos Aires. Tem havido relatos de cidadãos e famílias sem condições de locomover-se ao trabalho e aos estudos, ao longo de todo um mês.
“Neste contexto não existe nenhuma medida que regule o aumento dos preços. Parece que a prioridade deste governo é criar as condições para uma recessão: salários mais baixos, menor consumo e menores vendas. No darwinismo económico, os maiores serão absorvidos pelo seu setor, e as posições dominantes serão consolidadas”, observou Ernesto Mattos, economista da Universidade de Buenos Aires, ao site argentino de economia ámbito.
Conforme observou o economista argentino Pablo Ferrari, em artigo no Página 12, em 28 de janeiro:
"Ao anunciar as primeiras medidas económicas no dia 12 de dezembro, o ministro da Economia, Luis Caputo, afirmou que há ‘inflação reprimida’. Preços reprimidos, em especial, os do dólar e da energia. Ele não mencionou o preço da mao-de-obra, ou seja, o salário. Assim, a política económica de reorganização dos preços relativos consiste em aumentar o dólar e a energia, usando os salários como âncora. Portanto, o centro de gravidade das medidas adotadas é a redução de salários, acordo essencial do grande capital local e estrangeiro. Desta maneira, a proposta eleitoral não se concretiza, porque a inflação sobe e os salários reais caem."
Co-governo com o FMI
Os perversos efeitos da desregulação de Milei, em co-governo com o FMI, não param por aí.
Segundo relatório da Confederação Argentina de Médias Empresas (CAME), em janeiro deste ano as vendas no varejo de pequenas e médias empresas (PMEs) sofreram queda significativa: 28,5% em relação ao mesmo período do ano anterior, medido a preços constantes (quando bens e serviços são valorizados, segundo os preços de um ano considerado como base).
“É muito preocupante. Principalmente no mês que ocorreu [a queda de vendas no varejo], dezembro, quando se esperava aumento nas compras. O problema envolve a questão da crise política, e das medidas implementadas pelo presidente que acaba com os subsídios, que acaba com a ajuda às províncias, inflação”, explicou o presidente da Federação Económica da Província de Buenos Aires, Alberto Kahale, em diálogo com a rádio AM750 de Buenos Aires.
No meio disso tudo, o governo “libertário” de Milei que, no discurso, ojeriza toda e qualquer interferência do Estado na economia de um país, em meados de janeiro o governo argentino chegou a um acordo com o FMI: receberá 4,7 bilhões de dólares da instituição monetária americana, para atingir metas financeiras (aquelas que garantem a saúde financeira especialmente dos banqueiros, e outros setores que compõem o 1 por cento mais rico).
Em 14 de fevereiro, a ex-presidente Cristina Kirchner publicou um documento crítico ao modelo econômico de Javier Milei, o qual iniciou recordando palavras do diplomata argentino Juan Bautista Alberi, em meados do seculo XIX:
Tomar emprestado capital para substituir o capital destruído pela crise não significa remediar a pobreza, mas agravá-la; a riqueza de outro não é a riqueza do país. A dívida representa mais pobreza que riqueza. Endividar-se não é enriquecer, mas expor-se ao empobrecimento pela facilidade com que sempre gasta as coisas dos outros.
Crise social, política e econômica sem precedentes
“Dois meses foram suficientes para que este novo governo mergulhe a Argentina em uma situação de fragilidade social sem precedentes, desde a crise de 2001. Este governo supostamente liberal tem, na verdade ,o objetivo profundamente conservador de apagar a contribuição peronista para a integração e a justiça social”, denunciou o diretor executivo do Centro para la Concertación y el Desarrollo CCD, Nicolás Trotta.
Neste quadro sombrio, segundo Kahale o problema surge “da crise política” e também “das medidas implementadas pelo presidente Javier Milei”.
Martín Epstein, economista e membro do CEPA, analisou na rádio AM750 os indicadores económicos de Javier Milei desde que assumiua presidência, e afirmou que seu governo “está destruindo a economia” argentina.
No final de janeiro, o FMI emitiu informe projetando recessão da economia argentina para este ano, estimando que esta cairá 2,8 por cento para crescer 5 por cento, em 2025. Uma revisão negativa do que a entidade sediada em Washington D.C. havia previsto em outubro do ano passado: crescimento de 2,8 da economia argentina para 2024.Completando agora dois meses de governo, Milei sofre queda acentuada na aceitação pública. Algumas pesquisas apontam declínio de 9 pontos desde a posse, outros falam em 7 pontos ; de qualquer maneira, trata-se de um processo rápido e sem precedentes visto os governantes anteriores, nos 100 primeiros dias de governo, aumentavam a aceitação popular. Muitos já se arrependem de ter votado em Javier Milei na Argentina.
Edu Montesanti