Eduardo Vasco (*)
Benjamin Netanyahu, o Hitler judeu, declarou inúmeras vezes que o principal objetivo de Israel nestes últimos dois meses é erradicar a Faixa de Gaza do Hamas. O genocídio promovido por seu exército, que já deixou mais de 18.000 palestinos mortos, resultante de bombardeios e ataques quase ininterruptos contra qualquer coisa que se mova em Gaza, indica que o primeiro-ministro israelense está disposto a fazer qualquer coisa para destruir o movimento da resistência islâmica.
Contudo, a história e a realidade atual da Palestina mostram que o Hamas não será erradicado. E Israel e seus comparsas sabem disso. Emmanuel Macron teve um raro momento de razão ao declarar: “eu acho que nós chegamos a um momento no qual as autoridades israelenses terão de definir mais claramente qual é o seu objetivo final. A destruição total do Hamas? Alguém acha que isso é possível? Se for assim, a guerra vai durar dez anos.”
A jornalista Loveday Morris publicou no Washington Post de 5 de dezembro que as forças sionistas estimam em 5.000 o número de militantes do Hamas mortos por Israel em Gaza – uma cifra considerada incerta e mesmo duvidosa, pois a Israel (como sempre acontece nas guerras) interessa inflar o número de baixas do inimigo para justificar a carnificina de civis. Se esse índice estiver próximo à realidade, isso significa que, até aquela data, Israel teria assassinado uma criança e um civil adulto para cada militante do Hamas morto.
Segundo o Centro Nacional de Contraterrorismo do Diretório de Inteligência Nacional do Governo dos EUA, até setembro de 2022 o Hamas tinha entre 20.000 e 25.000 membros. Analistas consultados pela BBC acreditam que atualmente o número de combatentes seja de 30.000, enquanto que a mesma reportagem do Post estima em até 40.000 e com recrutamento recorrente. Se tanto os dados do governo americano como os desses veículos de imprensa estiverem mais ou menos corretos, pode-se considerar que o número de militantes do Hamas aumentou consideravelmente no período de um ano.
Isso seria um fato essencial para a análise da correlação de forças na atual fase do conflito na Palestina. E vai ao encontro das revelações expostas por pesquisas de opinião realizadas recentemente. Reportagem de Dahlia Scheindlin publicada em 22 de novembro no Haaretz noticia que um estudo do grupo de Pesquisa e Desenvolvimento do Mundo Árabe apontou que: 1) quase 60% dos palestinos de Gaza e da Cisjordânia apoiam totalmente e 16% apoiam moderadamente a operação liderada pelo Hamas em 7 de outubro; 2) somente 13% (21% em Gaza) se opõem àquela operação militar; 3) para 76%, o Hamas desempenha um papel positivo; 4) ao menos metade dos consultados acredita que o Hamas luta pela liberdade dos palestinos.
A mesma reportagem cita outra pesquisa de opinião, conduzida pelo Barômetro Árabe, que revela que antes de 7 de outubro a maioria dos palestinos criticava o Hamas por não fazer o suficiente contra a ocupação. Essa pesquisa teve o apoio do Fundo Nacional para a Democracia (NED, na sigla em inglês) dos EUA – logo, provavelmente é enviesada para diminuir o apoio real ao Hamas. O Washington Institute, insuspeito de apoiar os palestinos, também conduziu uma pesquisa em julho deste ano, que concluiu que 57% dos habitantes de Gaza expressam um sentimento positivo pelo Hamas, sendo um pouco menor na Cisjordânia (52%) e maior em Jerusalém Oriental (64%) – e três quartos do povo de Gaza apoiam a Jihad Islâmica Palestina e a Cova dos Leões, outra organização militante.
A maioria das análises dos números apresentados pelas pesquisas de opinião não interpreta corretamente o sentimento dos palestinos, incluindo a análise publicada em 25 de outubro na Foreign Affairs por Amaney A. Jamal e Michael Robbins, os dois principais investigadores do Barômetro Árabe. O que essas pesquisas comprovam é: 1) o Hamas tem um grande apoio popular e 2) o movimento foi compelido a realizar a operação de 7 de outubro pela pressão popular para que alguma medida fosse tomada em reação à opressão imposta pelos ocupantes sionistas. A operação do Hamas foi o resultado lógico do sentimento de indignação dos palestinos com a sua condição de oprimidos, sendo que uma parte significativa dos palestinos revoltados se incorporou às fileiras do Hamas no último ano para lutar de forma efetiva contra essa opressão.
Os nazistas de Tel Aviv têm tratado os civis palestinos como membros ou cúmplices do Hamas. Ao assassiná-los, cometem crimes de guerra – ignorados pelas “sagradas” organizações internacionais, todas corrompidas pelos patrocinadores de Israel. Contudo, a concepção israelense não é de todo incorreta: o povo palestino como um todo está em guerra contra os ocupantes e, ao invés de ser uma guerra entre Israel e Hamas, é uma guerra de todo o povo palestino conduzida pelo Hamas contra os agressores israelenses. Uma grande parte dos cidadãos comuns constitui uma rede de apoio logístico e material à Resistência Palestina. De fato, muitos dos atuais membros do Hamas eram crianças inocentes quando Israel devastou Gaza no início da década anterior e muitas crianças que sobreviverem ao atual genocídio seguirão o mesmo caminho, porque a tendência natural de um povo que vive esmagado e massacrado é a revolta radical e armada.
A Resistência Palestina é somente mais um dos inúmeros movimentos de libertação nacional que necessariamente brotam nos países oprimidos, tal como os vietcongues, os talibãs ou a resistência xiita no Iraque pós-2003. E, assim como aqueles, o Hamas tem grande apoio popular – em seu caso, um apoio urbano, dadas as características da Faixa de Gaza, que também fazem com que a tática da resistência seja de guerrilha urbana diante da atual invasão. O Centro Nacional de Contraterrorismo dos EUA admite o caráter popular do movimento ao informar que o Hamas utiliza “dispositivos explosivos improvisados”, “armas pequenas” e “sistemas de defesa aérea portáteis”, reconhecendo assim que a guerra de Israel é absolutamente assimétrica.
Tal como os seus antecessores vietnamitas, afegãos e iraquianos, o Hamas utiliza redes de milhares de túneis subterrâneos para transportar armas e combatentes e surpreender os ocupantes com emboscadas mortais. Mesmo que seja verdade que guerrilheiros se escondam sob instalações civis (o ex-primeiro-ministro Ehud Barak admitiu à CNN que foi Israel quem construiu bunkers sob o Hospital al-Shifa), isso não constituiu uma conduta indevida levando-se em conta que os esconderijos servem também aos civis, que são o grande sustentáculo do Hamas na guerra de todo o povo. Deste modo, é de total responsabilidade e culpa de Israel as mortes civis causadas por bombardeios a hospitais, escolas, prédios residenciais e campos de refugiados, mesmo que eles abriguem “terroristas”.
As características da militância de organizações como o Hamas e a Jihad Islâmica, assim como do Vietcongue e do Talibã, que significam o abandono desinteressado de todo o tipo de comodidade e a entrega ao martírio, são prova de que o movimento só será derrotado se todos os seus membros e apoiadores (atuais e futuros) forem mortos. Isto é, se toda a população palestina for exterminada. Caso contrário, os palestinos forçosamente continuarão a luta, até a vitória. O grupo de Pesquisa e Desenvolvimento do Mundo Árabe revelou em seu levantamento que três quartos dos palestinos acreditam na vitória e, mesmo na Cisjordânia, onde o Hamas não governa, apenas 10% acham que o Movimento da Resistência Islâmica será derrotado. Isso significa que o moral dos palestinos está muito elevado e essa é uma condição essencial para a vitória em qualquer guerra, principalmente em uma guerra de libertação nacional de todo o povo contra um ocupante.
Essa disposição de luta também se comprova pelo fato de que, mesmo após dois meses de martírio em massa, os tradicionalmente inferiores armamentos do Hamas (em relação aos de um exército regular como o de Israel), muitos de produção doméstica, têm vencido o tão propagandeado Domo de Ferro e os israelenses reconhecem que seria muito difícil destruir completamente esses foguetes. O Haaretz revelou que não foram feridos somente 1.593 soldados israelenses (como divulgou Israel), mas sim 4.591. Até o dia 13 de dezembro também haviam morrido 115 militares de Israel em meio aos combates em Gaza. A Resistência Palestina continua revidando, e continuará revidando, mesmo que seja com paus e pedras (como fez tantas vezes), a agressão das forças de ocupação. Até a vitória.
O Hamas é fruto direto da opressão sionista e da natural insurgência contra os ocupantes. É fruto também dos erros, capitulações e traições da OLP. Assim como no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque, a única maneira de os palestinos conseguirem sua independência é a rebelião armada. O abandono da luta radical contra os opressores foi a sentença de morte da OLP, assim como o é da esmagadora maioria dos regimes da Ásia Ocidental e do Norte da África. Os povos da região não suportam mais a opressão que sofrem de Israel e dos EUA e, enquanto essa opressão existir (ou seja, enquanto existir o Estado de Israel e a presença militar e econômica do imperialismo americano), eles nunca desistirão de lutar.
(*) Eduardo Vasco é jornalista especializado em política internacional, correspondente de guerra e autor dos livros O povo esquecido: genocídio e resistência no Donbass e Bloqueio: a guerra silenciosa contra Cuba.