A luta pela nacionalização dos recursos naturais é mundial

O golpe militar no Níger contra a França expôs uma ferida aberta de todos países atrasados: o elevado grau de parasitismo dos grandes monopólios internacionais dos recursos naturais do mundo colonial e semi-colonial. No caso do Níger, o parasitismo de três empresas francesas em relação ao urânio. 

Para se ter noção da correlação de forças: uma das empresas, a Areva, em 2013, tinha seu patrimônio global correspondente a duas vezes e meia o PIB total do Níger, segundo FMI.

O objetivo declarado dos militares é beneficiar o urânio no próprio país de modo que maior parte da riqueza advinda da exploração do mineral fique no país. Na verdade, esse golpe é resultado de um longo processo de luta em torno dos royalties pagos pelos franceses. Segundo os contratos, as empresas pagam 5% dos lucros. Entretanto, já em 2012, haviam questionamentos dos nigerinos em relação à elevação artificial dos custos pela própria empresa, para diminuir os valores pagos ao governo.

Ou seja, essa luta se acirrou exatamente no boom das commodities que se assistiu no mundo entre 2007 e 2013. Natural, pois enquanto o valor do urânio no mercado internacional subia, a pobreza miserável do Níger seguia firme e intacta. Ou seja, quanto maior o valor das commodities no mercado internacional, maior a taxa de exploração desses países pelos monopólios internacionais.

 

"Não existe uma parceria vantajosa para todos. O Níger não obteve quaisquer benefícios com a mineração de urânio", disse em 2022, Ali Idrissa, coordenador de uma coligação de grupos de campanha denominada Rede Nigeriana de Organizações para a Transparência e Análise Orçamental.

O urânio "nos trouxe apenas desolação (da paisagem)... e todos os lucros foram para a França", disse o especialista nigeriano Tchiroma Aissami Mamadou.

Em 2020, a mineração contribuiu para 1,2 por cento do orçamento nacional do Níger!?

 

Crise econômica e o boom das commodities 

 

 

Estamos vivendo desde 2020 um terceiro boom dos preços das commodities nos últimos 50 anos. O primeiro ocorreu na década de 1970, durante uma crise econômica mundial que derrubou qualquer ilusão no “sonho americano”. O segundo, durante os anos de 2007-2014, ou seja, durante o colapso do sistema financeiro que em nenhum momento foi superado.

Esse atual boom corresponde novamente a uma crise econômica que se avoluma. Inflação, recessão e desemprego são a tendência do momento assumida pelos próprios órgãos imperialistas. Só que essa crise de 2020 se eleva a partir dos ombros da crise de 2008. Pois não houve recuperação alguma nesse intervalo, pelo contrário.

Durante a crise da década de 1970, no debate econômico sobre a inflação, como sempre fazem os funcionários dos bancos, era defendido que o problema se dava pelo aumento salarial. Entretanto, uma segunda corrente apontava que as seguidas expansões monetárias feitas pelo EUA desde a Guerra do Vietnã, geraria impacto direto no preço das terras, que é base importante na precificação das commodities. Segundo nos apresenta Robert Solomon no livro O Sistema Monetário internacional 1945-1976 (pág. 301):

“O staff da OCED (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento), numa análise da inflação, declarou em 1973:

(...) Há, contudo, uma cadeia causal específica, que parece plausível, pela qual elevadas taxas de expansão monetária têm um efeito direto sobre o preço da terra e outras propriedades concretas, e altas “especulativas” agudas nesses preços desempenham papel importante, impulsionando expectativas inflacionárias na economia como um todo” 

A crise de 2008 teve como origem uma bolha de hipotecas imobiliárias nos Estados Unidos, mas que acabou por resultar numa elevação generalizada dos preços das commodities. Esta crise tornou-se mundial ao se espalhar por caminhos trilhados pela circulação de mercadorias. Mas, “embora os laços comerciais, muitas vezes, tenham ajudado as crises a atravessarem fronteiras nacionais, as commodities e as moedas têm ainda mais influência. A razão é bem simples: seus preços são fixados nos mercados mundiais”. (ROUBINI; MIHM; 2010, p.139, grifo nosso).

O próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin, argumentou que a enorme impressão de dólares em 2008 para salvar os bancos, e, em 2020, devido a pandemia, permitia aos EUA ir ao mercado mundial de commodities em posição privilegiada, empurrando os preços para cima.

Ao mesmo tempo, a literatura econômica recente debate a chama doença holandesa. Algo que Celso Furtado já havia explicado na década de 1950 acerca da Venezuela e sua dificuldade de industrializar-se. A doença holandesa consistiria que a forte dependência da exportação de matérias-primas diante da elevação dos preços mundiais geraria pressão para a valorização da moeda, o que por sua vez, resulta na tendência à desindustrialização, pois as indústrias desses países não consegue suportar tal nível cambial.

O Brasil é um exemplo notório: sofre da maior desindustrialização da história desde o genocida Plano Real de FHC.

Quanto menor a indústria, maior o desemprego. Maior a dependência dos programas sociais do governo. Programas sociais estes que dependem dos royalties das commodities exportadas. Durante o boom de 2008, na América Latina, por exemplo, assistiu-se à chamada onda rosa. Ascensão de governos nacionalistas de esquerda que se apoiaram na elevação dos preços das commodities para expandir os programas de transferência de renda. Entretanto, a calmaria por cima, significava deterioração das condições por baixo.

Em 2023, a agricultura ultrapassará a indústria na participação do PIB. O desemprego, a fome e a inflação assolam o país, assim como no Níger. Mesmo diante do aumento das exportações e da valorização do preço daquilo que exportamos.

Afinal, o que fica para o país do alumínio e ferro extraído pela Vale privatizada? O que fica da Petrobrás privatizada? Muito pouco, para não dizer, quase nada.

Vejamos a diferença entre a contribuição da mineração estatal e privada no Chile, conforme nos informa o portal DiarioUChile:

“Documentando a reativação da inversão mineira no ano de 2017, Cochilco publicou um relatório intitulado precisamente como “Inversão Minera no Chile”, no qual comemora que a inversão mineira projetada para o período 2017-2026 atingiu um montante de US$ 64.856 milhões.

No entanto, o Anuário de Cochilco 2016, ao relatar a tributação das 10 maiores mineradoras privadas, nos informa que para o exercício de 2016 ela alcançou a ridícula soma de US$ 17,6 milhões. No mesmo exercício, o mesmo quadro informa que a tributação da Codelco alcançou US$ 950,8 milhões, enquanto a Enami tributou US$ 8,8 milhões.

Isso quer dizer que a Codelco tributou 520,4 dólares por tonelada de cobre produzida, a Enami 60,90 dólares, e as grandes minas estrangeiras apenas 4,60 dólares por tonelada de cobre que chegaram ao nosso país. Essa é a diferença entre a produção estatal e a produção privada de nosso mineral.”.  Uma diferença de mais de 113 vezes!

 

Tendência internacional à nacionalização dos recursos naturais

Diante do aprofundamento da crise econômica e do aumento dos preços das commodities, face ao qual os países exportadores de nada se beneficiam, aprofunda-se uma tendência internacional de luta pela nacionalização dos recursos naturais.

O Níger é mais um exemplo. 

Últimas nacionalizações: O gás na Rússia. O cobre no Chile. O lítio no México, Peru, Bolívia. 

 

Enquanto outra dezena de países estão aumentando os impostos sobre as exportações das commodities de modo à amenizar o saque.

Essa tendência deve ser apoiada, generalizada e aprofundada. É interesse fundamental dos trabalhadores e dos povos oprimidos que os seus recursos naturais passem ao controle direto dos estados nacionais. Só o controle popular desses recursos naturais pode garantir a soberania nacional e qualquer possibilidade de industrialização nos próximos anos. Sem a nacionalização dos recursos naturais estratégicos de cada país, falar em industrialização é pura utopia.

 

 

 

Leandro Monerato

 

 


Author`s name
Leandro Monerato