Trágica Existência: Ser Criança na Bolívia

Ausência total do Estado diante de graves abusos contra menores de idade, em vertiginoso crescimento. Em um país onde criança é também um lucrativo negócio: prostituição e tráfico, em alta proporcional aos atos de violência cotidianos

"Toda criança e adolescente tem o direito de ser protegido da violência, mas a violência faz parte da vida da maioria das crianças e adolescentes na América Latina e no Caribe. A América Latina e o Caribe são a região mais violenta do mundo, fora das zonas de guerra para crianças e adolescentes. A maioria deles experimenta não uma, mas várias formas de violência. Não deveria ser assim", escreveu Jean Gough, diretora regional da UNICEF para América Latina e Caribe, no relatório publicado em 2021 intitulado Violencia contra niños, niñas y adolescentes en América Latina y el Caribe 2015-2021: Una revisión sistemática.

A América Latina e o Caribe abrigam mais de 653 milhões de pessoas distribuídas em 48 países, enquanto menores de idade representam cerca de um terço, ou 30 por cento da população da região. A mesma Unicef havia relatado, um ano antes do informa acima, que a taxa de mortalidade por homicídios entre crianças e adolescentes na região é quatro vezes maior que a média mundial.

Bolívia

Particularmente, a Bolívia sequer consta nos mais diversos relatórios divulgados por organizações internacionais, quando o tema é violência contra menores de idade. Não por sucesso em políticas públicas a este respeito, muito pelo contrário: o Estado boliviano endemicamente corrupto, historicamente dificulta acesso às informações sobre o tema.

Neste país andino, quando aparecem dados estatísticos estes revelam - apenas considerando números divulgados pelo Estado -, invariavelmente, ano após ano uma realidade das mais graves envolvendo todo tipo de violência contra crianças - na região mais violenta do mundo.

Nove em cada dez crianças e adolescentes na Bolívia sofreram algum tipo de violência ao longo da vida. Uma menina é violentada a cada 15 minutos, vítima de algum tipo de violação de seus direitos. Em 2014, quando Evo Morales era presidente por já oito anos, 83 por cento das crianças bolivianas sofreram violência doméstica, e milhares de menores trabalhavam.

Diariamente, e duranto todo o dia as notícias vão alem do assombro: são catastróficas em relação a todo tipo de violência infantil, perpetrado aos montes pelas pessoas mais próximas às crianças violentadas em quantidade descontrolada. E das maneiras mais trágicas que aumentam diante da inércia total do Poder Público, incluindo dentro das escolas - os próprios funcionários escolares são, em muito casos, os agressores de menores na Bolívia.

A sensação generalizada é que a cada dia a situação supera-se para pior. Tornando-se algo já corriqueiro, diante do que praticamente ninguém se sensibiliza. Também devido à própria banalização do noticiário que não contextualiza, não segue casos, não os discute, não cobra o Poder Público. Em um país onde simplesmente não existe jornalismo investigativo - também consequência da corrupção endêmica.

Pedofilia e Prostituição Infantil

A alta proporcional no país andino relacionada à violência infantil, também é verdadeira quando se trata de prostituição de meninas menores de idade, e o tráfico de crianças. Sem nenhuma ação do Estado. Todos os dias. nada menos que sete crianças são vítimas de violência sexual no país

Sobre isto tudo foram emblemáticas, já explicando muito bem a omissão conivente estatal, diversas fotos que se tornaram públicas em 2020 compartilhadas pela ex-... namorada (!) do presidente Evo Morales (2006-2019) em sua página no Facebook: a tal namorada, que até então na Bolívia ninguém tinha conhecimento, nas fotos tinha de 14 a 16 anos e divertia-se em bens do Estado, como o helicóptero presidencial.

O caso logo desmanchou-se no ar, saiu de pauta em todo o país: ninguém ousou falar sobre o "caso" por muito tempo, embora sua autenticidade seja comprovada. E uma realidade, outrossim, bem sabida em solo boliviano: talvez com algumas exceções, políticos de todos os espectros pagam, em um dos países mais pobres da América Latina, generosas mensalidades às mães de meninas menores, para que possam "namora-lás". Tudo devidamente acobertado, mas nenhum segredo.

Neste exato momento, vive-se clima de histeria generalizada em toda a Bolívia contra o próximo, por ataques sexuais a meninas. Tão generalizada quanto os diários relatos de meninas abusadas sexualmente por país, padrastos, outros familiares e até professores.

Alguns hoteis da cidade de Santa Cruz de la Sierra estão simplesmente vetando a hospedagem de pai com filha ainda que haja permissao materna para tal, se a mãe ou algum familiar do sexo feminino não estiver presente. Na prática, e esta pecepção é compartilhada pelas préprias envolvidas, uma menina diante de indivíduo boliviano do sexo masculino, é como se a menor estivesse diante de uma fera babando.

Em janeiro deste ano, o Comitê da ONU exigiu medidas urgentes para acabar com a violência contra menores na Bolívia. "A Bolívia deve tomar medidas contra violência sexual e infanticídio de meninas". Segundo o relatório, a Bolívia deve tomar medidas contra violência sexual e infanticídio de meninas, "o governo boliviano não tem apresentado medidas de controle desse flagelo no país".

Também naquele mês, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sanciona a Bolívia por não investigar nem menos punir o estupro de Brisa de Angulo em 2002 quando tinha 16 anos, que teve de abandonar o seu país devido a ameaças. A Corte considerou, por unanimidade, que a Bolívia era "responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais, à vida privada e familiar, aos direitos da criança e à proteção judicial" de De Angulo.

O acórdão afirmou ainda que “é evidente que a Brisa sofreu profundos sofrimentos e angústias em detrimento da sua integridade psíquica e moral, devido às graves violações cometidas pelo Estado”. Referindo-se, particularmente, à “flagrante revitimização” sofrida durante a investigação e processo-crime. Este tratamento, considerado "cruel e degradante", causou a De Angulo "um sofrimento acrescido à violência sexual e psicológica de que foi vítima".

Tráfico Infantil: Patrimônio do Estado

Na semana passada, o Departamento de Estado dos Estados Unidos emitiu um preocpuante informe, no qual relata exatamente o crescimento dramatico do trafico de criancas na Bolivia, acresentando a omissao do Estado. "O Estado boliviano e suas autoridades não estão cumprindo integralmente as normas que combatem o tráfico e contrabando de pessoas; assim como os casos estão aumentando significativamente", diz o relatorio americano.

E acrescenta: "o Governo não demonstrou um aumento geral nos esforços em comparação ao período do relatório anterior [de 2022]. Os funcionários [do Estado] não relataram investigar, processar ou condenar traficantes, e não relataram identificar ou encaminhar as vítimas para atendimento. Portanto, a Bolívia foi rebaixada para a lista de observação de nível 2."

Gerar filhos é velho negócio na Bolívia, em determinados casos dito de maneira ate aberta entre bolivianos. Mas não pelos programas sociais do Estado, nulos ou, quando existem, irrisórios - com o valor de uma "assistência" do Estado por aluno matriculado (200 bolivianos por ano, moeda local), é possível comprar um mini-pão de 50 centavos de boliviano por dia, pelo período de um ano.

"Pedir" filhos alheios, ou tentar tomá-los, é incrivelmente constante na Bolívia. Os sequestros de menores são diários, e nisto tanto políticos quanto a própria Polícia, estão diretamente envolvidos. Longe de ser segredo entre a sociedade local. Fontes policiais deste jornalista confidenciaram que câmeras públicas, nas ruas especialmente de La Paz, são apagadas para que não se dê com o paradeiro dos sequestradores e dos respectivos menores, ou as imagens que registraram os sequestros acabam apagadas.

A simples "venda" de menores para o tráfico, ou a direta prostituição de meninas gera cada vez mais lucro em um país completamente abandonado pelo Estado, onde são caso negativamente bastante particular sistemas públicos tais como de saúde, educação e segurança.

O que move a economia boliviana é a produção e o tráfico de drogas, de longe na liderança. Embora seja difícil quantificar, o lucro gerado pelo comércio de crianças, tanto para a prostituição quanto ao tráfico, ocupam certamente um dos primeiros lugares na economia do país sul-americano.

País onde mais de 80 por cento dos trabalhadores trabalham na informalidade, segundo dados do Estado (este número e desestimado: sem dúvidas, a realidade supera os 90 por cento visto que o governo continua emitindo dados semelhantes aos de 2016; após a pandemia do coronavírus, evidentemente a geração de empregos agravou-se, sendo impossível que a marca de trabalhadores informais hoje, no mesmo patamar). Neste contexto sombrio, mais e mais crianças bolivianas são forçadas pelos familiares a trabalhar.

Outro problema entre os bolivianos é o alto consumo de bebidas alcoólicas, situando o país entre os primeiros da América do Sul na ingestão deste tipo de bebida. Fator que, outrossim, certamente pesa contra este cenário de violência generalizada, é a milenar mastigação diaria - e por todo o dia na maioria dos casos - das folhas de coca nesta região: estudos científicos indicam que a folha pura da coca contém mais cocaína que a própria droga. Se não bastasse, muitos bolivianos a misturam com álcool e outros produtos que apenas intensificam seu poder maligno, transformando indíviduos em verdadeiras bombas ambulantes.

Sem Estado, Sem Futuro

Naturalmente cruel consequência disso tudo, é que crianças muito novas, desde os dois ou três anos já encontram-se altamente tensas, também praticando diversos tipos de violência na Bolívia.

E nem poderia ser de outra maneira: nas provas anuais do PISA (Programme for International Student Assessment), os estudantes bolivianos ocupam sempre as últimas posições das notas da Amõrica Latina, e atõ do mundo.

Para muitos meninos e meninas nas Américas, a vida é definida por duas palavras: medo e dor, afirmou certa vez Marta Santos País, Representante Especial da Secretaria Geral das Nações Unidas para a Violência contra Crianças (2009-2019). Nada poderia definir melhor o que significa ser criança na Bolívia. Milhões de futuros perdidos.

 

Edu Montesanti


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Edu Montesanti