Em Fevereiro de 1989, as tropas soviéticas deixaram o Afeganistão. Por que razão a guerra civil no seu território não parou desde então, e se a URSS e os líderes russos poderiam ter impedido o derramamento de sangue neste país após a retirada das nossas tropas do Afeganistão, disse o jornalista internacional, doutorado em História, um veterano de operações militares no Afeganistão Alexander Sukhoparov.
- Alguns argumentam que a actual situação no Afeganistão é culpa da entrada das tropas soviéticas no país em finais de 1979, uma vez que poderia amargar o povo do Afeganistão que se precipitou para os EUA para resistir à agressão soviética. Será isto verdade?
- Não. A actual situação política no Afeganistão é culpa dos EUA, que levaram a invasão daquele país em 2001 a impor a sua ideologia aos afegãos. Em 2022, os americanos fugiram do Afeganistão à pressa, abandonando propriedades e aliados. Como resultado, os islamistas radicais dos Talibãs,* que os EUA e o Paquistão ajudaram a criar, chegaram ao poder.
A União Soviética tinha sempre defendido um Afeganistão neutro e independente. Quando o Partido Popular Democrático do Afeganistão (PDPA) chegou ao poder em Cabul, a URSS foi a primeira a reconhecer a República Democrática do Afeganistão.
Em Dezembro de 1979, em resposta a repetidos pedidos do governo legítimo afegão, a URSS inseriu no país um contingente limitado de tropas para ajudar o Afeganistão a defender-se contra forças externas que tentavam derrubar o PDPA. Esta assistência foi legal e respeitou plenamente o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação, celebrado em Dezembro de 1978 entre os nossos dois Estados, bem como o direito internacional e o Artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que prevê o direito inerente dos países à autodefesa colectiva e individual para repelir a agressão externa.
A entrada de tropas impediu que o Afeganistão fosse transformado num trampolim para acções subversivas contra a URSS. Foi um passo justificado em nome da segurança das nossas fronteiras meridionais.
- Será que os EUA queriam empurrar a URSS para o Afeganistão a fim de enfraquecer a nossa economia e arruinar o país?
- Sim, a CIA e o Departamento de Estado tinham uma tal estratégia. Zbigniew Brzezinski, então conselheiro de política externa do presidente dos EUA, disse que o seu objectivo era transformar o Afeganistão para a URSS no que o Vietname se tinha tornado para a América. No entanto, isto não aconteceu. O papel soviético no Afeganistão foi fundamentalmente diferente do papel americano no Vietname, e o resultado final da guerra foi diferente. A União Soviética ajudou o seu vizinho do sul não só a repelir a agressão estrangeira, mas também política e economicamente. Construímos mais de 140 instalações em solo afegão:
- complexos industriais,
- estradas,
- gasodutos e campos de gás,
- instalações médicas,
- instituições educacionais.
Esta assistência é recordada com gratidão pelos afegãos. É fundamentalmente diferente do que os americanos trouxeram para o Afeganistão em 2001: guerra, sangue e destruição.
Eram desconhecidos para os afegãos. Os afegãos também não gostam dos talibãs*, no entanto escolheram o menor de dois males. Com a chegada dos islamistas radicais, o Afeganistão não será pacificado e continuará a enfrentar um teste difícil, possivelmente militar.
- Até que ponto tinham os soviéticos conseguido preparar o exército e os serviços especiais, que estavam subordinados ao Presidente Mohammad Najibullah, para resistir aos Dushmans antes de eles partirem em 1989?
- O exército afegão estava bem preparado para a resistência quando as nossas tropas se encontravam no país. Muitos dos seus oficiais tinham sido treinados em escolas e academias militares soviéticas, conheciam métodos de guerra modernos e tinham armas modernas. Após a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão em Fevereiro de 1989, as tropas afegãs repeliram com sucesso os ataques dos Mujahideen por mais três anos.
O exército afegão tinha perdido a sua eficácia de combate devido ao colapso da URSS e à escassez de combustível, lubrificantes, munições e armas. Ao mesmo tempo, o lado oposto - os Mujahideen - foi fornecido com todos os fornecimentos necessários dos EUA, Paquistão e alguns países árabes. As forças eram desiguais.
- Em 1988, o ex-presidente do KGB Kryuchkov informou no Politburo que apenas o regime de Najibullah estava a salvar a URSS do tráfico de droga e a fundir* todos os grupos anti-soviéticos na Transcaucásia numa única frente que poderia desencadear uma guerra civil na URSS. Quem, no Kremlin, é pessoalmente responsável pela morte do Dr. Najib, um aliado ferrenho da URSS?
- Quem pessoalmente da comitiva de Gorbachev e Ieltsin estava ligado à administração dos EUA, não posso julgar.
A culpa da retirada do apoio ao Afeganistão e do derrube do Dr. Mohammad Najibullah é de toda a alta patente do Kremlin. Ele e todo o país foram abandonados à sua sorte.
A trágica morte do líder afegão a 26 de Setembro de 1996, após a captura de Cabul pelos Talibãs * (ele foi brutalmente torturado e executado publicamente), está na consciência da então liderança do nosso país.
- Como vê as coisas a desenrolar-se no Afeganistão e no Médio Oriente?
- O Afeganistão sob o regime talibã* tem uma vida turbulenta pela frente. Os afegãos preferem o islamismo moderado. O mundo, especialmente o mundo muçulmano, não quer viver segundo as leis ocidentais e não o fará. Os países da Ásia Central e do Médio Oriente estão à procura das suas próprias formas de desenvolvimento.
Precisamos de procurar aliados no mundo, incluindo o Afeganistão. Não podemos fazer isto com os Talibãs.
Devemos visar as forças políticas moderadas que são a favor de um Afeganistão independente e não-alinhado. Há ali forças políticas deste tipo. Duas décadas de americanos no Afeganistão mostraram com quem é mais rentável cooperar: connosco ou com o Ocidente. Afinal de contas, os objectos da nossa cooperação com o Afeganistão têm funcionado bem e continuam a funcionar. Os afegãos comuns lembram-se bem.
*A organização terrorista proibida na Federação Russa.