Nos efervescentes dias de novembro de 2019, quando Evo foi derrubado e Áñez acabava de assumir o poder interino, jornalistas argentinos estavam sendo ameaçados. Segundo fontes exclusivas, confirmadas pelos fatos em seguida, o que não tem sido contado: Camacho esteva por trás das ameaças
Por Edu Montesanti
Policiais argentinos desembarcaram na Bolívia em 14 de novembro de 2019, para resguardar jornalistas de sua nacionalidade e levá-los de volta à Argentina dois dias depois, de acordo com vídeo do sítio Urgente 24 divulgado em 17 de julho passado.
Na época, sob cenário de elevada tensão e assassinatos em todo o país andino, jornalistas argentinos de vários meios de comunicação estavam sendo seriamente ameaçados pelos oponentes de Evo Morales, que, apoiados pelo regime de Washington, por Bolsonaro e Macri, estavam derrocando o então recentemente reeleito presidente da Bolívia (a que pese a inconstitucionalidade de sua candidatura, pela quarta vez).
“A lei será totalmente aplicada contra jornalistas ou pseudo-jornalistas sediciosos. Quer sejam nacionais ou estrangeiros”, disse Roxana Lizarraga, ministra das Comunicações da presidente interina Jeanine Áñez em 14 de julho, dois dias depois de Áñez ter assumido o poder.
Enquanto o governo provisório de Áñez acusava abertamente os jornalistas argentinos de praticar "sedição", eles se refugiaram na Embaixada da Argentina em La Paz.
“Somos refugiados na Embaixada argentina, o coitado do embaixador não sabe o que vai acontecer”, disse então um dos jornalistas ali protegidos, Rolando García.
Camacho versus Mariano García da Telefe
Mariano García, da Telefe, esteva entre os jornalistas salvos pela missão especial argentina. Dois dias antes da chegada dos policiais argentinos a solo boliviano para o resguardo, García entrevistou o líder oponente Luis Fernando Camacho, fazendo perguntas incisivas ao agora governador de Santa Cruz.
Em claro apuro, Camacho, pronunciando profundas mentiras sobre o cenário nacional, não respondeu a algumas dessas perguntas; apenas reagiu agressivamente ao jornalista, que ousou até contradizê-lo - educada e jornalisticamente, contudo de modo contundente.
O que não tem sido publicado atualmente, é que o próprio Camacho ordenou a seus apoiantes de La Paz que monitorassem Mariano García, conforme publicado à época em Pravda Brasil.
Tal informação foi confidenciada a este autor em uma longa conversa no dia seguinte à entrevista, 13 de julho na Praça 24 de setembro da cidade de Santa Cruz de la Sierra, por três membros do movimento de extrema direita Unión Juvenil Cruceñista (UJC) que não sabiam que este repórter, com quem conversavam, era jornalista [quando se inteiraram do ofício deste que escreve, o desconforto foi visível como já reportado em Pravda Brasil (ibidem)].
“Camacho ordenou manter o jornalista da Telefe sob vigilância”, disseram os ativistas da UCJ na praça central de Santa Cruz.
Camacho foi vice-presidente do UJC anos atrás (2002-2004), e o movimento trabalhou intimamente com ele nos 21 efervescentes dias que depuseram Evo Morales da presidência boliviana.
Seus membros, orientados por Camacho, lideraram os bloqueios das ruas de Santa Cruz de la Sierra naquela época, decisivos para derrubar Evo Morales.
A UJC já foi considerada movimento fascista pela Embaixada dos Estados Unidos na Bolívia, e por organizações internacionais.
Quando os ativistas da UCJ revelaram, em off, que Camacho passou a monitorar Mariano García por conta da entrevista da noite anterior, provavelmente nem mesmo o jornalista argentino tinha consciencia de que isso estava ocorrendo.
Gravemente ameaçados
No dia seguinte às confidências dos membros da UCJ, jornalistas da Telefe foram gravemente ameaçados na porta do hotel onde se hospedavam em La Paz, tendo sido evacuados para a Embaixada de seu país logo ems eguida. Quatro dias depois, eles foram forçados a deixar dramaticamente a Bolívia.
O bilionário Camacho estava literalmente "mandando" na Bolívia naqueles dias. Fontes policiais revelaram a este jornalista, poucos meses mais tarde, que o agora governador cruzenho havia subornado a polícia boliviana para que se retirasse das ruas.
Em seus quarteis, furtaram-se do dever constitucional de manter a ordem e garantir a segurança dos cidadãos. O que permitiu que os bloqueios continuassem por todo o país andino, e Evo Morales fosse derrocado.
Posteriormente um vídeo acabaria vindo à tona, em que Camacho conversava com amigos confessando que, com seu pai, havia subornado policiais e as Forças Armadas bolivianas durante os conturbados dias de outubro e novembro de 2019.