Novo Coronavírus, "Várias Lições Importantes e Vitais": Entrevista com Chomsky
Mais de 84 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo, quase 2 milhões de mortos até agora: excessivo uso político da pandemia em todos os lugares - e lucro financeiro -, enquanto a humanidade deveria estar refletindo, debatendo amplamente acerca das lições práticas a serem aprendidas com os difíceis tempos atuais que o mundo está enfrentando.
Solidariedade, prevenção, mais atenção à ciência (começando pelos jornalistas), liderança voltada ao interesse público, menos poder às grandes corporações financeiras: temas que o mundo tem se esquecido à medida que a nova cepa do vírus se espalha pelo globo - e mais eleições acumulam-se mundo afora diante das ferozes, velhas disputas pelo poder -, ou ao menos as sociedades globais não tem dado a devida importância.
Negligência que, certamente, custará um alto preço, no futuro próximo, à espécie humana - de novo.
Linguista, cientista cognitivo, sociólogo, cientista político, historiador, filósofo e escritor, o professor doutor Noam Chomsky, "indiscutivelmente o intelectual vivo mais importante hoje", segundo The New York Times, junta-se exclusivamente a Pravda Brasil, mais uma vez em tão gentil entrevista a Edu Montesanti, correspondente brasileiro de Pravda na América do Sul.
Analista mais respeitado de nossa geração, autor de mais de cem livros, a pessoa mais citada depois da Bíblia e de Shakespeare e chamado de "o pai da lingüística moderna", a seguir falando ao jornalista brasileiro, o doutor Chomsky aponta alternativas urgentes ao sistema mundial de sua residência em Tucson, Arizona, onde fica em quarentena com sua esposa brasileira Valeria.
O doutor Chomsky tem sido, como sempre, autoridade singular ao comentar o novo coronavírus a vários meios de comunicação em todo o planeta.
Uma das poucas vozes sóbrias em um mundo polarizado, paranoico e egoísta, fala abaixo sobre as lições a serem aprendidas com o novo coronavírus, e suas trágicas consequências. Em tempos que deveriam ser de muita reflexão para todos, em todos os lugares.
Edu Montesanti: Professor doutor Noam Chomsky, antes de mais nada eu gostaria de agradecer-lhe imensamente pela indescritível oportunidade de entrevistá-lo, embora não encontre palavras para expressar minha gratidão e o que uma entrevista com o senhor significa para mim.
Que lições o novo coronavírus deixará para a humanidade?
Professor doutor Noam Chomsky: Existem várias lições importantes, algumas delas, vitais agora. Essa pandemia poderia ter sido evitada se a liderança política e o público em geral tivessem ouvido os conselhos dos cientistas depois que a epidemia de SARS foi contida em 2003. Eles não o fizeram.
O conhecimento e a capacidade de usá-lo estiveram lá, mas a vontade de empregá-los não. A indústria farmacêutica, repleta de riquezas, não se interessou. Sua preocupação é o lucro amanhã, não o bem comum.
Os governos têm os recursos científicos e financeiros, mas são prejudicados pelo dogma neoliberal de que decisões e planos devem ser transferidos para o poder privado que se recusa a prestar contas. Quase nada foi feito.
Agora enfrentamos questões semelhantes. Ouvimos muitos dos mesmos avisos e conselhos de cientistas que ouvimos em 2003. As mesmas barreiras institucionais estão no caminho de evitar a próxima, e muito provavelmente mais grave, pandemia.
Temos o conhecimento e a capacidade. Se as lições forem aprendidas, podemos evitar mais catástrofes.
Até que ponto, o senhor acredita, os seres humanos como um todo aprenderão essas lições?
Realista, observando a realidade, eu daria uma resposta sombria. Mas devemos nos guiar pelo que Gramsci chamou de "o otimismo da vontade".
Quais países você destacaria no combate ao coronavírus e, em caso afirmativo, que aprendem hoje as lições que o senhor apontou anteriormente?
A Ásia e a Oceania em geral se saíram muito bem, em alguns casos de forma espetacular. O Vietnã, com uma longa fronteira com o Sul da China, praticamente não teve casos positivos. Vários países africanos reagiram com rapidez e eficiência.
Alguns países, sob uma liderança que combina malevolência e incompetência, estão sofrendo muito e desnecessariamente. Os dois principais países do hemisfério ocidental, os EUA e o Brasil, são excelentes exemplos disso.
Já foi dito por alguns ao redor do mundo que o novo coronavírus representa a pior pandemia da história humana: o senhor concorda com essa visão, professor doutor Chomsky?
É ruim, mas nem de longe tão ruim quanto a "gripe espanhola" de 1918 que, na verdade, originou-se no Kansas [meio-oeste dos Estados Unidos] e espalhou-se pela Europa por soldados americanos, e depois além.
Pelo menos 50 milhões de mortes, em uma população mundial muito menor.