Estado Policialesco: Guerra Interna dos EUA contra os Negros
Os EUA foram fundados sobre a cultura da violência, que não pode ser dissociada do racismo. "Um país raro, em guerra quase todos os anos desde o primeiro dia da fundação", diz Chomsky em entrevista exclusiva a Edu Montesanti
Edu Montesanti, originalmente em inglês em Pravda Report
As mais ferozes guerras dos Estados Unidos começam, historicamente, contra a sociedade local. Especialmente índios e negros. Guerras sangrentas que nem os livros de história nem a mídia contam ao público. Contudo, são anteriores à fundação dos Estados Unidos da América: o genocídio norte-americano remonta aos dias das Treze Colônias Britânicas.
Segundo o analista renomado mundialmente, ativista anti-guerra e dissidente político Noam Chomsky, em entrevista exclusiva a este jornalista, o denominado excepcionalismo americano está profundamente enraizado na cultura nacional, o que explica a violência e o racismo cada vez mais excessivos nos EUA.
"O excepcionalismo americano, invariavelmente, causa impacto na cultura americana", observa o sociólogo, filósofo, cientista cognitivo americano, "pai da linguística moderna".
Nos Estados Unidos da América os pobres e os negros, inimigos a serem combatidos. Quanto aos índios, mal são mencionados mesmo como vítimas, pois não resta quase mais nada deles na "Terra da Igualdade".
"Genocídio de nativos americanos, escravização e brutalização de milhões de pessoas de ascendência africana, exploração de centenas de milhões de trabalhadores de todas as raças e etnias, discriminação contra mulheres e não-brancos de todos os sexos... mesmo assim, os americanos se apegaram obstinadamente à crença de que nossa sociedade é 'excepcional', aponta para este relatório o historiador americano Peter Kuznick.
"Os americanos sempre se orgulharam de ser 'excepcionais'", diz ele.
Exportando Violência para Estados 'Vassalos'
Discriminação e violência institucionalizadas, "política" exportada aos "estados-satélites" dos EUA declara especialmente em seu "quintal", isto é, a América Latina. Bem-vinda pelas elites locais, fantoches históricas de Tio Sam.
Velho Filme 'Made in USA'
Mais recentemente, relacionado ao brutal assassinato do cidadão negro George Floyd por quatro policiais brancos em Minneapolis (Minnesota), em 25 de maio, filmado por uma das câmeras acopladas aos policiais envolvidos, que girou - e escandalizou - o mundo todo. Racismo estrutural, violência institucionalizada, silêncio estrondoso e conivente. Velho filme made in USA.
"Quando toda a humanidade pode olhar para aquele vídeo e dizer: 'Isso é repugnante, isso é inaceitável', e, de alguma forma, o fato termos quatro oficiais no vídeo que - três dos quais sentados lá ajudarando a manter o senhor Floyd abaixado, ou ficaram de guarda no incidente enquanto aquilo acontecia, trata-se de um insulto incrível à humanidade", disse Melvin Carter, prefeito de St. Paul, Minnesota ao The New York Times.
"Quando você tem quatro policiais no vídeo, todos responsáveis pela morte de George Floyd, isso aponta para uma cultura normalizada, uma cultura que é aceita", disse o prefeito Carter, cujo pai é policial aposentado de St. Paul, rejeitando o conceito de que a morte de Floyd foi um incidente isolado, ou obra de um oficial desonesto.
Kuznick observa que mesmo antes do que ele qualifica de "doentia e insensível execução policial de George Floyd, em plena luz do dia diante de uma multidão de espectadores frenéticos", a sociedade americana era uma caixa de estopa pronta para explodir.
"Bem mais de 100 mil pessoas já haviam morrido de Covid-19. Mais de 40 milhões haviam perdido o emprego nas últimas semanas. Desespero e frustração estavam aumentando. E então, a ocorrência de Minneapolis acendeu a chama e Donald Trump, com seus pedidos insanos de violência, lei e ordem, derramou gasolina sobre o fogo", lamenta o diretor de Estudos Nucleares da Universidade Americana de Washington D.C.
A pandemia causada pelo novo coronavírus tem sido catastrofica para os afro-americanos. Os negros são muito mais propensos do que os brancos a não ter seguro de saúde: 12,2% sem seguro contra 7,8% em 2018. Acima de tudo, porque eles têm mais problemas crônicos de saúde que tornam as pessoas vulneráveis à doença.
Recente estudo da Health Affairs concluiu que os pacientes negros têm sido hospitalizados quase três vezes acima da taxa de pacientes brancos e hispânicos. Somente na cidade de Nova York, o coronavírus está matando negros e latinos o dobro da taxa comparada a cidadãos brancos, segundo dados divulgados pela cidade em abril.
Embora os negros constituam seis por cento da população adulta dos EUA, são aproximadamente 35 por cento da população prisional, e os réus negros em casos criminais federais recebem sentenças de prisão muito mais longas que homens brancos, de acordo com um estudo da Universidade de Michigan de 2014 intitulado Racial Disparity in Federal Criminal Sentences (Desigualdade Racial em Sentenças Penais Federais).
"Um em cada cinco americanos interage com a polícia anualmente. Desses encontros, um milhão resulta no uso da força. E se você é negro, tem duas a quatro vezes mais chances de ser abordado pelo uso da força que se for branco", diz um estudo do Center for Policing Equity.
De acordo com a Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (National Association for the Advancement of Colored People, NAACP),o s americanos negros são:
Tudo isso, à medida que a polícia dos EUA continua reprimindo ferozmente os manifestantes em todo o país: desde o assassinato de Floyd sob custódia policial, há dois meses, os manifestantes pacíficos foram gravemente feridos, presos e mortos injustificadamente. Outrossim, antigo movimento autoritário das forças do Estado americano.
'Excepcionalismo' Americano
Em entrevista exclusiva a esta reportagem, Chomsky aponta o "excepcionalismo" como marca da sociedade americana, que criou e agrava um círculo vicioso de racismo e violência em todo o país norte-americano.
"Apesar de livre e progressiva em muitos aspectos, a cultura e a sociedade americanas não apagaram essas manchas profundas, como é óbvio no comportamento internacional e nos assuntos domésticos", diz Chomsky, a principal figura da filosofia analítica da história mundial.
"É claro que não é assim que a história e a sociedade norte-americanas costumam ser retratadas no sistema educacional, na mídia e nas instituições culturais", afirma o professor de Linguística da Universidade do Arizona na cidade de Tucson, onde mora com a esposa brasileira Valéria, desfazendo assim o mito dos EUA como um país fundado nos princípios de liberdade e justiça para todos.
"O povo americano aprende que os EUA são excepcionais desde o momento em que são capazes de caminhar e conversar", diz Kuznick.
"Eles aprendem isso nas escolas. Eles veem isso na televisão e nos filmes. Isso é inquestionável no discurso político americano. Cega-os de ver o mundo da mesma maneira que outros cidadãos do planeta Terra" acrescenta o historiador, co-autor com o cineasta Oliver Stone de A História Não Contada dos Estados Unidos, e co-líder de Covid-19 Global Solidarity Coalition.
Kuznick também aponta para a dessensibilização em relação a outros povos que a noção de ser "excepcional" provoca na sociedade americana.
"O fato, por exemplo, de que os EUA estão bombardeando pelo menos sete países de maioria muçulmana quase não causa alvoroço. Os EUA têm um império de aproximadamente 800 bases militares no exterior, enquanto o resto do mundo combinado, amigos e inimigos, tem menos de 100 pela definição mais abrangente, não é questionado," lamenta um dos historiadores mais renomados do mundo.
O historiador com residência na cidade de Bethesda, estado de Maryland, remonta a cerca de 400 anos atrás para explicar as origens do "excepcionalismo" americano:
O pesquisador da Universidade Americana observa que o "excepcionalismo" americano expressa-se na noção de que os Estados Unidos não são apenas diferentes de outras nações: "São melhores do que outras nações".
"Enquanto outros países são motivados pela ganância, pelo engrandecimento territorial ou pelo domínio geopolítico, os EUA, eles acreditam, é benevolente e altruísta apenas almejando espalhar liberdade e democracia", acrescenta Kuznick, apontando também que essa visão prevaleceu por séculos "ganhando ainda mais adeptos durante a Guerra Fria, e nos anos subsequentes," conclui o pesquisador.
Imbecis Graduados
Em relação aos sofrimentos dos afro-americanos, bem como sobre o genocídio dos nativos americanos, Chomsky também apontou o que chama de "ignorância intencional" a fim de evitar "verdades inconvenientes", em entrevista concedida a George Yancy para The New York Times, em 2015.
Fundação dos EUA
Chomsky, na entrevista a Yancy, apontou que em 1629 a Colônia da Baía de Massachusetts praticou o primeiro caso de "intervenção humanitária" no mundo, declarando que a conversão dos índios ao cristianismo era "o principal objetivo desta plantação".
A religião seria usada, desde então, como ferramenta para manipular a opinião pública e justificativa para exportar o imperialismo dos EUA, do século XIX até os dias de hoje.
William Branham (1909-1965), teólogo protestante que inspirou o "presidente da guerra" George W. Bush - como ele se denominava -, foi o idealista da imposição dos valores dos EUA em todo o mundo "através do poder da espada" para, de acordo com sua "doutrina", salvar o planeta do mal com o American Way of Life (Estilo de Vida Americano). Eis o fundamento do "excepcionalismo" americano.
A organização americana de extrema-direita Ku Klux Klan, que prega a supremacia branca, também baseia-se na religião - sob premissas evangélicas - para realizar seu "terrorismo cristão", especialmente contra os negros.
'Escravidão com Outro Nome'
Peter Kuznick remonta às Colônias Britânicas na América para explicar o racismo e a violência resultante contra os negros, "desde que os primeiros escravos foram trazidos para a América".
"Pode-se até rastrear o comércio de escravos americano de volta a Columbus e as origens dos brutais Conquista européia das Américas".
A mensagem de igualdade "entre os homens (...), com certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade" contida na Declaração de Independência dos EUA de 1787, trata-se de um conjunto de letras mortas utilizada nada mais que como negação ideológica radical de suas estruturas raciais. Um dos vários mitos americanos criados ao longo da historia. Neste caso, base (de areia) da "América livre". Fato claramente visto através da violência policial racista - racismo inerente à instituição do policiamento nos EUA.
Uma amarga ironia relacionada à Declaração, é que ela protegia diretamente a escravidão proibindo a abolição do tráfico de escravos antes de 1808.
Chomsky acrescenta: "Em 1980, com Reagan, um novo programa de criminalização começou, chegando ao presente".
Guerra contra a Pobreza
País da Guerra
Dada a violência doméstica estimulada pela mídia, aliada aos terríveis exemplos de truculência e autoritarismo de política externa americana que impõe seus interesses através do uso da força sem limites por todo o planeta, conclui-se naturalmente que a polícia americana e a sociedade em geral não poderiam ser diferentes do que o mundo assiste, cada vez, mais dramaticamente: tiroteios sem fim, e um genocídio histórico institucionalizado contra pessoas não brancas no "País da Liberdade".
'Bandido na Casa Branca'
"Bandido na Casa Branca", disse abertamente a Amy o analista que representa "uma das 10 fontes mais citadas nas ciências humanas - junto com Shakespeare e a Bíblia", segundo o jornal britânico The Guardian.
Bandido-chefe que siplesmente alimenta as chamas do fogo nacional que se seguiu ao assassinato de Floyd.
Ventos da mudança?
Eric Wood disse à BBC: "Estou aqui porque não podia mesmo dar-me ao luxo de não estar presente. O racismo faz parte dos EUA há muito tempo".
Questionado por esta reportagem se acredita que os protestos atuais são realmente pela violência policial contra afro-americanos, o agente denunciatnte da C.I.A. John Kiriakou acredita firmemente que sim.
"A polícia não vê vidas negras da mesma meneira que enxerga aos brancos. A polícia usa táticas ilegais e fascistas, matando pessoas negras o tempo todo impunemente. Isso tem que acabar", observa o denunciante, amplamente premiado nos EUA pelo corajoso ativismo como oficial de inteligência em prol da transparência, justiça e democracia.
Sobre a Antifa, Kiriakou afirma que o movimento praticamente não existe. "É apenas um grupo de indivíduos sem liderança, sem estrutura e sem ideologia. Foi a direita que transformou isso em um grande negócio."
Envolvido diretamente na conversa com esta reportagem, Kuznick concorda com Kiriakou. "Trump e os direitistas inventaram a Antifa para levantar o receio de uma anarquia, a fim de justificar a repressão. O que está ocorrendo aqui [protestos] é notavelmente positivo. Não se pode enganar a mídia de direita".
"Donald Trump, fanático impenitente e candidato a durão, fez tudo o que pôde para semear divisões na sociedade sobre as linhas raciais e explorou esta crise atual a fim de melhorar as chances de reeleição", diz o historiador americano de renome mundial.
Questionado se as atuais revoltas nos EUA vão enfraquecer Donald Trump para a eleição presidencial de novembro, Chomsky diz que espera, mas não é óbvio.
"Ele pode, de fato, usar os protestos atuais sobre o assassinato policial de George Floyd a seu favor, jogando a carta de ordem e lei que é uma segunda natureza para os autoritários brutais", considera o intelectual.
"Ele mantém o apoio de seu círculo eleitoral primário, a extrema riqueza e o poder corporativo a quem serviu lealmente. Também, o apoio de um enorme bloco de votos de cristãos evangélicos, junto com brancos rurais e suburbanos relativamente ricos, supremacistas brancos e alguns outros setores com quem ele lidou com o brilho de um homem de confiança qualificado - apunhalando-os pelas costas com seus programas legislativos, enquanto se apresenta como seu fiel salvador."
Um caminho rumo ao pagamento da grande dívida dos EUA com os negros. Afinal, não pode existir democracia em um país que não enfrenta racismo, violência policial e um sistema de justiça tendencioso.
"A semente do racismo está fortemente arraigada ao coração da maioria dos brancos americanos desde o início do País. Essa semente do racismo enraizou-se tão profundamente no subconsciente de muitos brancos americanos, que eles próprios nem sequer sabem da sua existência que podem, contudo, ser facilmente detectados em seus pensamentos, palavras e ações.
"A consciência dos EUA está falida. O País perdeu toda a consciência há muito tempo. Tio Sam não tem consciência. Eles não sabem o que é moral. Eles não tentam eliminar um mal porque é mau, ou porque é ilegal, ou porque é imoral; eles o eliminam apenas quando isso ameaça sua existência. Assim, perde-se tempo apelando para a consciência moral de um homem falido como Tio Sam. Se ele tivesse consciência, endireitaria essa situacaoção sem exercer mais pressão sobre ela." Malcolm X
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George W. Bush: 9/11 made me a 'wartime' president
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