Brasil: Prisões do Pará
Segundo os advogados, há mais de 100 vídeos com relatos de torturas. As vistorias também foram proibidas. Entretanto, a Ordem dos Advogados do Brasil recorreu e conseguiu a suspensão provisória da medida.
O Ministério Público Federal afastou do cargo o responsável pela Força de Intervenção Penitenciária, após denúncias de tortura nos presídios do Pará; no entanto, a Justiça afastou os advogados das cadeias e só revogou a medida de forma provisória Créditos/ metropoles.com
Os relatos de tortura em presídios do Pará (Norte do Brasil) levaram o Ministério Público Federal (MPF) a pedir o afastamento do coordenador da Força de Intervenção Penitenciária (FTIP), Maycon Cesar Rottava, que se tornou réu numa acção por «improbidade administrativa», que aponta para tortura, maus-tratos e abuso de autoridade nos estabelecimentos prisionais que estão sob intervenção federal, informa o portal Brasil de Fato.
O governo paraense não só negou as acusações, como solicitou à Justiça, com êxito, a proibição de entrada dos membros da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB/PA) nos presídios do estado por um período de 30 dias, a contar desde 2 de Outubro. No entanto, na sexta-feira, a proibição foi suspensa provisoriamente, após recurso interposto pela Ordem.
Os advogados da instituição encararam a medida como um retrocesso. Para o presidente da OAB/PA, Alberto Campos, o que está em jogo é o estado de excepção implantado no sistema penitenciário do Pará. «Um dos primeiros actos dos anos de chumbo [da ditadura militar], qual foi? Foi a suspensão do habeas corpus. Qual é o primeiro acto desse superintendente ao editar as portarias? É afastar a advocacia de dentro do presídio. É isso que eles querem», frisou, em declarações ao Brasil de Fato.
Múltiplas denúncias contra a Força de Intervenção
As denúncias contra a actuação da Força de Intervenção Penitenciária (FTIP) no Pará são muitas. De acordo com os advogados da OAB, foram reunidos mais de 100 vídeos com relatos torturas. A FTIP intervém no estado desde o massacre ocorrido no Centro de Recuperação de Altamira, no Sudeste do Pará, no qual morreram 58 pessoas, no final de Julho. Então, houve presos que passaram uma semana usando apenas cuecas, sendo privados de higiene e comida, e sendo submetidos a espancamentos, refere a fonte.
O governo estadual mantém o mesmo posicionamento desde o início das denúncias: nega as torturas e reafirma o apoio total à Força de Intervenção Penitenciária, cuja intervenção no Pará se deve prolongar até dia 27 deste mês.
Fazer a sociedade aceitar a crueldade como normal
Apesar de afastado do cargo de coordenador da FTIP, Maycon Rottava acompanhou o ministro brasileiro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e a comitiva do governador Helder Barbalho numa visita ao Complexo Penitenciário de Santa Izabel, na Região Metropolitana de Belém, capital do Pará, na segunda-feira passada.
José Maria Vieira, advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA, entende que as movimentações da parte dos governos estadual e federal «seguem não só no sentido de desconstruir a tortura, mas de fazer com que a sociedade aceite que a crueldade é normal».
Ao Brasil de Fato, Vieira afirmou que «houve uma mudança na chave», uma vez que aquilo que o Estado está a fazer é dizer que «o uso da violência» é «normal, que isso tem que ser banalizado». «Se você conversar com esses agentes, esses superintendentes, o ministro [...], eles acreditam piamente que o que estão a fazer não é tortura. Eles estão, simplesmente, banalizando, simplificando a violência, a barbárie», denuncia.
Vistorias também suspensas
Além da proibição da entrada dos advogados - medida provisoriamente sem efeito -, também foram suspensas as vistorias nas centros de detenção paraenses, revela o Brasil de Fato, acrescentando que as denúncias que serviram de base ao documento do MPF foram feitas tendo em conta vistorias realizadas pelo Conselho Penitenciário do Estado em centros de recuperação e numa cadeia pública na Região Metropolitana de Belém. Após as denúncias, a OAB/PA avançou com medidas para poder garantir os direitos dos presos.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos do órgão e do Conselho Penitenciário do Estado do Pará, Juliana Fonteles afirma que o afastamento de Maycon Rottava da coordenação da FTIP «marca o início de um processo de justiça», mas que a restrição imposta aos advogados «apenas reforça o facto de que as torturas continuam».
A advogada afirma ainda que a crise no sistema prisional não é exclusiva do Pará; adverte, no entanto, que «as iniciativas dos governos estadual e federal tornam a situação paraense muito mais preocupante».
Crise no sistema já existia, mas, com o governo Bolsonaro e desde a entrada da Força de Intervenção Federal, «a situação tornou-se crítica e dramática», alerta. «São centenas de presos lesionados, feridos, dormindo na pedra, sem toalhas, sem lençóis, com padrão de lesão, [...] os vídeos e as fotos por si só falam», denuncia.
https://www.abrilabril.pt/internacional/apos-denuncias-de-tortura-justica-proibiu-advogados-de-entrar-nas-prisoes-do-para
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