1819 - 2019, Duzentos anos de independência sem identidade e de identidade sem independência

1819 - 2019, Duzentos anos de independência sem identidade e de identidade sem independência

Autor:

Pablo Catatumbo

Ao celebrar estas efemérides, se poderia dizer que o movimento de Independência das colônias Ibero-americanas, iniciado no Haiti em inícios da primeira década do século XIX, por sua importância histórica só é equiparável à gesta pela Independência dos Estados Unidos. Pela envergadura da mobilização que desencadeou, se poderia cotejar com a rebelião encabeçada por Espártaco e seus gladiadores contra o império romano e, por sua magnitude, só pode ser comparável à revolução anticolonial de África e Ásia no século XIX.

Não obstante, um grande historiador chileno, Luis Vitale, assinalando suas limitações, escreveu:

"A revolução latino-americana pela independência não foi uma revolução social como a francesa, pois não produziu mudanças de estrutura, porém cumpriu uma das tarefas da revolução democrática: a da independência política formal.

Porém, ainda sendo assim, segue dizendo Vitale, este fato não lhe tira sua transcendência.

O fato de que essa libertação nacional resultasse frustrada pelos laços de dependência que logo se anexaram com as metrópoles europeias não deve nos levar a subestimar a importância desse grande movimento anticolonial de uma envergadura nunca antes conhecida na história universal,

enquanto fenômeno massivo de autodeterminação dos povos".

Sem sombra de dúvidas, é um fato inquestionável que as mentes mais avançadas entre os filhos de espanhóis nascidos na América se apropriaram imediatamente das ideias políticas do Enciclopedismo e da Ilustração, o que posteriormente abriu as portas à nossa emancipação.

Foi a constatação deste acontecimento o que levou o historiador colombiano Milton Puentes a qualificar Bolívar como o "pai das esquerdas liberais latino-americanas".

Porém, encontrar este caminho não foi tarefa fácil nem isenta de dificuldades.

Logo depois de alcançada a independência muitos dos patriotas que enfrentaram com grande valentia a posse do território por parte da metrópole, curiosamente, conservaram intacta a mentalidade do invasor espanhol e perpetuaram, consequentemente, a vigência do vice-reinado num solo que continuou sendo subjugado por caudilhos, muitos dos quais se consideravam de melhor família que os verdadeiros nativos deste continente, os indígenas, os mestiços e, obviamente, os negros, trazidos da África como escravos.

É um fato que alguns dos crioulos que ascenderam ao poder quando os ex-colonizadores espanhóis tomaram as de Villadiego consumaram seu desarraigamento ao se comportarem depois como irmãos presumidos e desdenhosos de seus conterrâneos. Se consideravam europeus sendo americanos. Desprezavam e desconheciam a importância reformadora do autóctone.

Proclamavam para eles os direitos adquiridos, porém cuidavam de negá-los àqueles que não pertenciam a sua classe. Atitude que os levaria à arrogância com sua própria gente e à vassalagem com o estrangeiro. Nos transformamos então num país de pseudo autocratas e outra vez falhamos em encontrar a autenticidade.

Tão perdidos andavam alguns de nossos próceres em encontrar o caminho que mais tarde, sim, encontraria o libertador Simón Bolívar, que Camilo Torres Tenorio, renomado mártir de nossa independência, escreveu no famoso Memorial de Agravios:

"Tão espanhóis somos como os descendentes de Don Pelayo, e tão dignos, por esta razão, às distinções, privilégios e prerrogativas do resto da nação, como os que, saídos das montanhas, expeliram aos mouros". Se sentia tão espanhol como os Castilla.

Bolívar, certamente, não só não compartia destes devaneios como também mais adiante haveria de alertar em sua célebre Carta de Jamaica: Os americanos, "Não somos índios nem europeus, senão que uma espécie intermediária entre os legítimos proprietários do país e os usurpadores espanhóis".

É bem provável que esta dolorosa circunstância tenha sido uma das causas de que nossa Independência tivesse características tão especiais para ter chegado AO PARADOXO DE PROCLAMAR A INDEPENDÊNCIA SEM TER ACEESSADO AINDA À AUTONOMIA.

Na realidade, os conflitos que, de imediato, começaram a surgir entre governantes e governados da nova república não eram mais que a expressão das profundas diferenças existentes entre "uma independência sem identidade e

uma identidade sem independência", no dizer do historiador Marcelo Velarde Cañazares.

É verdade, essa República Senhorial e fazendária, a cuja DESCRIÇÃO E características o grande professor Antonio García Nosa dedicou memoráveis páginas, começou a se gestar desde os prematuros tempos da pátria chocha.]

Com o correr do tempo essa predileção enfermiça pela propriedade territorial resultou em meio rentista no qual, tradicionalmente, os senhores da terra foram desde sempre ávidos acumuladores da terra fértil: se acostumaram a empregar um mínimo de mão de obra, ao tempo em que asseguravam a valorização, quase sempre improdutiva, de seus latifúndios.

Dentro desta ordem de interesses se nos impôs um modelo vigente até hoje, que dá um impulso decidido à chamada pecuária extensiva e a alguns cultivos que não estão diretamente encaminhados à produção de alimentos.

Sem sombra de dúvidas, são estas as circunstâncias, as origens de um dos piores males que a Colômbia arrasta desde seu nascimento como república: o aberrante índice de concentração da propriedade da terra e obviamente sua subutilização.

Eis aí a origem do porque todos os intentos de Reforma Agrária ensaiados por governos que intentaram realizar algumas reformas, desde Tomás Cipriano de Mosquera, Alfonso López Pumarejo e os Lleras, resultaram sendo desvirtuados por contrarreformas inverossímeis, cujo conteúdo retardatário informa e explica em grande medida a origem e a agudização de todas as nossas violências.

Outra das características fundamentais dos males que arrasou nossa formação como nação foi o leguleismo, esse que alguns chamam de santanderismo; uma espécie de fetichismo da democracia formal, habilidosamente proclamada e exibida para ocultar as imperfeições de nossa falsa democracia.

Somos uma sociedade, como dizia Gaitán, de rábulas empedernidos. Sofremos de regulamentite e vivemos propondo, tramitando, sancionando e promulgando leis para tudo e para todos; leis para cada uma das quais se preveem sempre calculadas e amplas salvaguardas que terminam convertidas em solapadas normas de condutas trapaceiras.

DESSA MANEIRA se FOI MONTANDO o toldo de uma farsa, muito bem descrita por meu colega ROY Barreras em sua magnífica obra, EL CULO DE ANTANAS.

Cenário por trás de cuja cortina de fundo se escondem NOSSAS IMPERFEIÇÕES: a fome, a miséria, o analfabetismo, a insalubridade, a deterioração ambiental, o desemprego, a ausência de oportunidades para as grandes maiorias, o déficit de moradias, a violência exercida desde cima, o deslocamento forçado, ao lado das mais aberrante concentração da riqueza, de uma distribuição da renda absolutamente desigual e de frequentes violações à nossa soberania, realizadas para assegurar a exploração de grande parte de nossos recursos por parte de empresas estrangeiras sem o menor respeito pela conservação do ambiente.

Falta, pois, muito por fazer. Razão tinha Luis Carlos Galán quando, em vésperas de ser assassinado, disse: "Somos mais território que estado; e mais estado que nação".

Contraditório e confuso, assim tem sido nosso processo de CONSTRUÇÃO DE NAÇÃO, DE busca do desenvolvimento, e DA construção de nossa governabilidade democrática!

Sirvam estas modestas reflexões ao esclarecimento dos fatos históricos que há dois séculos adubaram os caminhos de nossa primeira Independência e dos fermentos ideológicos que nuclearam o pensamento de nossos antepassados maiores, entre eles alguns como José Antonio Galán, Francisco Miranda, Antonio Nariño, José María Carbonell, Policarpa Salavarrieta e obviamente Bolívar, os quais se propuseram nos legar uma Pátria Grande e continuam nos instando, desde as colinas da história, a re-empreender sua construção; a amá-la e vigiá-la para que nossos descendentes não tenham que implorá-la desde o fundo da inviabilidade irreparável. A importância desses titãs da história não declina pelo fato de que seus sonhos ainda não se cumprem de maneira cabal.

Oxalá esta ocasião de análise, revisão e reflexão seja para todos uma espécie de "passado em presente", como batizou o programa televisivo desde o qual tantas luzes brindou a nossa historiografia Fabio Lozano Simonelli.

É indubitável que nossos maiores, ao forjarem a Independência, inscreveram a história destas jovens repúblicas dentro de um projeto emancipador, mais significativo que o fim imediato de recuperar o solo e o ar, encadeados pelo invasor. Projeto emancipador que resulta político e ao qual devemos considerar, dentro da envergadura continental de sua realização, essencialmente como um projeto político, econômico, cultural e social.

Lamentavelmente a insaciável sede de mando de alguns caudilhos, somada à estreiteza de visões de muitos de seus companheiros de gesta, frustrou a aspiração visionária do Libertador e ficamos no meio do caminho.

Finalmente e para terminar minha intervenção quero encerrar dizendo:

Convidamos todos os colombianos a propiciarem neste ano a recuperação crítica do aporte histórico realizado pelo povo colombiano à construção da pátria durante estes dois séculos que nos antecedem.

Não se pode seguir desconhecendo aos campesinos colombianos, às mulheres colombianas, aos e às indígenas colombian@s, aos negros e negras colombian@s, aos trabalhadores, às juventudes, enfim, ao povo colombiano das políticas públicas desenvolvidas pelos diferentes governos.

Não se pode seguir governando e legislando só para as elites. O povo também conta. Sigamos então sonhando e lutando por uma Colômbia como a que sonharam nossos pais fundadores e na qual caibamos tod@s.

Tradução > Joaquim Lisboa Neto

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey