logo

''A economia precisa se repensar para reencontrar sua verdadeira alma'', afirma religiosa

''A economia precisa se repensar para reencontrar sua verdadeira alma'', afirma religiosa

''A economia precisa se repensar para reencontrar sua verdadeira alma'', afirma religiosa

 "O Ocidente reduziu a pobreza. A globalização impulsionada pela Europa e pelos Estados Unidos criou as condições para o crescimento econômico de partes inteiras do mundo. Agora, porém, o Ocidente deve reduzir as desigualdades. Os oligopólios econômicos e de renda, tecnológicos e culturais aumentaram a concentração de recursos, de poder e de influência nas mãos de poucas estruturas e de poucas pessoas."

A reportagem é de Paolo Bricco, publicada em Il Sole 24 Ore, 10-03-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A Ir. Alessandra Smerilli é uma das economistas mais bem ouvidas pela Conferência Episcopal Italiana (CEI) e pelo Vaticano em tempos de Bergoglio. Estamos no restaurante Sanacafé, no bairro de Prati, em Roma, a 15min a pé da Via della Conciliazione, onde se encontra o Pontifício Conselho da Cultura (a Ir. Alessandra faz parte da consulta feminina) e a 5min minutos da universidade Lumsa, onde, depois do nosso almoço, ela realizará um experimento baseado na teoria dos jogos, voltado a compreender se existem diferenças substanciais nos comportamentos econômicos entre os religiosos e os leigos.

Hoje, a Ir. Alessandra não tem o véu, veste um suéter azul e tem uma camisa branca com uma listra central azul com um terço por cima. Tem os cabelos curtos e o rosto redondo, óculos e um relógio Swatch verde e marrom no pulso ("Alguns amigos suíços me deram de presente").

Ela tem uma simpatia natural e uma propensão natural em transformar o sorriso em riso. Vive as atividades normais de todos: "Quem acha que ser irmã é repousante, pensando na vida contemplativa, não sabe como pode ser cansativo e exigente na vida ativa". Sobre isso, em 2013, ela escreveu um pequeno livro, não sem autoironia, para a editora Città Nuova, intitulado precisamente "Suore" [Irmãs].

"O Papa Bergoglio - diz ela -, na sua encíclica Laudato si', expressou a mensagem profética de que tudo está conectado: a ecologia e a economia, o trabalho e a espiritualidade. Há uma continuidade com a Caritas in veritate, do Papa Ratzinger. A questão não é ter mais ou menos mercado. O ponto nodal é a natureza do mercado e também a sua expressão real, nas diversas fases históricas. O Papa Ratzinger se focou no tema crucial da vocação do mercado, definindo-o como instituição, se houver confiança generalizada, que permite o encontro entre as pessoas. Os pontífices não são economistas. Os pontífices são pastores que declaram a sua visão do mundo e manifestam as suas preocupações. Assim como o Papa Bergoglio fez na Evangelii gaudium, diante de algumas formas inaceitáveis de realização do mercado, com o conceito muito forte do 'não' à economia que mata, a economia das desigualdades, e do 'sim', para citar as suas palavras, 'à economia que faz viver, porque compartilha, inclui os pobres, usa os lucros para criar comunhão'."

No Sanacafé, um restaurante de renome internacional sem o selo de osteria e sem o estilo anos 1980 que ainda hoje perdura em Roma nos restaurantes mais pretensiosos e bem frequentados, a cozinha é orgânica, as mesas são grandes, nas quais se consome a refeição com os próprios comensais ao lado de desconhecidos, o marketing e a comunicação se fundem com uma ideia comunitária de refeição e com uma perspectiva supersaudável, mas não penitencial, do alimento.

A Ir. Alessandra, antes de percorrer o menu, detém-se diversas vezes nas diferentes expressões da desigualdade. Desigualdades econômicas. Mas também desigualdade entre homem e mulher. Também na Igreja.

"Na Igreja há pouco espaço para as mulheres em nível de estrutura e de hierarquia. O Papa Francisco está fazendo muito para aumentar esse espaço. A diversidade do olhar garante escolhas mais universais."

O tema das desigualdades é o foco do pensamento e das atividades dessa irmã do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, as Salesianas de Dom Bosco, que cresceu em Abruzzo, tem um diploma pelo Liceu Científico Raffaele Mattioli di Vasto, é filha de uma cabeleireira (Lucia) e de um operário da Magneti Marelli (Nicola), hoje aposentado, e tem um irmão chamado Giuseppe, chef em Ningbo, a 300 quilômetros de Xangai, convidado frequente da televisão chinesa, onde ensina como fazer pão e massa.

Nesta semana, de 13 a 16 de março, a Ir. Alessandra estará no seminário de Treviso da pastoral social da CEI sobre "Jovens, trabalho, sustentabilidade", onde terá a tarefa de coordenar justamente o laboratório sobre jovens e trabalho.

Em outubro passado, o Papa Francisco nomeou-a como auditora do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, no qual ela fez um discurso. Naquela ocasião, a Ir. Alessandra acabara de dizer na Sala de Imprensa: "Economia e ecologia têm a mesma raiz. Não se pode escutar o grito dos pobres, e dos jovens entre os pobres, sem escutar o grito da terra, porque são o mesmo grito", quando a sua conta no Twitter foi alvo de trolls: "Foi algo pesado. Mas foi um episódio".

No fim de fevereiro, a Ir. Alessandra apresentou uma conferência no Vaticano sobre ecologia, economia e política em um seminário em preparação ao Sínodo sobre a Amazônia, que será realizado em outubro. A Amazônia, a América do Sul. Um dos corações emocionais e culturais do pontificado de Bergoglio. Mas também, uma das metáforas - entre propósitos e ações, política e escolhas individuais - do pensamento econômico do Santo Padre, "que foi muito bem acolhido pelos estudiosos, por exemplo Jeffrey Sachs e Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Partha Dasgupta, mas que custa a ser assumido de maneira convicta e profunda pelos católicos: basta pensar na pouca implementação, nos comportamentos de todos os dias, da ecologia integral. É importante, por exemplo, lembrar as palavras do Papa Francisco na Laudato si' sobre a responsabilidade social dos consumidores: 'Comprar é sempre um ato moral, além de econômico. Por isso, hoje, o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós'".

A Ir. Alessandra diz isso enquanto começamos a comer, como antepasto, uma salada verde com espinafre e erva-doce (ela) e bolinhas de berinjela (eu).

O tema evangélico da visão da economia dentro da missão da Igreja se cruza com o perfil cultural da pesquisa econômica. Existe uma relação entre o magistério eclesial e a crítica aos métodos clássicos da construção do pensamento da e sobre a economia.

A Ir. Alessandra tem dois doutorados (o primeiro pela Sapienza, em Roma, e o segundo pela University of East Anglia, em Norwich), é professora titular do Auxilium (a única universidade pontifícia confiada às mulheres) e professora visitante da Universidade da Pensilvânia.

"Existem alguns fundamentos culturais da economia que não convencem. Penso, acima de tudo, na ideia de que a economia é como a física, regulada por leis naturais, quase como se fosse uma ciência exata. Depois, no princípio da racionalidade, segundo o qual os operadores econômicos sempre tomam as suas decisões de maneira racional. Ou no conceito de equilíbrio ideal da alocação de recursos que decorre disso. É interessante notar que a ideia de que o sujeito não é uma pessoa, mas é uma mônada que pensa em si mesmo e é oportunista não está apenas na base da teoria econômica clássica, mas também é transmitida aos estudantes, condicionando a sua cultura e moldando a sua visão de mundo."

A dúvida de fundo sobre a construção do pensamento econômico nasceu na Ir. Alessandra no terceiro ano da universidade. Ela fala disso como de uma verdadeira iluminação cultural, enquanto passamos para o primeiro prato: ela, lula crocante, e eu, um rolê de robalo.

"Na época, eu conheci a economia de comunhão de Chiara Lubich, a fundadora do Movimento dos Focolares, e a economia civil, estudada por Stefano Zamagni e por Luigino Bruni. O doutorado italiano foi sobre a we-rationality, a racionalidade do nós. O doutorado inglês sobre a community of advantage, a vantagem da dimensão comunitária. Eu trabalhei em Norwich com Robert Sugden, que, no rastro da tradição de Hume, Mill e Hayek, desenvolveu uma nova concepção da economia comportamental, unindo experimentos e teoria dos jogos, com a perspectiva de fazer a ciência econômica e a filosofia moral dialogarem. A busca por uma alternativa cultural ou, melhor, por uma crítica ao método antes que aos conteúdos é hoje menos minoritária do que antigamente. Embora o mainstream, a corrente principal e dominante, seja sempre o mainstream. O grande bloco intocável, na difusão de uma concepção providencialista do mercado, foi por muito tempo a Escola de Chicago."

Pode ser um acaso, mas a primeira - e única - mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia - Elinor Ostrom - ocupou-se dos bens comuns. Enquanto cedemos à tentação e dividimos um bolo de chocolate, a Ir. Alessandra conta como tudo começou: "A minha vocação para a economia nasceu no dentro do caminho de obediência. Eu pensava em me inscrever em psicologia ou em ciências da educação para trabalhar com os jovens das periferias. A minha madre superiora, Vera Vorlova, uma tcheca muito clarividente, me pediu para pensar na faculdade de economia porque, na opinião dela, a economia seria cada vez mais central. Eu nunca tinha pensado nisso. No início, eu me senti perdida. Mas depois confiei e me confiei. Disse que sim, ressaltando que, se estavam pensando em atividades de gestão, eu não garantia nada, já que não tenho espírito prático. E, assim, eis-me aqui".

Ei-la aqui, portanto: "Sou mulher, sou irmã e me ocupo com economia. Mais fora do mainstream do que isso...", sorri.

Fonte: IHU On Line

Foto: By Olaf Tausch - Own work, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3844726

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey