A armadilha da UE
Há uma contradição de muito difícil resolução no âmago da pertença de Portugal à União Europeia, criando uma encruzilhada para quem é anti-imperialista: por um lado, a UE é a porta de entrada do superlucro neocolonial em Portugal...
Há uma contradição de muito difícil resolução no âmago da pertença de Portugal à União Europeia, criando uma encruzilhada para quem é anti-imperialista: por um lado, a UE é a porta de entrada do superlucro neocolonial em Portugal, e nessa medida a responsável directa por sectores amplos da população beneficiarem hoje de um padrão de consumo comparável ao de um país do centro capitalista; por outro lado, a moeda de troca desse superlucro neocolonial foi a integração numa lógica de organização económica em que o conjunto das políticas europeias (tratado orçamental, política agrícola comum, especialização inteligente, política comum de pescas, etc.) coloca a economia portuguesa num lugar subordinado, dependente, exposto a vagas particularmente violentas de extorsão e ingerência política quando crises capitalistas afectam o centro da UE com suficiente violência para comprometerem as transferências de superlucro e ainda exigirem a cobrança das dívidas inerentes à esta desigualdade comercial. Foi o que aconteceu à vista de todos nos anos da troika, e continua a ocorrer encapotadamente até aos dias de hoje.
Esta situação cria um problema de solução muito complexa: como explicar a quem no imediato está a beneficiar da pertença à UE que, a prazo, na próxima é inevitável curva da crise capitalista, o superlucro colonial travestido de "fundos comunitários" se vai transformar no protectorado explícito, em programas de ajustamento, em cortes salariais e em mais impostos? Como dizer a professores a falso recibo verde pagos pelo fundo social europeu que é a pertença à UE (e as restrições orçamentais correlativas) que determina que uma parte significativa deles não possa ser professor do sistema público, ou como dizer a um empregado de mesa precário que vive de atender turistas alemães que cá vêm graças ao espaço Schengen que a solução para o seu problema está numa saída da UE que permita que o cerne da economia sejam serviços de baixo valor acrescentado para reforçar o peso das exportações no PIB, posto que isso é uma garantia de que a pobreza e a precariedade serão eternas?
A percepção imediata tende a ser muito mais forte do que a projecção futura, e mesmo a primeira, quando vem ao encontro das ideias da esquerda, pode ser facilmente manipulada pelo esforço de propaganda da reacção para encaixar os reveses da evolução da conjuntura numa explicação que mantém a salvo o modo de produção (no caso, a ideia de que a responsabilidade é de um Governo em concreto e de quem viveu acima das possibilidades, e a retórica chauvinista de uma Europa melhor que todo o mundo e do caos que seria abandoná-la). Pior ainda se a esquerda vive de subvenções europeias para a sua actividade partidária, ou tem uma base social que vive.
Como em tudo, o primeiro passo é assegurar que a organização pode marchar pelas próprias forças e não está na dependência material da mesma UE que quer combater. No plano partidário e sindical, a esquerda está muito longe disso ao dia de hoje, e deve fazer esse esforço, sem o qual não terá jamais liberdade de discurso. Num segundo ponto, a esquerda não deve ter medo de as suas ideias soarem descabidas agora, porque a história se encarregará de lhe dar razão quando chegar a crise seguinte. E em terceiro lugar, a esquerda deve levar a sua mensagem junto dos trabalhadores com uma linguagem e uma metodologia que possam ombrear com as da reacção (num tempo em que a extrema direita ganha terreno com bots e fake news é patético que que a esquerda coloque a propaganda em papel no centro dos seus utensílios de propaganda...), e sobretudo se envolva na resolução concreta dos problemas imediatos das populações não as encarrilando para a exigência junto do Estado do cumprimento das suas "funções sociais", mas apoiando a criação de mecanismos de raiz popular, independentes em relação ao Estado, que possam tratar os problemas do povo. É essa cultura de auto-suficiência do movimento popular que o tornará capaz de se desembaraçar da dependência em relação à UE e levar a cabo uma verdadeira política de libertação e emancipação.
João Vilela
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