Segurança na Farsa da Colonização
por Pedro Augusto Pinho
Pergunto ao caro leitor: qual a imagem que lhe vem à cabeça quando lê ou ouve a palavra segurança? Um tribunal de justiça ou um policial fardado?
Temos um entendimento parcial de segurança, construído em nossa mente desde o fim da Idade Média, pelo que denomino pedagogia colonial.
Pedagogia colonial são todos os recursos de comunicação - dos bancos escolares aos veículos de comunicação de massa, sem esquecer os costumes e as tradições que ganham incentivos e promoções do poder - para que você, eu, todos nós pensemos, sintamos como naturais, como o ar que respiramos, a ideologia e as práticas do poder.
O poder até muda, mas os objetivos da pedagogia colonial, não.
Vejamos como se constrói, sempre pelos interesses das elites no poder, seu pensamento, aquele que o caro leitor imagina próprio, oriundo de suas conclusões pessoais. E quando as instituições já não estão funcionando normalmente.
Breve recordação da história
O fim da sociedade medieval resultou de vários fatores, como sempre ocorre nos fenômenos sociais. Gosto da imagem de diversos vetores, com direções, intensidades, forças e pesos distintos que, num dado momento, se conjugam, e por algum tempo, no vetor resultante.
As elites do pensamento - na Idade Média estavam nos castelos e na Igreja Católica - viram, com receio, a possibilidade do povo, aquela massa ignorante e pobre, revoltada pelas crises da peste, da falta de alimentos, da insegurança de vida, tomasse suas terras, seu poder.
E começaram a construir uma renovação desse poder, os Estados Nacionais.
Para que não fiquemos sem exemplo, temos:
(a) o mais antigo, Giovanni Pico della Mirandolla (1463-1494), Conde de Concordia e de Mirandola, que no "Discurso sobre a Dignidade do Homem" recomenda que se mantenha "ergo haec clam vulgo habere, perfectis communicanda, inter quos tantum sapientiam", ou seja, "oculto do povo, informando apenas aos perfeitos, a sabedoria";
(b) o mais famoso, tido como fundador da ciência política, Nicolau Maquiavel (1469-1527), filho de jurista, nobreza empobrecida, mas sequioso de se unir ao poder;
(c) o muito citado Thomas Morus (1478-1535), autor da Utopia, filho de sir John More, cavaleiro que proporcionou ao filho educação excepcional;
(d) o menos conhecido Juan Luis Vives (1493-1540), judeu catalão, professor de monarcas, tão brilhante e profundo pensador que é apontado como influência em Jean-Jacques Rousseau e antecipador de Sigmund Freud.
No século seguinte, teremos: Michel Eyquem, Senhor de Montaigne (1533-1592) e Francis Bacon (1561-1626), Visconde de Alban.
Ainda que não ficasse explícito, numa releitura de suas obras, temos os elementos constitutivos do poder inalcançável, posto que de origem mística, e absoluto, ao qual todos devem obediência.
Mas o povo, sempre numericamente majoritário, sabia perfeitamente que precisava se libertar, obter as mesmas condições de ser feliz, como as que via entre aristocratas e nas cortes deles.
Novamente das mãos nobres, com Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), sai a notável criação do poder tripartite: um sempre meritocrático.
Qual o significado? Que o povo teria limite, por maior que fosse sua força, sua pressão. Este limite seria imposto por um conjunto de pessoas que lhe subtrairia uma segurança fundamental: a garantia de seus direitos.
O Estado onde o povo participaria
Criava-se, com Montesquieu, simultaneamente, a possibilidade de todos os direitos e uma estrutura, a qual poucos teriam acesso, que poderia usurpar ao povo estes direitos.
O preenchimento do poder judiciário sempre foi realizado pela elite no poder. Enquanto foi possível, pela designação direta de seus filhos e afilhados, quando tornou-se impossível esta prática, pela meritocracia, ou seja, pela concorrência em que os que estavam no poder ou que circulavam a sua volta tinham o tempo e os recursos para se prepararem.
Aos demais cabia, salvo as sempre honrosas exceções, a frustração da derrota. A desigualdade nas condições de competição é fundamental para a "meritocracia" das elites.
Grande Montesquieu! Mantém esta situação por três séculos e, impulsionado pela colonização europeia, ao redor do mundo.
Há a excepcional crítica do historiador e diplomata indiano Kavalam Madhava Panikkar (1895-1963), em seis conferências, pronunciadas na École des Hautes Études, quando representava seu país em Paris, reunidas em "Problèmes des États Nouveaus" (Calmann-Levy, 1959).
Neste trabalho Panikkar mostra o que ocorreria (e efetivamente ocorreu) com a imposição do regime parlamentar europeu em sociedades onde não havia burguesia (simples títeres dos colonizadores) nem proletário (verdadeiramente escravos).
A experiência das colônias era do autoritarismo absolutista, tanto durante o regime imposto pelos colonizadores, quanto, igualmente autocrático, dos reinos locais anteriores ao século XVI.
E o fracasso do projeto seria apresentado, pelos mesmos colonizadores, como a ignorância, a incapacidade dos colonizados, com seus ditadores selvagens, e não o fruto daquela imposição não construída pela sociedade.
O exemplo mais marcante é de Idi Amin Dada, formado no britânico King's African Rifles e feito Major-General pelos mesmos que o ridicularizariam.
Ah! a hipocrisia dos colonizadores com os seus e outros povos.
O Brasil de hoje
Vivemos no Brasil o esfacelamento das instituições. Se já claudicantes, antes do golpe de 2016, ficaram inteiramente desmoralizadas com e após o golpe.
E, dentre elas, sobressai o judiciário, este poder sem voto, colocado no mesmo plano dos poderes legitimados pelo povo, pela democracia.
Independente de quem seja eleito e faça maioria no Congresso, não se concretizando a fraude - que ameaça esta eleição pela ação do judiciário, a quem está subordinada sua execução -, os eleitos estarão legitimados pelo voto.
Se tiverem interesse nacional, podem promover a necessária e urgente reforma institucional brasileira, começando pela transformação do poder judiciário e de todos os tribunais superiores.
Basta não seguir a ideologia colonial e constituir uma estrutura democrática e brasileira.
O que irei expor é uma ideia, sujeita a críticas e correções, mas é resultado de estudos e observações, no Brasil e em vários países onde trabalhei e cuja sociedade pude estudar..
Uma proposta em exame
O Brasil teria somente dois poderes, ambos constituídos pelo voto, livre e soberano de todo povo: o executivo e o legislativo.
Apenas o voto popular constituiria os poderes no País.
O Poder Executivo, quanto à área da segurança, poderia, então, ser dividido em três setores: segurança dos direitos, segurança das pessoas e segurança dos patrimônios.
Para todas elas haveria um sistema jurídico e um policial, ambos em um único escalão - com juizados e delegacias.
Delegacias e juizados seriam distribuídos por todo território nacional, possivelmente um de cada por município. Mas poderiam crescer para várias delegacias e juizados especializados, resultantes de condições demográficas e complexidades das sociedades locais.
Divisões jurídicas e policiais
Fora deste sistema de segurança, haveria apenas um juizado da defesa nacional, para crimes contra a Pátria, por traição, alienação dos bens nacionais, entrega a estrangeiros de riquezas insubstituíveis e territórios nacionais.
Esta seria a competência da justiça militar, e não mais a de julgar crimes cometidos por militares que, como cidadãos brasileiros, se submeteriam aos mesmo juizados da segurança. O tribunal para crimes contra a Nação estaria vinculado à estrutura de Estado, da Soberania Nacional.
Questões trabalhistas, previdenciárias, por exemplo, seriam crimes contra direitos.
Questões tributárias seriam crimes contra o direito de arrecadação do Estado. Uma cobrança indevida, seja por pessoa pública ou privada, seria um crime contra segurança patrimonial.
Haveria, em regime de mandato por tempo predeterminado e sem recondução sucessiva, Tribunais Revisores, compostos de juízes por eleição entre eles.
A justiça eleitoral seria um órgão colegiado, formado por representantes dos poderes - Executivo e Legislativo - subordinado ao Poder Executivo, que herdaria a estrutura da justiça eleitoral.
Para toda questão, as três categorias dos tribunais - segurança dos direitos, da segurança física e segurança da patrimonial - julgariam as pendências e conflitos.
Juízes, como delegados, policiais, promotores e defensores públicos, auditores fiscais e outros fiscais públicos, militares e diplomatas, seriam cargos de Estado. Como tal teriam as mesmas regalias e níveis de classificação funcional.
Pode parecer difícil, mas será muito mais democrático e de funcionamento bem melhor do que o judiciário autônomo e sem responder ao interesse da população.
Não é resposta certa nem a salvação das pessoas, mas ideia que aguarda críticas, sugestões e outras questões; todas serão muito bem-vindas.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado