Tentativa de uma 'revolução colorida' no Vietnã?
Nos últimos meses milhares de pessoas saíram com alguma frequência às ruas de cidades vietnamitas em protestos com características semelhantes às chamadas "revoluções coloridas" que estouraram em várias partes do mundo na última década, tal como a "Primavera Árabe" ou os protestos na Ásia como a "revolução dos guarda-chuvas" em Hong Kong.
Com manifestações efetuadas especialmente na cidade de Ho Chi Minh (antiga Saigon), o movimento - que engloba trabalhadores, estudantes, professores, intelectuais, artistas e líderes religiosos - disse ser contrário a dois projetos de lei elaborados pelo governo do Vietnã.
Um é sobre o aumento da vigilância cibernética e o outro (a causa principal da revolta) é sobre o arrendamento por 99 anos para investidores estrangeiros de terreno localizado nas zonas econômicas especiais (ZEE's) do país. Os manifestantes acusaram o governo de estar entregando a soberania nacional à China, que seria - segundo eles - a principal beneficiada.
Os protestos "espontâneos" demonstraram um claro sentimento anti-China e anti-Partido Comunista, que governa o Vietnã. Os dois países, apesar de dividirem a mesma orientação ideológica marxista e terem optado por caminhos semelhantes de construção do socialismo com características próprias e aliado com uma economia de mercado, frequentemente entram em atritos - às vezes, radicais.
O Vietnã esteve sob o império chinês durante mil anos (isso, há mais de mil anos) mas mesmo a independência do colonialismo francês e a vitória na guerra contra os Estados Unidos, que levaram à revolução de libertação nacional e à implantação do socialismo, não se traduziram em uma paz duradoura com os chineses. Os dois países entraram em conflito em 1979 (com a incursão de tropas chinesas na fronteira com o Vietnã devido à ocupação vietnamita do Camboja) e 1988 (a invasão chinesa de ilhas no Mar do Sul da China). A disputa por esse útimo tópico ainda gera frequentes tensões entre os vizinhos e a exploração de suas contradições interessa aos EUA.
As históricas disputas com a China são um fator que impulsiona o nacionalismo de parte da população vietnamita e são utilizadas por opositores conservadores para a propagação da ideologia anticomunista e pró-americana. Nos recentes protestos, ficaram claras as reivindicações pela derrubada do Partido Comunista do Vietnã, com gritos de "Abaixo os comunistas" enquanto via-se bandeiras dos EUA exibidas por manifestantes.
Inicialmente pacíficos, em algumas cidades os manifestantes chegaram a atirar pedras e coquetéis Molotov contra as forças de segurança, que tiveram de dispersar de maneira truculenta os revoltosos, inclusive com detenções. Eles também incendiaram motocicletas em Binh Thuan e detonaram explosivos em um posto policial de Ho Chi Minh. Os autores desse último caso, considerado de terrorismo pelas autoridades locais, teriam agido "sob a direção de organizações reacionárias no exterior", mais especificamente nos EUA. Em janeiro, Hanoi descreveu como "terrorista" o Governo Provisório do Vietnã, organização que reivindica o antigo regime do Vietnã do Sul e que é sediada na Califórnia, após ter prendido, em dezembro de 2017, um grupo de 15 pessoas por planejarem um atentado a bomba no maior aeroporto do país, em Ho Chi Minh, pagas pela organização.
Há também outras semelhanças às "revoluções coloridas" - baseadas em táticas e ideias disseminadas pelas agências de inteligência do governo dos EUA através de ONGs supostamente defensoras da democracia e da liberdade.
Os manifestantes vietnamitas fizeram um amplo uso das redes sociais para divulgar os protestos, antes, durante e depois de ocorridos. Também não há lideranças visíveis. Além disso, os atos receberam apoio da comunidade vietnamita em outros países, especialmente no Ocidente (EUA, Inglaterra, França, Alemanha, etc.).
Em meio à onda de manifestações, dois cidadãos estadunidenses de origem vietnamita foram presos pela polícia do país asiático, supostamente por estarem envolvidos nos atos. Michael Nguyen, que visitava amigos e familiares no Vietnã, está sendo investigado por "atividade contra o governo popular", enquanto William Nguyen (sem nenhum parentesco com Michael) foi deportado para os EUA graças à pressão do Departamento de Estado, após ficar detido por mais de um mês por ter se unido aos protestos e incentivado os manifestantes a ultrapassar as barricadas policiais, segundo a imprensa vietnamita, citada pela Reuters.
Assim como em todos os países que experimentaram as "revoluções coloridas" para mudança de regime, no Vietnã também estão ativas as agências dos EUA especializadas nessas ações desestabilizadoras.
Os últimos dados (de 2017), indicam que o Fundo Nacional para a Democracia (NED, na sigla em inglês) destinou mais de 750 mil dólares a suas atividades no país asiático, fundamentalmente para o desenvolvimento da sociedade civil, com atenção especial para uma ampla assistência a "ativistas de direitos humanos e pela democracia".
Por sua vez, a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) desembolsou uma quantia muito maior para suas atividades no Vietnã. Em 2017, ela foi de 83 milhões de dólares e em 2018 teve uma diminuição significativa, chegando mesmo assim a 34 milhões.
Essas e outras agências - ligadas direta ou indiretamente ao governo dos EUA - têm um vasto histórico de atividades clandestinas por trás das oficiais pelo mundo afora, com atuação proeminente na organização e financiamento de golpes de Estado ou mudanças de política em país que devem se adequar o máximo possível à política externa norte-americana.
E, de fato, alguns dos manifestantes e outros ativistas opositores são realmente vinculados a tais organizações bem como a outras ligadas ao Ocidente, como mostra uma pequena investigação feita pelo jornalista Joseph Thomas, editor-chefe do jornal geopolítico The New Atlas.
Embora os protestos no Vietnã tenham arrefecido e terminados por ser controlados pelo governo, ao menos momentaneamente, seu conteúdo e radicalidade ligam o sinal de alerta tanto para as autoridades vietnamitas como para a China. Porque a atual guerra comercial é apenas a faceta mais visível da tentativa dos Estados Unidos de "conterem" Pequim por todos os meios possíveis.
Eduardo Vasco, Pravda.Ru