Dia 20 de Maio: "Timor ho laran tomak"
"Timor no Coração" hoje, 20 de Maio! Porquê?
Regressemos à década de 50, do século passado, propriamente ao dia 1 de Dezembro de 1951. Local: Escola primária de S. José - Ponta Delgada. Evento: Dia da Restauração da Independência de Portugal. Actores: 10 alunos representando o então universo português constituído por Portugal Ilhas, e províncias ultramarinas. Empoleirados cada um na sua cadeira, de bata branca obrigatória e, de faixa ao peito com o nome do arquipélago ou província que representava, eis que declamavam por ordem, uma ode ao seu desempenho. A nós, coube a do longínquo Timor. Estava dado o mote para "Timor ho laran tomak" (Timor no coração") Passaram-se os anos sobre aquela data e, só sabemos dizer que sem explicação os nossos sonhos muitas vezes vagueavam pelo fantástico do exótico oriente India, Ásia, Oceânia (Timor situa-se no Sudeste Asiático) Passados 15 anos depois do Dezembro de 1951, a 14 de Outubro de 1966, enquanto ao serviço militar, somos nomeados a servir no Ultramar como muitos outros jovens. Destino Guiné. Durante a formação da companhia a que fomos incorporados, vem a notícia de que o destino da mesma, seria Timor. Uma interrogação. Seria verdade?
A 5 de Abril de 1967, embarcamos no n/m "India" com destino a Timor "Onde quando o sol nasce se vê primeiro"
A viagem decorreu pelo Mediterrâneo até ao canal do Suez, poucos foram os contactos visuais com terra, além das duas margens do Estreito de Gibraltar, só se avistou a ilha de Malta. A travessia do Canal que teve início de noite, o navio seguia no silencio da mesma. Entramos no canal do Suez em Port Said e saímos pelo Suez. Curiosidade desta viagem foi a passagem por Ismaília, base aérea egípcia, que se preparava para a "Guerra dos Seis Dias", que teve lugar poucos dias depois da nossa passagem. Saídos do Suez, o Mar Vermelho, o Indico e depois o Mar de Timor que se confunde com o Indico e o Pacifico.
28 dias passados, eis Timor, porto de Díli sua cidade, era madrugada uma luz aqui, outra ali. O sol nascia no seu esplendor dando razão à divisa "Quando o Sol nascendo se vê primeiro". Debruçados na amurada do paquete de nome "India" transformado em transportes de tropas, cheiramos a maresia, olhávamos embevecidos o azul do mar e os verdes da montanha e, pensamos, estamos na nossa terra tal eram as semelhanças encontradas.
A azafama no porto, começava a notar-se, as Berliet, os Unimog e, os jeeps aprestavam-se para o transporte dos chamados "loricos" termo que apelidava os recém-chegados), a caminho dos seus destinos. A nós aguardava-nos o aquartelamento de Nuno Tali em Ermera a 58 km a sudoeste de Díli. Ali seria a nossa "casa" durante 2 anos ou seja até 14 de Junho de 1969 data de regresso a Lisboa no mesmo navio levando 53 dias de viagem com duas curtas paragens, no então Lourenço Marques e Luanda.
Fastidioso seria descrever a nossa missão naquela maravilhosa ilha que nos fazia recordar as nossas origens de ilhéu. O certo é que independente do desempenho da nossa responsabilidade quanto militar, ganhamos uma consciência de solidariedade e amizade com os timorenses apreciando e vivendo as suas tradições e a sua história, comungando as suas alegrias e as suas tristezas. Sobressai naquele espaço de tempo contado de 6.216 horas, que passamos na sua maioria transmitindo os nossos conhecimentos à população juvenil através da então chamada acção psico-social. Acção essa, desenvolvida quer na área educativa quer na profissional. Dou por bem empregue a missão cumprida e, guardo a todos e a todas no coração. Crianças, jovens, homens e mulheres, de raça e cor diferentes, timorenses, chineses e europeus.
Recordá-los... é SAUDADE a expressão Açoriana que faz unir pelo imenso mar dois Povos, duas Pátrias. E, porque os tenho no coração, sempre procuramos estar atento aos acontecimentos após o 25 de Abril de 74, voltaremos no próximo artigo para falar sobre os mesmos e, a nossa participação solidária com a luta pela sua Autodeterminação.
Ainda faremos uma referência especial ao cancelamento de evento previsto para a realização de um evento para celebração do XVI aniversário da Independência oficial de Timor no próximo domingo. (depois de amanhã)
"Muita gente pequena em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão a face da terra".
(provérbio africano)
Ribeira seca da Ribeira Grande
2018-05-18
José Ventura
Por opção o autor escreve pela antiga grafia.