Sobre as hesitações entre o anti-imperialismo e chauvinismo
A entrada na UE foi vendida no princípio, e sustentada por uma maciça campanha de intoxicação ideológica desde então, como a adesão ao restrito clube das nações civilizadas, ocidentais, progressivas, evoluídas, cultas e legitimadas.
A entrada na UE foi vendida no princípio, e sustentada por uma maciça campanha de intoxicação ideológica desde então, como a adesão ao restrito clube das nações civilizadas, ocidentais, progressivas, evoluídas, cultas e legitimadas. É evidente que o negativo desta afirmação, implícito nela mesmo que ninguém o diga, é o de que as nações que não estiverem neste lote são, por consequência lógica, mais atrasadas, mais bárbaras, mais incapazes, e menos «legítimas» que as do Ocidente.
Por João Vilela
É isso que explica o extremo chauvinismo e a presunção de we know better com que os decisores políticos ocidentais se arrogam ditar como deve a política desenrolar-se por todo o mundo, e quando falamos em ditar falamos também em impor pela força, como faz a França no Mali e na República Centro-Africana. Em certo sentido, na cabeça desses decisores, ainda haveria lugar a um agradecimento por parte dos povos a quem, com sacrifício e abnegação, as baionetas dos exércitos ocidentais vão levar a luz da civilização e da modernidade. Que na volta do correio tragam de lá petróleo, gás, e minerais preciosos, é um detalhe sem importância.
Uma parte considerável da esquerda, que se sente sensibilizada com o sofrimento das vítimas da guerra mas não tem capacidade para se distanciar criticamente do pensamento hegemónico no ocidente, fica por isso numa tensão entre se solidarizar com quem é atacado ou manter fidelidade às ideias da superioridade ocidental e da legitimidade dos países europeus em intervirem militarmente para pôr ordem entre os bárbaros. Por isso é que Daniel Oliveira diz que está contra a guerra na Síria mas chama «sanguinário» a Assad. Por isso é que Rui Tavares promove debates sobre como combater o trumpismo no seu partido, mas depois diz que Putin é a maior «ameaça à paz e à previsibilidade» nas relações internacionais. Por isso é que Mariana Mortágua condena a «repressão dos movimentos populares» na Venezuela e consegue, na frase seguinte e sem achar que haja contradição, estar contra a ingerência estadunidense na América Latina.
Os tempos não estão de feição para posições de meio caminho. O mundo caminha para uma situação caótica de enorme agressividade militar em que estar ao lado dos países ocidentais será, indiscutivelmente, estar do lado errado da história. Quem, na esquerda, não quiser despojar-se da mentalidade chauvinista e opressora que aprendeu com os ideólogos do imperialismo para se irmanar com os povos saqueados e oprimidos e os aliados objetivos que se perfilarem nesse combate, estará em termos práticos a colaborar com a política de agressão. Não há gradações de anti-imperialismo: o anti-imperialismo ou é, ou deixa de ser. Levantar objeções à conduta dos oprimidos é também uma forma, e particularmente cínica por sinal, de fazer lip service aos opressores.