O balanço e as perspectivas de Donald Trump
Thierry Meyssan
É um grave erro julgar o Presidente Trump segundo os critérios da classe dirigente de Washington ignorando assim a História e a cultura dos Estados Unidos. Um outro erro é interpretar as suas acções à luz do pensamento europeu. Assim, a sua defesa de porte de armas ou de manifestações racistas de Charlottesville nada têm a ver com apoio aos extremistas, mas unicamente com a promoção do Bill of Rights. Thierry Meyssan explica a corrente de pensamento que ele representa e traça o balanço das suas importantes realizações económicas, políticas e militares. Ele coloca igualmente a questão dos limites do pensamento político Norte Americano e dos riscos incorridos durante o desmantelamento do «Império americano».
Durante a campanha eleitoral presidencial, Donald Trump comprometera-se a respeitar as regras do Partido Republicano. À época, ninguém acreditava nas suas possibilidades de ter êxito. No entanto, ele conduziu uma campanha baseada nos fundamentos históricos deste partido, desde há muito tempo esquecidos pelos seus políticos e bateu-os a todos. Até à proclamação da sua vitória, as sondagens davam-no como perdedor tal como hoje em dia pretendem que ele não poderá ser reeleito.
Fará dentro em pouco um ano que o Presidente Trump assumiu as suas funções na Casa Branca. Torna-se possível discernir as suas ambições políticas, apesar do confronto destrutivo que se verifica nos Estados Unidos entre os seus partidários e seus adversários em detrimento de todos.
Os factos são tanto mais difíceis de estabelecer quanto o próprio Donald Trump mascara as suas principais realizações atrás de um dilúvio de declarações e "tweets" contraditórios, e quando a sua oposição o apresenta, por meio dos seus próprios média (mídia-br), como um louco.
Antes de mais, a divisão dos Estados Unidos nunca foi tão pronunciada desde a Guerra da Secessão. Os dois campos dão prova de uma grande violência e alguns dos protagonistas de uma total má fé. Para compreender o que se passa, devemos primeiro abstrair-nos das trocas musculadas entre eles e identificar o que cada um deles representa.
Os Estados Unidos foram criados, à vez, pelos «Pais Peregrinos», quer dizer os puritanos do Mayflower, de quem se festeja a chegada aquando do feriado do «Dia de Ação de Graças»(«Thanksgiving»), e por uma multidão de migrantes da Europa do Norte.
Os primeiros não eram mais que um grupúsculo, mas tinham um projecto religioso e político. Tratava-se, para eles, de estabelecer uma «Nova Jerusalém», organizada segundo a Lei de Moisés, e de aí viver em pureza. Simultaneamente, eles pretendiam prosseguir o confronto entre os Impérios inglês e espanhol nas Américas. Os segundos, quanto a si, buscavam fazer fortuna num país que eles imaginavam vazio, sem habitantes, sem restrições, nem governo a não ser o local. O conjunto desses dois grupos é designado pelos sociólogos como os White Anglo-Saxon and Protestant (WASP, Brancos, Anglo-Saxões e Protestantes).
Aquando da redacção da Constituição, os «Pais Fundadores» representavam maioritariamente os puritanos. Sob o impulso de Alexander Hamilton, eles imaginaram um texto anti-democrático, reproduzindo o funcionamento da monarquia britânica, mas transferindo o poder da gentry (nobreza) para as elites locais, os governadores. Este texto suscitou a fúria dos migrantes Norte-europeus que deram as suas vidas durante a guerra pela independência. Em vez de reescrever a Constituição e de reconhecer a soberania popular, uma dúzia de Emendas foram-lhe adicionadas por James Madison, constituindo o Bill of Rights (Declaração de Direitos). Este acrescento garante-lhes o poder de se defender perante os tribunais contra a «Razão de Estado». O conjunto desses dois textos permaneceu em vigor durante dois séculos dando satisfação aos dois grupos.
A 13 de Setembro de 2001, o Congresso adoptou precipitadamente um vasto Código anti-terrorista, o USA Patriot Act. Este documento, que havia sido secretamente preparado durante os anos anteriores aos atentados de Nova Iorque e de Washington, suspende o Bill of Rights em todas as circunstâncias relacionadas com o terrorismo. Desde então, os Estados Unidos do Republicano George Bush Jr. (ele próprio descendente directo de um dos puritanos do Mayflower) e do Democrata Barack Obama foram governados exclusivamente segundo os princípios puritanos modernos (que incluem, agora, o multiculturalismo, direitos separados para cada comunidade, e uma hierarquia implícita entre estas comunidades).
Donald Trump apresentou-se como candidato dos Norte-Europeus, quer dizer dos WASPs não-puritanos. Ele baseou a sua campanha eleitoral na promessa de lhes restituir o seu país confiscado pelos puritanos e invadido por hispânicos que recusam integrar-se na sua cultura. O seu slogan(eslogan-br), America First!, deve ser compreendido como a restauração do «sonho americano», o de fazer fortuna, ao mesmo tempo contra o projecto imperialista puritano e contra a ilusão do multiculturalismo.
A defesa do Bill of Rights inclui o direito de manifestação, inclusive para os grupos extremistas (1ª Emenda), e o direito dos cidadãos possuirem armas para resistir aos possíveis excessos do Estado Federal (2ª Emenda). É, pois, perfeitamente legítimo que o Presidente Trump tenha apoiado o direito de manifestação dos grupos racistas em Charlottesville e tenha mostrado o seu apoio à National Rifle Association (NRA). Esta filosofia política pode parecer absurda para os que não são Norte-americanos, mas não deve nada à História e à cultura deste país.
Os dois principais poderes de um Presidente dos EUA são :
a nomeação de milhares de altos-funcionários ;
a determinação de objectivos militares.
Ora, acontece que Donald Trump só dispõe de algumas dezenas de fieis para preencher milhares de postos e que o Pentágono tem já definida a sua doutrina estratégica. Ele tem, pois, de discernir as decisões capazes de fazer bascular o sistema e de se reservar para elas.
Desde a sua chegada à Casa Branca, ele age efectivamente para
desenvolver a economia e inibir a finança ;
desmantelar «o Império americano» e restaurar a República, quer dizer o Interesse Geral ;
defender a identidade WASP e expulsar os hispânicos que recusam integrar-se na cultura norte-americana.
Assim, Donald Trump acaba de nomear Jerome Powell para a chefia do Banco da Reserva Federal. Pela primeira vez o Presidente desta instituição não será um economista mas um jurista. A sua função será a de por fim à política monetarista e às regras em vigor desde a derrota dos EU no Vietname, e ao fim da convertibilidade do dólar em ouro. Ele deverá conceber novos regulamentos que voltem a colocar o capital ao serviço da produção e não mais da especulação.
A reforma tributária de Donald Trump deverá suprimir todos os tipos de isenções e reduzir os impostos das empresas de 35% para 22%, ou mesmo 20%. Os peritos estão divididos quanto a saber a que classes sociais ela irá beneficiar. A única coisa certa é que, ligada à reforma aduaneira, ela fará perder a rentabilidade a numerosos empregos deslocalizados e conduzirá ao repatriamento de diversas indústrias.
No plano internacional, ele pôs fim ao recrutamento de novos jiadistas e ao apoio que lhe davam certos Estados, à excepção do Reino Unido, do Catar e da Malásia que prosseguem esta política. Mas, pelo contrário, ele não interrompeu o envolvimento de corporações transnacionais e de altos funcionários internacionais na organização e no financiamento do jiadismo.
Em vez de dissolver a OTAN, como tinha inicialmente imaginado, ele transformou-a impondo-lhe o abandono do uso do terrorismo como método de guerra e forçou-a a tornar-se, ela mesma, uma aliança anti-terrorista.
Donald Trump retirou igualmente os Estados Unidos do Tratado Trans-Pacífico imaginado contra a China. Em agradecimento, Pequim diminuiu consideravelmente as suas tarifas aduaneiras, atestando que é possível substituir o confronto precedente pela cooperação entre os Estados.
No plano interno, o Presidente Trump nomeou o Juiz Neil Gorsuch para o Supremo Tribunal, a instância encarregue de fazer evoluir a interpretação da Constituição, Bill of Rightsinclusive. É um magistrado célebre pelos seus estudos quanto ao sentido original desses textos e, a este título, capaz de restabelecer o compromisso da criação dos Estados Unidos.
Em 1998, Igor Panarin, então um dos directores dos serviços secretos russos, prognosticava a guerra civil e a partição dos Estados Unidos em seis Estados distintos por volta de 2010. No entanto, o golpe de Estado de 11-de-Setembro de 2001 afastou este cenário. Em 2012, o jornalista Colin Woodard reactualizava os dados de Panarin. Ele constatava que a mobilidade dos Norte-americanos os tinha levado a reagrupar-se em onze comunidades culturais separadas e coexistentes, com os negros não formando uma comunidade, antes estando ao mesmo tempo integrados e discriminados no seio de duas destas onze comunidades.
No entanto, se este balanço é muito satisfatório para os eleitores do Presidente Trump, é ainda muito cedo para saber se facilitará a integração dos não-WASP ou, pelo contrário, se provocará a sua expulsão da comunidade nacional. Segundo o geopolítico mexicano Alfredo Jalife-Rahme, dois terços dos hispânicos que não falam o inglês nos Estados Unidos vivem na Califórnia, um antigo território mexicano. Será grande a tentação para Donald Trump resolver o problema cultural e demográfico do seu país favorecendo a secessão deste Estado, o «Cal-Exit». Neste caso, a Casa Branca terá que enfrentar os problemas colocados pela perda da indústria do espetáculo de Hollywood, os softwares de Silicon Valley e, sobretudo, a base militar de San Diego. A operação conduzida pela Casa Branca e seus agentes contra Hollywood, por ocasião do caso Weinstein, parece indicar que este processo está já em curso.
A secessão da Califórnia poderia iniciar um desmantelamento étnico dos Estados Unidos até retornar ao seu território original dos 13 estados que adoptaram a Constituição, Bill of Rightsinclusive. É, em todo o caso, a hipótese de longa data do geopolítico russo Igor Panarin.
Thierry Meyssan
Tradução
Alva
Fonte : "O balanço e as perspectivas de Donald Trump", Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 6 de Dezembro de 2017, www.voltairenet.org/article198957.html