Reflexões sobre sentença da Corte Constitucional
Escrito pelo CONSELHO POLÍTICO NACIONAL do Partido Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC)
"Como estão as coisas, este processo de paz só o salva a mobilização multitudinária do povo nas ruas". Mensagem do Conselho Político de FARC sobre a Jurisdição Especial para a Paz.
Com a promulgação da sentença C-17 de 2017 a Corte Constitucional declarou exequível o ato Legislativo 001 de 2017 que cria o Sistema Integral de Verdade, Justiça, Reparação e Não Repetição; tênue esperança num cenário de grandes dificuldades do processo por descumprimento de compromissos governamentais em todas as ordens e pela contumácia de congressistas e de outros atores institucionais empenhados estraçalhar a JEP, a paz, a reparação às vítimas do conflito e a participação política, esta última na contramão do emitido pela Corte.
Saudamos o conceito de exequibilidade proferido pela Corte Constitucional, porém devemos dizer que há aspectos do mesmo que geram consequências adversas para a paz:
1. Desvertebra o conceito de JEP negociado em Havana, concebido para todos os atores do conflito. Em sentido estrito ficou como uma justiça concebida exclusivamente para as FARC.
2. Todo o esforço por construir um regime com autonomia própria ficou sepultado. A solução de recursos de tutelas contra sentenças ficou em mãos da Corte Constitucional. A solução de conflitos de competência fica em mãos da justiça ordinária; o mesmo o regime disciplinar dos magistrados da JEP. Na contramão do pactuado, se impede a participação de estrangeiros nas deliberações das salas e dos tribunais.
3. Se estimulou o regime de impunidade. Os foros se estenderam a todos os aforados constitucionalmente. Ficaram liberados os agentes civis do Estado: ministros, congressistas, promotores, procuradores, governadores, constituindo uma privilegiada casta de intocáveis. E nem o que dizer dos terceiros, que também exonerados, devem estar felizes.
4. A ideia de estabelecer a JEP não era só para habilitar o trânsito da guerrilha à vida civil e contribuir para a solução política do conflito. Também o era para superar o regime de impunidade que se emana da justiça ordinária. Ao sacar os civis e agentes do Estado, como já se disse, se preserva a impunidade e se despreza as vítimas. Não contribui em absoluto com o esclarecimento da verdade.
5. Se habilita a participação política em termos gerais, o qual é positivo, porém ao mesmo tempo se estabelece um regime de condicionalidade que só aplica para os ex-guerrilheiros. Rompe a simetria e ao mesmo tempo deixa portas para perder facilmente os benefícios.
6. Ainda que não se refere explicitamente ao tema da extradição, se assinala que o descumprimento de qualquer das exigências do regime de condicionalidade implica "na perda de tratamentos especiais, benefícios, renúncias, direitos e garantias, segundo o caso". Falta esperar a ver que diz a sentença.
Com a ressalva de conhecer nas próximas semanas o texto completo da Sentença da Corte, e desde o respeito às resoluções imparciais e equilibradas dos tribunais de justiça num estado de direito, queremos tornar pública nossa preocupação pelos pronunciamentos da Sentença que declaram inexequíveis alguns dos conteúdos do Sistema Integral. Entendemos que a dita declaração de inexequibilidade altera conteúdos acordados entre as partes e, portanto, seria contrário tanto ao princípio geral de obrigado comprimento dos acordos como à norma constitucional aprovada pelo AL 002 de 2017, já declarada plenamente exequível pela Corte Constitucional. Esta norma obriga todas as autoridades e instituições do Estado a cumprirem fielmente o conteúdo dos acordos de paz; também em sua implementação normativa.
Muitos dos apartes declarados inexequíveis violam a autonomia da Jurisdição Especial para a Paz em relação à Justiça ordinária colombiana. Não há que esquecer que o Acordo Final se alcançou sobre a premissa de que a justiça ordinária havia atuado durante o conflito de forma parcial, se convertendo em determinados momentos em mais outra ferramenta de guerra e de impunidade do poder executivo. Sirva como exemplo o flagrante descumprimento da lei de anistia por parte de autoridades judiciais, que tem impedido a posta em liberdade de todos os membros das FARC após mais de 10 meses de vigência. Por efeito da premeditada desfiguração do delito político, 75% dos guerrilheiros foram feitos prisioneiros, se lhes imputando delitos comuns.
A declaração de inexequibilidade das normas que permitem que a competência da JEP se estenda sobre terceiros civis ou agentes do estado não combatentes com graves responsabilidades na comissão de crimes internacionais contribui para manter a situação de impunidade estrutural que existiu no conflito em relação a estes setores; impunidade fartamente conhecida pela comunidade internacional e destacada em todos os seus informes periódicos sobre a Colômbia pela Promotoria da Corte Penal Internacional. Um dos eixos do Acordo Final é a necessidade de acabar com qualquer situação de impunidade, única forma de garantir plenamente os direitos das vítimas, que, como bem sabe toda Colômbia, não foram garantidos suficientemente durante o conflito, nem pela Promotoria Geral da Nação nem pela Procuradoria , nem por nenhuma outra instituição. Aí estão como mostra as 15.000 leituras de cópia sobre paramilitarismo e responsabilidades de civis emanadas da jurisdição de Justiça e Paz que nunca foram processadas pela justiça colombiana.
Correlativo ao acima exposto, reiteramos que nos parece preocupante a intepretação que a sentença parece fazer do Acordo Final e do objetivo da JEP, como se esta tivesse sido acordada unicamente para tratar do relativo às atuações dos combatentes no conflito e em especial o relativo às condutas da guerrilha. Nos preocupa que as condicionalidades descritas no Comunicado o sejam exclusivamente a respeito dos insurgentes, obviando que o Sistema Integral foi criado para examinar as responsabilidades de todos os atores do conflito. Nos parece inconveniente que entre as condicionalidades se mencionem algumas que fazem referência a delitos anistiáveis e portanto não graves, e se ocultem outras relativas a graves crimes internacionais cometidos por grupos paramilitares e pela força pública.
Efetivamente o Acordo Final prevê condicionalidades para desfrutar dos benefícios do sistema acordado, porém em nenhum estado de direito o descumprimento das condições de um sistema jurídico faz nenhuma pessoa perder seus direitos. A dita possibilidade não pode ficar esboçada no comunicado da sentença. A proibição de extradição, tal e como ficou no Acordo final, é um direito e não um benefício; e modular, limitar ou deixar sem efeito essa proibição constituiria um flagrante e muito grave descumprimento do acordo, principalmente quando a constituição colombiana ou os tratados internacionais não estabelecem nenhuma obrigação de extradição para nenhuma pessoa.
A constituição colombiana estabelece uma clara divisão de competências entre o poder legislativo, ao qual corresponde acordar as leis, e o judiciário, ao qual corresponde elaborar a jurisprudência. Se a referida jurisprudência estabelecera que o acordo final contraria normas constitucionais, não cabe dúvida de que é obrigação do Estado, para cumprir o acordado, modificar as normas constitucionais que colidem com o Acordo Final, naquilo que não contravenha os tratados e convênios internacionais em matéria de Direitos Humanos e DIH.
Pedimos respeitosamente à Corte Constitucional que tenha presente que o Acordo Final se alcançou com o fim primordial de acabar com o conflito e com a impunidade, a emanada da atuação de qualquer ator, e que o sistema de justiça acordado ou suas condicionalidades não pode alcançar exclusivamente a um dos muitos atores do conflito, senão que a todos; tenham vestido uniforme ou não, tal e como estabelece o direito internacional.
Que se respeite o conteúdo do acordado em Havana.
Como estão as coisas, só a mobilização multitudinária do povo nas ruas salva este processo de paz.
Tradução > Joaquim Lisboa Neto