A "grande fome" na Ucrânia (Holodomor): um dos maiores mitos do século XX
Os aparelhos ideológicos e intelectuais da burguesia estão em trabalho frenético para nos 100 anos da Revolução Russa difamar como podem a primeira experiência de poder operário consolidada da história - não sem contribuição fundamental, como sempre, de setores expressivos da esquerda. Um dos maiores mitos, isto é, uma construção historiográfica sem qualquer base factual e referencial em pesquisa histórica séria, mas que se sustenta de acordo com sua função política-ideológica na luta de classes, é a da grande fome ucraniana ou Holodomor. É afirmado que o Estado soviético através de uma política de fome planejada operou o extermínio de 6 ou 10 milhões (o número depende do grau de anticomunismo do autor) de ucranianos. Evidentemente, esse suposto episódio serve para equiparar o socialismo soviético com o nazismo: os ucranianos teriam sido o equivalente aos judeus no Holocausto. Vejamos com breves comentários como esse mito não tem qualquer base factual.
- Os documentos secretos da alta administração e dos serviços de inteligência dos EUA, França, Inglaterra e Itália já estão disponíveis há anos para consulta e pesquisa. Nenhum desses país, nos seus documentos da época, retrata uma política de fome provocada em escala industrial tendo como resultado o extermínio de milhões. Nenhum! Na época do alegado auge da fome, ou seja, em 1932-1933, existia uma grande guerra pelo poder no seio do PCUS (Partido Comunista da URSS) e ninguém da oposição ao grupo majoritário, Leon Trotski à frente, fala de qualquer genocídio na Ucrânia. Os grandes jornais burgueses da época, como The Economist, também não citam esse suposto episódio. Também não existe fotos e registros desse "extermínio em massa" - Robert Conquest, historiador ligado a CIA e um dos grandes defensores da existência do "Holodomor", não apresenta qualquer prova material desse suposto massacre. Será esse episódio o primeiro da história da humanidade onde supostamente uma grande máquina industrial de genocídio em massa foi montada sem que ninguém - inclusive os serviços secretos dos países mais poderosos do mundo! - tenha tomado conhecimento (compare, por exemplo, com o número de provas que temos da existência do Holocausto)?
- Entre 1931-32 houve sim uma redução da oferta de alimentos com aumento da fome, mas não uma escalada industrial de fome matando milhões. As duas principais razões que explicam essa redução de alimentos são de ordem econômica-climática e sociopolítica. A URSS, no período 1930-33, ainda não tinha operado sua industrialização, desenvolvimento tecnológico e se recuperado totalmente dos estragos da Primeira Guerra Mundial e da Guerra Civil. Os eventos naturais acabavam tendo um impacto muito maior. Tivemos em 1932 uma seca catastrófica que reduziu e muito a produtividade das colheitas e havia um intenso e forte conflito político entre o Estado soviético e os camponeses ricos em luta contra a coletivização da agricultura; nesse confronto, como forma de resistência, muitos camponeses ricos queimavam colheitas e matavam animais, o que reduziu a oferta de alimentos. A questão, contudo, é que essa fome não atingiu especialmente a Ucrânia, mas foi algo de todo território soviético, e no segundo semestre de 1933, como mostra qualquer pesquisa básica, a colheita teve alta produtividade e os efeitos mais nocivos da fome já tinham sido contornados. Basta estudar a história da agricultura soviética para ver que na época (1933) que os anticomunistas dizem que milhões estavam morrendo por fome tínhamos uma das melhores colheitas da história soviética depois da Primeira Guerra.
- Os "nacionalistas" ucranianos e os historiadores anticomunistas que defendem a existência do "Holodomor" como símbolo de "resistência nacional" gostam de esconder que o grande promotor da suposta existência de uma opressão nacional soviética sobre a Ucrânia nos anos 30 foi a Alemanha Nazista. Devido a posição estratégica de Kiev, seus recursos naturais e a fertilidade de sua terra, era central para o Reich em seus planos de guerra conquistar essa região. Para isso o nazismo buscou criar uma associação com os "nacionalistas" visando combater o socialismo soviético. É notório a colaboração dos grupos independentistas ucranianos com os nazistas. Nos anos 60 em diante, com foco maior nos anos 90, a lenda da opressão nacional contra a Ucrânia ganhou cada vez mais peso, ocultando, é claro, as origens nazistas desse mito histórico - hoje os liberais e conservadores de toda ordem com ajuda não desprezível de setores da esquerda continuam o "trabalho" dos nazistas.
- No Brasil, como vivo dizendo, o melhor da historiografia soviética simplesmente não chega - e é curioso que quanto maior é nossa ignorância da história soviética mais organizações e militantes gostam de colocar-se como entendedores dessa realidade. Os trabalhos dos especialistas em história soviética R.W. Davies e S. Wheatcroft simplesmente não são traduzidos para o português e não causam qualquer repercussão nas universidades brasileiras. O mesmo pode ser dito das pesquisas da historiadora francesa Annie Lacroix-Riz. Esses três historiadores citados, em suas pesquisas, derrubam os mitos em torno de um suposto "Holodomor". O único trabalho bom que conheço traduzido para o português que mostra a completa falsidade da história do "Holodomor" é o livro de Domenico Losurdo "Stálin - uma história crítica de uma lenda negra". No meio da ignorância e da preguiça o anticomunismo prospera fácil.
- Por fim, mas não menos importante, é interessante mostrar como os historiadores que falam em "grande fome ucraniana" fazem seus cálculos do número de mortos. O francês Alain Blum defende que o "Holodomor" provocou 6 milhões de mortes. Como ele chega a esse cálculo? A URSS só realizou sensos gerais em todas as repúblicas em 1926 e 1939. A partir disso o sujeito compara o resultado do senso de 1926 e 1939 para a região da Ucrânia e o "déficit demográfico" é considerado automaticamente como o correspondente ao número de mortos. Blum desconsiderou, é claro, questões básicas como as gigantescas migrações ocasionadas pelo crescimento das cidades e a industrialização acelerada. Para se ter uma ideia da lógica do procedimento. É como eu comparar o crescimento demográfico de São Paulo e do interior de Pernambuco entre os anos 50 e 60. Pelas migrações e a própria dinâmica de vários fatores (como menor mortalidade infantil em SP) a população cresceu mais em SP que no interior de PE; aí eu pego os números de "déficit demográfico" de PE em relação a SP e transformo sem qualquer prova em número de mortes. Preciso falar o quanto esse tipo de procedimento não é sério?
Por tudo isso, reafirmo: o "Holodomor" é um dos maiores mitos historiográficos do século XX sem qualquer base factual e seus defensores não conseguem articular os critérios básicos de uma pesquisa histórica séria.
Jones Manoel, historiador (Universidade Federal de Pernambuco)
Foto: Український інститут національної пам'яті (CC BY-SA 3.0) https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.en