BHP Billiton: a Corporação Financeira Internacional lança um salva-vidas para um projeto de REDD+ e proporciona lavagem verde para a maior empresa de mineração do mundo
Por Jutta Kill, no boletim WRM 232
A BHP Billiton é a maior empresa de mineração e petróleo do mundo, operando minas em 13 países. Seus escritórios centrais estão em Melbourne, na Austrália, e no Reino Unido, onde a empresa vende ações na Bolsa de Valores de Londres.
A London Mining Network, uma aliança de grupos de defesa de direitos humanos, desenvolvimento, meio ambiente e solidariedade, compilou informações sobre os muitos conflitos entre a empresa e comunidades e trabalhadores afetados por suas operações de mineração e pelos desastres ambientais causados pelas minas da empresa. Entre eles, estão a inundação catastrófica de 40 milhões de toneladas de lixo tóxico lançadas no rio Doce, em Minas Gerais, Brasil, em 2015 - o maior derramamento ambiental da história do país. A lama tóxica se espalhou até o mar, matando 19 pessoas e causando a evacuação de outras 600. Quase dois anos depois, o rio Doce permanece vermelho em função do minério de ferro contido na água. A BHP Billiton é coproprietária da mina, com a mineradora brasileira Vale. As duas empresas enfrentaram campanhas públicas em função de atividades inadequadas de limpeza e compensação para os afetados pelo desastre. Elas também enfrentam multas e ações judiciais nacionais e internacionais em função de sua responsabilidade pelo rompimento da barragem que deveria impedir que os seus resíduos tóxicos se espalhassem pelo rio.
Socorro ao projeto de REDD+ no Quênia proporciona lavagem verde para a BHP Billiton
Em outubro de 2016 - quase exatamente um ano após o vazamento tóxico na mina da BHP Billiton no Brasil - a Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial (IFC) levantou 152 milhões de dólares de investidores privados através da venda do que chama de "títulos florestais" (forest bonds). Os fundos de investimento e os bancos poderiam comprar esses "títulos florestais". Comprá-los significa que eles emprestam seu dinheiro à IFC por cinco anos, durante os quais ela o usa para financiar infraestrutura e outros projetos corporativos. Em intervalos regulares, geralmente a cada ano, os compradores do título recebem pagamentos de juros da IFC. Após cinco anos, a IFC tem que pagar o dinheiro para os compradores dos títulos: os investidores trocam o título novamente pelo dinheiro que originalmente investiram. A IFC chama o título de "florestal" porque os compradores podem optar por receber seu pagamento anual de juros em dinheiro ou como créditos de carbono de um projeto de REDD+ no Quênia, denominado projeto de REDD+ do Corredor de Kasigau, que alega proteger as florestas.
O grupo de justiça social e ambiental italiano Re:Common e a rede European Counterbalance visitaram a área do projeto de REDD+ do Corredor de Kasigau em julho de 2016 e documentaram evidências de impactos negativos sobre as comunidades camponesas locais. O relatório confirma conclusões publicadas em um artigo em 2015 que descreve como o projeto fortalece injustiças históricas com relação a alocação de terras: os mais afetados pelas restrições que os projetos de REDD+ impõem ao uso da terra, principalmente comunidades étnicas taitas, recebem muito poucos benefícios, enquanto os acionistas (absentistas) das propriedades recebem 1/3 garantido das receitas de venda dos créditos de REDD+.
Durante os cinco anos em que os compradores dos "títulos florestais" recebem pagamentos de juros, a IFC se comprometeu a comprar créditos de carbono do projeto de REDD+ do Corredor de Kasigau (Fases I e II). Se um comprador preferir receber o pagamento dos juros em dinheiro, a BHP Billiton comprará os créditos de REDD+ da IFC e, assim, dará o dinheiro dos juros ao comprador do título. Isso significa cinco anos de vendas garantidas de créditos de REDD+ para a empresa Wildlife Works Carbon, com sede na Califórnia, que criou o projeto de REDD+ do Corredor de Kasigau e sua arquitetura financeira. Apenas alguns meses antes, a empresa tinha assistido ao colapso de um grande acordo de vendas de créditos de REDD+ com um fundo de mercado de carbono (Althelia Climate Fund) com sede no Luxemburgo. Encontrar um substituto em pouco tempo pode muito bem ter sido uma questão de sobrevivência para o projeto de REDD+.
Para a BHP Billiton, o compromisso de comprar créditos de REDD+ a um preço fixo de 5 dólares se os compradores não os quiserem proporciona cobertura verde para sua mineração suja e uma oportunidade de desviar a atenção global de sua responsabilidade pelo maior desastre ambiental do Brasil, que ainda tem consequências terríveis para a população que vive ao longo do rio Doce. Também está envolvida no acordo do "título florestal" a Conservation International (CI), uma ONG de conservação com sede nos Estados Unidos. A CI aconselhou o BHP Billiton sobre o "título florestal", participa do Conselho de Especialistas do Fundo Climático da Althelia, está envolvida em um projeto de REDD+ perto do projeto do Corredor de Kasigau e está entre os mais eloquentes apoiadores do REDD+.
O "título florestal" da IFC é uma duvidosa nova forma de apoiar os projetos de REDD+ do setor privado que não conseguiram vender seus créditos de carbono. O enganoso nome de título "florestal" também sugere que há mais investimentos do setor privado nas "florestas" do que realmente existem, já que o capital investido não vai para atividades relacionadas à floresta. O verdadeiro dinheiro emprestado à IFC - os 152 milhões de dólares que ela obteve dos compradores do "título florestal" - é investido no tipo de projetos empresariais que a IFC costuma financiar. Os detentores dos títulos apenas renunciam a uma parcela dos pagamentos de juros que recebem da IFC e aceitam recebê-los na forma de créditos de REDD+ em vez de dinheiro - ou, se o detentor dos títulos não os quiser, o BHP Billiton lhe pagará em dinheiro. A IFC trabalha com a indústria da conservação para rebatizar um investimento empresarial como "título florestal", embora apenas parte dos juros que a IFC paga ao comprador do "título" seja usada para subsidiar o projeto florestal/de REDD+.
Assim, além de mais investimentos que podem causar danos às comunidades locais, a IFC lança um salva-vidas para um projeto de REDD+ administrado por uma empresa privada que restringe em muito o uso da terra das comunidades étnicas taitas na área do Corredor de Kasigau, no Quênia. Mais do que isso, dá à maior mineradora do mundo, com responsabilidades pelo pior desastre ambiental do Brasil, a BHP Billiton, a oportunidade de fazer lavagem verde em sua imagem ao se oferecer para comprar qualquer crédito de REDD+ do Corredor de Kasigau que os compradores do "título florestal" da IFC não desejarem. Uma tripla vitória para o setor empresarial, o setor de conservação e o Banco Mundial, enquanto as comunidades locais e o clima arcam com os custos.
Jutta Kill, Membro do Secretariado Internacional do WRM
Foto: Por Radu Vatcu, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=14933087