Pegando no pé do benedito

Benedito Tadeu Cesar respondeu na sua página no Facebook a uma leitora, descrente do futuro do Brasil, dizendo que ela não deveria sentir tristeza e nunca desistir de ter orgulho deste país.

Por alguma razão que fiquei tentando descobrir depois, algo me incomodou no seu texto, que num primeiro momento me pareceu naquela linha de Afonso Celso, o Visconde de Tunay:"Confiemos em nós próprios, confiemos no porvir, confiemos, sobretudo, em Deus que não nos outorgaria dádivas tão preciosas para que as desperdiçássemos esterilmente. Deus não nos abandonará. Se aquinhoou o Brasil de modo especialmente magnânimo, é porque lhe reserva alevantados destinos"

Mas, Afonso Celso era um nobre e o nosso Benedito é uma pessoa que, por tudo que se sabe, é um intelectual de esquerda, embora nas últimas eleições municipais tenha defendido o voto útil no Melo contra o Marquezan e que certamente não teria uma visão tão idílica assim do Brasil.

Ele diz corretamente "que são as elites econômicas que não prestam. São elas que financiam e mantêm os crápulas que nos governos nos três poderes, no Ministério Público e na grande imprensa."

Até aí, eu estava assinando embaixo.

Deve ter sido a frase seguinte que me deixou em dúvidas, quando ele escreveu: "Nosso povo, principalmente o mais humilde, é maravilhoso e lutador, ainda que hoje esteja completamente obnubilado (escurecido, abobado) por força da doutrinação maciça a que vem sendo submetido desde que o PT chegou ao governo e a direita enlouqueceu.'
Essa frase, pela forma e pelo conteúdo é que me causou desconforto.

Ele escreveu "obnubilado" e em seguida, pôs entre parênteses - escurecido, abobado - se colocando naquela posição do intelectual (afinal, ele se apresenta sempre como cientista político) que precisa descer do seu pedestal e traduzir para o povo - que ele disse ser maravilhoso - o significado de certas palavras.

Em seguida, ele promete, com uma certa arrogância, que "nós iremos reconstruir este país e passaremos a ter muito orgulho e não demorará muito, tenho certeza".
O Benedito não disse com quem ele irá reconstruir o país, pois certamente não será com esse povo escurecido e abobado (obnubilado). 

Fiquei pensando nisso até dar conta que o problema dele me parece advir de dois equívocos. 

Primeiro, o conceito de povo, que é vago e não tem um significado concreto em termos de uma sociedade. E o pior, mesmo admitindo que se possa existir um povo brasileiro, pensar nele como melhor ou pior que o povo argentino, uruguaio, russo ou americano, ou qualquer outro é um grande equívoco. 

Acho que é positivo quando se coloca figurativamente povo brasileiro (ou argentino, uruguaio, russo, americano ou qualquer outro) em oposição ao imperialismo ou ao colonialismo, mas acho negativo, quando ele é colocado de forma excludente (melhor ou pior que outros povos). 

Ser brasileiro é uma abstração apenas geográfica. Somos todos seres humanos.
E essa constatação me leva ao segundo questionamento ao que escreveu o Benedito. Ele fala em povo, que é uma abstração, quando devia falar em classe social dos trabalhadores, que essa sim, é uma realidade concreta.

São os trabalhadores brasileiros (pessoas concretas) e não o povo brasileiro (uma abstração), com a ajuda dos intelectuais de esquerda, que poderão derrubar os golpistas que se apossaram do comando político do País, agora ou em 2018, através das eleições.
Desculpe pegar no teu pé, Benedito, mas os tempos atuais andam muito confusos e aqueles que pretendem falar em nome da Esquerda precisam ser muito claros.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey