Muito se noticiou a respeito do encontro entre o ministro brasileiro com o chefe do posto da CIA em Brasília, destacado no último dia 19 de junho em diversos meios de imprensa nacionais e internacionais. Mas o fato foi tratado como pura curiosidade e gafe do governo brasileiro, que divulgou o nome do agente secreto.
No dia 9 de junho, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, se reuniu com o chefe da CIA em Brasília, Duyane Norman
Eduardo Vasco, Pravda.Ru
Muito se noticiou a respeito do encontro entre o ministro brasileiro com o chefe do posto da CIA em Brasília, destacado no último dia 19 de junho em diversos meios de imprensa nacionais e internacionais. Mas o fato foi tratado como pura curiosidade e gafe do governo brasileiro, que divulgou o nome do agente secreto.
O acontecimento, porém, é mais sério do que se imagina. Em meio à crise política na qual o Brasil está imerso, fruto de uma desestabilização que resultou na queda de Dilma Rousseff com indícios de participação dos EUA e que pode levar à queda de Michel Temer, a reunião de um agente da CIA com um alto oficial da área de inteligência e segurança não deve ser coincidência.
"Se o general Etchegoyen tivesse se encontrado com um agente secreto do governo da Rússia ou da China, será que a notícia passaria despercebida na mídia brasileira e ocidental?", questiona o doutor em Geografia pela USP, Ramez Maalouf, especialista em História das Relações Internacionais e analista da política externa dos EUA.
Mesmo que consideremos quase que normal a presença da CIA no Brasil, para ele não se pode encarar como normal um encontro entre um general ministro de Estado na área de informações e segurança interna e um alto agente da CIA.
"Esse encontro dá legitimidade às versões de que os EUA apoiaram um golpe contra Dilma Rousseff em 2016, favorecendo Michel Temer, e de que ele tem muita proximidade com o governo dos EUA, pois, afinal de contas, se não houvesse essa proximidade, não haveria sentido em Etchegoyen ter contato com um alto agente da CIA", afirma à Pravda.Ru.
Em nota, o Gabinete de Segurança Institucional afirmou que Duyane Norman "realizou uma visita de cortesia ao ministro do GSI por estar retornando aos EUA após o término de sua missão no Brasil". Já a Embaixada estadunidense em Brasília disse que não pode "confirmar nem negar os relatos".
Maalouf levanta algumas questões que podem ter sido discutidas entre Etchegoyen e Norman, especialmente relacionadas à questão interna do Brasil e à Venezuela, recordando que o ex-presidente estadunidense Barack Obama "declarou guerra" ao país caribenho em 2015, ao dizer que a Venezuela era uma ameaça aos EUA.
"Não há atentados terroristas no Brasil para justificar essa coordenação, não há nenhuma guerra em curso na América do Sul, então qual seria o motivo [da reunião]? Podemos especular: Será que estaria envolvido com a questão da Venezuela? Ou com a própria instabilidade do governo brasileiro? Há muitas questões que ficam no ar sobre esse encontro, que não podemos encarar como normal dentro de um governo que seria aparentemente democrático", aponta.
Avô do ministro esteve ligado a agentes dos EUA
Etchegoyen foi nomeado para chefiar o GSI em maio do ano passado, quando Temer assumiu interinamente a presidência da República. O general, crítico da atuação da Comissão Nacional da Verdade, que investigou os crimes da ditadura militar, tem histórico familiar de laços com o governo dos EUA.
Seu avô, Alcides Etchegoyen, substituiu Filinto Müller como chefe da polícia do Distrito Federal em 1942. Na mesma época, cedeu o controle das atividades de contraespionagem à Embaixada dos EUA no Brasil, segundo Marta Huggins no livro "Polícia e política: relações Estados Unidos/América Latina". Dez anos mais tarde, defendeu o acordo militar entre os dois países e se opôs ao general Newton Estilac Leal, que defendia o monopólio estatal do petróleo, nas eleições para o Clube Militar.
Alcides Etchegoyen também apoiou, em agosto de 1954, a renúncia de Getúlio Vargas à presidência da República, o qual acabou se suicidando poucos dias depois. Em 1955 participou da tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek e seu vice, João Goulart, e depois acabou preso pelo ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott.
O pai de Sérgio, Leo Guedes Etchegoyen, participou do golpe militar de 1964 contra Goulart.
Ligação da PF com a CIA e a DEA
Segundo o pesquisador de Segurança Pública e Atividades de Inteligência, Alex Agra, relações interagências são comuns e, inclusive, o Departamento de Polícia Federal costuma ter as informações dos agentes.
"Já sabemos há muito tempo que a CIA atua no Brasil e sabemos também que ela tem forte representação", lembra o analista, consultado pela Pravda.Ru. O caso é que muitas vezes as atividades da agência podem ser direcionadas à busca de dados, tecnologia e informação que violariam a soberania brasileira.
Reportagem de setembro de 2013 do jornal Folha de S. Paulo denunciou que agentes da CIA atuam livremente no Brasil, colaborando em operações da Polícia Federal (PF) na invasão de sistemas, compra de informações e suborno de funcionários de empresas públicas e privadas.
Outro ponto citado por Agra é que a agência de espionagem norte-americana tem um histórico de ações encobertas pelo pretexto do combate ao tráfico de drogas.
Como revelou o jornalista Bob Fernandes, em uma série de reportagens entre 1999 e 2004 publicadas na revista Carta Capital, a agência estadunidense de combate ao tráfico de drogas (DEA) pagava operações da PF, inclusive a delegados, que também recebiam dinheiro da Embaixada dos EUA para as operações.
Conforme ele demonstrou, desde a década de 1980 a PF tem sido subordinada à DEA e também à CIA, que a financiou e atuou na espionagem de empresas e altas autoridades do governo brasileiro, claras ingerências nos assuntos internos do País. Altos funcionários da PF também trabalhavam para a CIA.
"A Vossa Polícia Federal é nossa, trabalha para nós há anos (...) Foi comprada por alguns milhões de dólares", disse o então chefe do FBI no Brasil, Carlos Costa, em entrevista ao jornalista publicada em março de 2004.
DiRenzo, agente da CIA/DEA?
Essa não foi a primeira gafe da agenda pública envolvendo o agente da CIA, Duyane Norman. Veículos jornalísticos brasileiros descobriram que na agenda de Leandro Daiello, diretor-geral da PF, consta um encontro com Norman e com Joseph Direnzo, com a sigla CIA ao lado de seus nomes. A reunião ocorreu na sede da Polícia Federal em Brasília, em 11 de julho de 2016.
A Pravda.Ru apurou que existem dois perfis no LinkedIn que podem pertencer a Direnzo e ambos indicam que ele trabalha na Guarda Costeira dos EUA. O perfil Joseph DiRenzo aparece como oficial de operações que atuou no combate às drogas, enquanto o perfil Joe DiRenzo declara que atua também como professor de Estudos de Inteligência no American Public University System.
Tratando-se realmente da mesma pessoa que se reuniu com Norman e Daiello, as descrições contidas no primeiro perfil indicam que DiRenzo pode também ser agente da DEA no Brasil. Bob Fernandes recorda ainda que agentes secretos estadunidenses agem sob disfarces diplomáticos, como membros da Embaixada ou de outros órgãos de representação dos EUA.