O direito de defesa e a ressocialização do criminoso
"E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou. E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?
Nunisvaldo dos Santos*
E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra. E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão".
(Gênesis, 8-9)
Sob a perspectiva do Direito Penal moderno ninguém pode ser condenado sem direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes e, uma vez condenado, não poderá ser submetido a tratamento desumano ou degradante, além de não existir prisão perpétua ou trabalhos forçados, é o que dispõe o art. 5º, III XLV, b e c, e LV, CF.
Ainda devemos considerar que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a cidadania e a dignidade da pessoa humana, art. 1°, II e III, CF.
Todos estes flexos de Direitos Constitucionais, em razão de sua topologia normativa, são de natureza fundamental e de aplicação imediata, o que vale dizer, são autoaplicáveis, tendo entrado em vigência no dia 05 de outubro de 1988,data de promulgação da nossa Carta Magna, além de fazer parte de um núcleo imodificável via emenda constitucional, por se tratar de cláusula pétrea, art. 60, § 4°, IV, CF .
Por economia de espaço, o enxerto do texto sagrado transcrito no preâmbulo derruba todos os argumentos daqueles que se opõem ao direito de defesa plena e se colocam a favor da antecipação da condenação do criminoso, esquecendo que o Divino Criador, o qual deve ser citado ainda que simbolicamente, uma vez que crenças e religiões são servem de fundamentos para decisões judiciais, diante de sua tríplice virtude, quais sejam: onipresença, onisciência e onipotência, estava presente no momento do crime praticado por Caim, tinha conhecimento da autoria e poder para aplicar imediatamente a pena, contudo não o fez sem que antes submetesse o autor do delito a interrogatório criminal, dando-lhe o direito de defesa, para em seguida condená-lo, vejamos:
- Caim, onde está Abel, o teu irmão?
- Não sei, sou eu guardador do meu irmão?
- E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão.
Tenho que este, simbolicamente, é o primeiro processo penal na história da humanidade, onde diante do primeiro crime contra a vida, bem maior do ser humano, ocorreu o primeiro interrogatório, o exercício do primeiro direito de defesa e a primeira sentença penal condenatória.
A pena tem uma dupla função: reparar o mal provocado pelo crime cometido e ressocializar o criminoso, devolvendo-o ao convívio social reeducado e sem representar nenhum risco à sociedade. Não há pena de morte e nem prisão perpétua em nosso sistema penal. Por conseguinte, a volta do criminoso ao convívio em sociedade é uma certeza quase que absoluta, bem como a necessidade de lhes ser viabilizado um meio que assegure a sua subsistência pessoal depois de ganhar o direito de liberdade, geralmente mediante a força do próprio trabalho.
Desse modo, por exemplo, como negar emprego ao goleiro Bruno, subtraindo-lhe o direito de voltar ao mundo da bola e ganhar dinheiro honestamente? Como negar o direito dos membros da banda New Hit de voltarem a cantar?
Em caso positivo, pergunto: devem sobreviver de quê? Dos programas sociais do governo? Desconheço a existência de algum programa estatal ou instituição filantrópica que cuide do direito de subsistência dos egressos e de sua família!
E o trabalho não assegura a dignidade da pessoa humana? Claro que sim, esta é a resposta correta.
A sociedade forçar um jogador de futebol ou um cantor, exemplificando, a mudar de profissão após o cumprimento de uma pena imposta por sentença penal condenatória seria uma condenação sem processo, sem direito à defesa, contrariando a Constituição Federal e a própria Lei Divina.
Tenho que as manifestações sociais ora ocorrente, as campanhas midiáticas e os discursos politiqueiros maciçamente veiculados o são de forma irresponsável e demagógica, tendo como única utilidade contribuir com o aumento da criminalidade no país.
O mesmo se diga da retirada de patrocínio por parte de algum patrocinador da empresa que contrata um ex-presidiário como seu empregado, com o argumento que assim o faz por não desejar vincular o seu nome ou a sua marca a alguém que praticara um crime.
Para as ciências criminais estes posicionamentos são lastimáveis, e incomodam mais ainda ao se saber que têm origem em setores representativos da sociedade, levando-nos a relembrar as palavras de Cazuza:
"A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra"
Concluído acerca das críticas que se faz à contratação do goleiro Bruno, caso que ora tomo como exemplo para manifestar a minha opinião sobre o tema, relembro que na Copa do Mundo de 1982, conquistada pela Itália, esta levou em seus quadros de atletas aquele que se consagrou o carrasco da seleção canarinho, que foi PAOLO ROSSi, embora o mesmo se encontrasse cumprindo pena, acusado de participação em um esquema fraudulento contra a loteria esportiva italiana. Contudo, ROSSI fez um excelente mundial consagrando a Seleção Italiana Tri-campeã mundial. Atualmente é produtor de vinho e azeite de oliva, bem como comentarista esportivo da Sky italiana.
Apenas para reflexão!
*Nunisvaldo dos Santos é Juiz de Direito