A máquina de oprimir os pobres
Quem acredita que a Previdência Social no Brasil é burocrática e desumana e não imagina que ela possa ser pior ainda em outro país, não viu como ela funciona no Reino Unido.
Ken Loach nos mostra isso em mais um dos seus grandes filmes - Eu Daniel Blake - ao nos contar como funciona a máquina burocrática da Previdência Social inglesa, depois que Margaret Tatcher chegou ao poder em 1979, iniciando a onda neoliberal, que o novo governo golpista brasileiro tenta copiar quase 40 anos depois.
Acuado por formulários e exigências contraditórias para conseguir o benefício a que tem direito, o recém-viúvo Daniel Blake se vê ameaçado de morar na rua. Entre muitas idas e vindas ao Departamento de Trabalho e Pensões, ele conhece a jovem Katie, mãe solteira despejada com os dois filhos de um conjugado em Londres, e despachada pelo Serviço Social para um a cidade a centenas de quilômetros da capital. Eles se ajudam como podem, mas esbarram nas engrenagens de organizações que acabam punindo os menos favorecidos.
Ken Loach, tem hoje 80 anos e tem usado o cinema para contar há muitos anos histórias que retratam as injustiças do sistema capitalista. Entre seus filmes mais conhecidos estão Terra e Liberdade, Pão e Rosas e Procurando Cantona. Com o filme Eu, Daniel Blake, Loach ganhou o ano o passado a Palma de Ouro m Cannes.
É interessante como nesses festivais europeus de cinema (Cannes, Berlim, Veneza) os filmes que, de alguma maneira contestam o sistema capitalista, acabam sendo premiadas pela indústria do cinema,
uma das grandes responsáveis pelo processo de alienação das pessoas no mundo inteiro.
Talvez seja a maneira de mostrar para o mundo uma pretensa linha democrática na avaliação dos trabalhos, dando algum tipo de satisfação às pessoas mais intelectualizadas que ainda prestigiam os filmes que fogem ao padrão das grandes produções.
Nesse seu mais recente trabalho, Loach conta com uma excelente atuação do comediante Daves Johns no papel de Blake, para mostrar como o sistema se aperfeiçoou, usando os recursos da tecnologia moderna para dificultar ao máximo o acesso dos pobres aos direitos que ainda lhe restam na sociedade capitalista.
Quando Blake consegue romper o cerco tecnológico e obtém uma entrevista com um funcionário, esse parece treinado para ser mais frio e impessoal que os computadores.
Para sufocar qualquer manifestação de indignação das pessoas, mesmo que ela seja apenas o tom mais alto de voz, existem seguranças prontos para intervir e quando esses se acham impotentes, a polícia é chamada em socorro.
Diz Loach que os burocratas são ineficientes, "mas é uma ineficiência cujo objetivo é programado para humilhar as pessoas, mostrar que a pobreza é culpa delas".
Loach não é nada otimista quanto ao futuro do mundo ocidental: "As pessoas estão direcionando sua raiva para os lugares errados. Antes, eram os judeus; hoje são os muçulmanos. É muito perigoso - alerta. - A União Europeia é um projeto neoliberal, que estimula a privatização. Muitas pessoas dizem que devemos sair, que precisamos mudar. Meu temor é que, se sairmos de verdade, tenhamos mais governos de extrema-direita, cada um querendo atrair mais investimentos para si e cortando leis trabalhistas e ambientais. Será uma corrida para o fundo do poço".
Quando fez seu último filme, Loach se espelhou nos serviços previdenciários ingleses. Caso pudesse olhar a realidade brasileira, veria, talvez com mais nitidez, o desenvolvimento de um processo destinado retirar dos aposentados e dependentes da Previdência Social as poucas vantagens que ainda têm. Tudo em nome de uma eficiência funcional, que apenas esconde a escolha que o governo golpista de Temer fez pelos ricos.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS