"Não" no referendo da Itália: possíveis consequências para a União Europeia
Por Valentin Katasonov
Tradução Anna Malm*
O povo italiano no referendo de 4 de dezembro disse "NÃO" (сказал «нет») a reforma do sistema de governança do país proposta pelo [já agora ex-] primeiro ministro Matteo Renzi. O que ele propunha era uma ainda maior integração da Itália na União Europeia (UE) - o que poria nas mãos dos burocratas de Bruxelas a possibilidade de decidir fatores fundamentais em questões econômicas e políticas da vida do país.
O algoritmo de ação - [algoritmo sendo uma sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas cada uma das quais devendo ser executadas mecânica ou eletronicamente... Wikipedia] - a ser dado a direção dos burocratas da União Europeia daria a essa burocracia uma autoridade e um poder supranacional. Essas diretivas de ação apresentavam um carácter extremamente simples.
Diretivas de ação
O grande "NÃO" dos Italianos faz com que muitos se sintam inclinados a ver os passos que seguiriam a esse: um referendo a respeito da continuação da Itália na União Europeia e a quase inevitável decisão de uma saída do país da UE. Peritos do Deutsche Bank" ainda em outubro avaliavam a probabilidade da saída da Itália da União Europeia a 60% e isso apesar da sondagem de opinião pública desse mês de outubro estar mostrando uma vantagem mínima para os apoiantes do "NÃO" sobre os do campo do "SIM". Depois do referendo de 4 de dezembro a probabilidade de um Itexit ficou ainda maior. (Itexit sendo a atual denominação de uma eventual saída da Itália da União Europeia).
Antes do referendo a escolha para a Itália estava entre o ruim e o muito ruim mesmo. O povo Italiano evitou o pior. Agora só resta o ruim. Melhores possibilidades não se apresentam. Frente a isso os adversários de Matteo Renzi, os partidos "Movimiento 5 Estrelas ", "Liga Norte" e "Forza Itália" deverão avaliar sobriamente os obstáculos e armadilhas, assim como as muitas provações e dificuldades que surgiriam numa eventual e/ou possível saída da Itália de seu atual beco sem saída.
Muitos estão tentando comparar a saída da Inglaterra (Brexit) com uma saída da Itália (Itexit). Num certo sentido um divórcio da Itália com a União Europeia poderia se mostrar como muito mais litigioso e doloroso.
Primeiro: A Itália ligou-se a integração europeia antes da Inglaterra. A integração econômica europeia teve seu início com a assinatura, em março de 1957 do Tratado de Roma sobre a construção da Comunidade Econômica Europeia (CEE), também chamada como Mercado Comum. Os fundadores da CEE: França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.
A relevância da Itália no caso da integração europeia mostra-se também no fato das resoluções a respeito da construção da CEE terem sido assinadas em Roma. Por seu lado a Inglaterra, na época, estava a construir e a dirigir um grupo alternativo para a integração da Europa. Essa era a EFTA, Associação Europeia de Livre Comércio. Entretanto, a integração dentro do ramo da EFTA não deu certo e em 1 de Janeiro de 1973 a Inglaterra uniu-se a CEE.
Por uma década e meia, desde quando o Tratado de Roma entrou em vigor, a integração europeia no quadro da CEE esteve avançando fortemente. A Inglaterra encontrava-se então como um país num jogo de pega-pega ou pegue-me se puder ... Nos 40 anos que se seguiram a associação da Inglaterra no mercado comum europeu (em 1992 a CEE começou a ser denominada como UE) ela integrou-se na economia comum um pouco mais suavemente do que a Itália. Nos dados estatísticos da UE para 2015 a exportação da Inglaterra aos países da UE correspondia a 53,6%, enquanto que para a Itália esse índice era de 60%. Nas suas importações dos países da UE, nesse mesmo ano, o índice da Inglaterra atingia 44,4% enquanto que para a Itália esse era de 54,9%
Tem-se que a Inglaterra poderia tentar compensar perdas no continente europeu as custas daqueles países que um dia constituiram o império colonial do Reino Unido. Londres já ativou discussões a respeito de parcerias comerciais-econômicas com a Índia, Canadá, África do Sul e outros países amigos.
A Itália não dispõe de potenciais países que mais cedo ou mais tarde possam vir a ser utilisados para uma tal compensação. Não é então impossível que ela possa vir a compensar perdas no mercado continental europeu através de desenvolver relações comerciais amigáveis com a Rússia e a China. Entretanto, quanto a isso pode-se contar que Washington e Bruxelas tentarão impedir esse processo, por exemplo através de obrigar a Itália a ativamente participar de sanções contra a Rússia.
Em segundo lugar: A Inglaterra ocupa posições muito mais estáveis nos movimentos de capital na arena internacional. Como se vê na Tabela1, o acumulado adquirido como resultado do investimento direto do Reino Unido, ou seja, da exportação de capital da Inglaterra, em 2015, foi de 758,8 bilhões de euros (veja o ponto "Накопленные ПИИ* в результате экспорта капитала - 758,8" na Tabela 1). Para a Itália esse índice foi de, em comparação, só de 126,9 bilhões.
[ПИИ*? = Investimento Estrangeiro Direto som/como exportação ou importação de capital.]
O volume adquirido por investimentos estrangeiros na economia da Inglaterra, ou seja, a importação de capital da Inglaterra, nesse mesmo ano foi de 731,9 bilhões de euros, enquanto que na Itália o adquirido pela importação de capital, nesse mesmo ano, foi de 28,6 bilhões de euros.
Os rendimentos vindos de investimento estrangeiros de todos os tipos (investimentos diretos, portfólio, outros) que foram recebidos pela Inglaterra em 2015 alcançaram 270 bilhões de dólares. Na Itália os ganhos não passaram de 66 bilhões de dólares. Naturalmente que a saída tanto da Inglaterra como eventualmente da Itália da UE causaria problemas para os dois países, tanto para a exportação como para a importação de capital, mas deve ser tido em mente, que as barreiras comerciais da UE, para os de fora da união, seriam mais rigorosas do que as barreiras para o movimento internacional de capitais.
Em terceiro lugar: Para a Inglaterra o divórcio significaria sómente a saída da União Europeia enquanto que para a Itália esse divórcio iria significar a saída da zona euro também. Mesmo no caso da Inglaterra levantaram-se muitos diferentes tipos de problemas, dos quais as possíveis soluções são de difícil abordagem. Para começar, Bruxelas desejaria que Londres cumprisse suas obrigações de contribuir para o orçamento da UE. Entretanto, Londres não tem intenção de fazer isso e sem isso Bruxelas não irá querer tratar de outras questões. Antes falava-se que o processo de divórcio da Inglaterra com a UE deveria estar terminado em 2018, mas agora já se fala de 2020, e até mais tarde ainda.
Uma saída da zona euro apresenta-se como um muito complexo quebra cabeças. Hoje em dia a Itália está próximamente ligada, e firmemente ancorada, no Banco Central Europeu. O banco central tem muitos títulos da dívida italiana, os quais foram comprados muito ativamente depois do começo do programa do banco central de "quantitativos de flexibilização adicional" /quantitative easing (количественных смягчений). O que fazer com esses papéis?
Os bancos italianos estão incensados, pois eles seriam apoiados por créditos do Banco Central Europeu, o qual relata-se ao sector bancário italiano através do Banco Itália. Presentemente as obrigações de dívida do Banco da Itália ao Banco Central Europeu são de 354 bilhões de euros. Isso significa 22% do PIB da Itália. O que fazer com essa dívida? Depois ainda entram aqui muitas outras coisas.
Alguns dizem que Matteo Renzi foi frívolo de quando anunciando a sua demissão imediatamente após um para ele negativo resultado do referendo. Eu diria que isso não foi frivolidade mas covardia: Renzi muito simplesmente compreende que tipo de sobrecarga a ser carregada caso a Itália tome a decisão de deixar a União Europeia. No ano passado a Grécia, a qual estava prestes a anunciar bancarrota (объявила дефолт) frente as suas obrigações com a FMI, esteve a beira de deixar a União Europeia.
A Grécia fez seu referendo (референдум) perguntando se o país deveria aceitar as condições dos credores internacionais para a obtenção de um crédito destinado a reestruturar a dívida e a "recuperação financeira" da Grécia. Teve-se que 61% dos gregos responderam "Não" as ofertas dos agiotas internacionais. Entretanto, depois de todo esse trabalho as propostas desses agiotas ainda foram tomadas pelo governo Alexis Tsipras.
Os problemas econômicos da Itália são infinitamente maiores do que os da Grécia. Estariam os representantes dos "Movimiento 5 Estrelas" e "Liga Norte", por exemplo, moral e intelectualmente prontos para isso? Gostaria de acreditar que sim, mas neste caso seria importante que o povo italiano também estivesse pronto a dizer "Não" num referendo, e que esse fosse levado em consideração.
Gostaria também de chamar atenção para o facto de que para a União Europeia a saída de um país (Inglaterra) já é um grande problema e que a saída de dois países (Inglaterra e Itália) já faria a situação crítica. Por dados da Agência Europeia de Estatística a percentagem desses dois países, Inglaterra e Itália, em relação ao PIB da UE é de quase 30%. A Inglaterra ocupava o segundo lugar na UE em relação ao PIB da união. No primeiro lugar encontra-se ainda a Alemanha, com a percentagem em relação ao PIB da UE, em 2015, de 20,7%. A Itália está firmemente forancrada no quarto lugar, vindo depois da França que representa 14,9% do PIB da UE.
Табл. 1.
Некоторые экономические показатели ЕС, Великобритании и Италии (2015 год, млрд. евро)
Alguns indicadores econômicos da UE, do Reino Unido e Itália (no ano 2015, млрд. - bilhões de euros)
|
Европейский союз** UE** |
Великобритания Inglaterra |
Италия Itália |
Великобритания +Италия Inglaterra+ Itália |
ВВП PIB |
14.620 |
2.568 |
1.637 |
4.205 |
Экспорт товаров Exportação de Mercadorias |
1.791,5 |
230,5 |
186,6 |
417,1 |
Импорт товаров Importação de Bens |
1.727,1 |
261,7 |
152,9 |
414,6 |
Экспорт услуг Exportação de Serviços |
811,2 |
188,8 |
39,8 |
228,6 |
Импорт услуг Importação de Serviços |
660,5 |
95,5 |
33,9 |
129,4 |
Экспорт капитала в виде ПИИ* Exportação de capital, na forma de ПИИ* |
96,0 |
23,1 |
9,9 |
33,0 |
Импорт капитала в виде ПИИ* importação de capitais na forma de ПИИ* |
118,9 |
28,9 |
2,7 |
31,6 |
Накопленные ПИИ* в результате экспорта капитала Acumulado ПИИ* como resultado da exportação de capital |
5.748,6 |
758,8 |
126,9 |
885,7 |
Накопленные ПИИ* в результате импорта капитала Acumulado ПИИ* através da importação de capital |
4.582,5 |
731,9 |
28,6 |
760,5 |
* ПИИ - прямые иностранные инвестиции = investimento estrangeiro direto
** Совокупные показатели по 28 государствам-членам Европейского союза. = totais dos indicadores de 28 estados-membros da união Europeia.
Источник: trade.ec.europa.eu = Fonte
Табл. 2.
Доля Великобритании и Италии в некоторых совокупных экономических показателях ЕС (2015 год, %)
A parte do Reino Unido e da Itália, em alguns agregados de indicadores econômicos da UE (no ano 2015, em %)
|
Великобритания Inglaterra |
Италия Itália |
Великобритания +Италия Inglaterra + Itália |
ВВП |
17,6 |
11,2 |
28,8 |
Экспорт товаров |
12,8 |
10,4 |
23,2 |
Импорт товаров |
15,1 |
8,9 |
24,0 |
Экспорт услуг |
23,3 |
4,9 |
28,2 |
Импорт услуг |
14,5 |
5,2 |
19,7 |
Экспорт капитала в виде ПИИ |
24,0 |
10,4 |
34,4 |
Импорт капитала в виде ПИИ |
24,4 |
2,3 |
26,7 |
Накопленные ПИИ в результате экспорта капитала |
13,2 |
2,2 |
15,4 |
Накопленные ПИИ в результате импорта капитала |
16,0 |
0,6 |
16,6 |
Источник: trade.ec.europa.eu = Fonte
Não é difícil de se calcular que no caso de uma saída da Inglaterra e da Itália da união, dois dos membros fundadores da mesma - a Alemanha e a França - iriam representar a metade do PIB de uma UE muito enfraquecida apesar de num tal caso ainda ser constituida por 26 países. Isso vê-se claramente quando observando que o PIB das duas locomotivas da UE - Alemanha e França - seria equivalente a metade da produção dos restantes 24 membros da união. Uma tal assimetria num novo formato da UE não iria ajudar uma melhor integração do grupo. Não há dúvidas de que tanto a Alemanha quanto a França protestariam contra a perspectiva de ter de alimentar toda a Europa. No caso do fornecimento de uma tal suporte para todos os outros da união isso então só em troca de duras condições, as quais seriam estabelecidas pelos agora principais restantes vássalos [de Washington]: Berlim e Paris.
Entretanto, a França tem acumulado uma carga de problema econômicos de carácter muito grave e dificilmente será capaz de cumprir com um seu papel de locomotiva da UE. Nesse ano a França poderá ultrapassar a linha de demarcação dos com dívidas acima de 100% do PIB, entrando assim no clube dos desfavorecidos e disfuncionais (uma lista dos países com dívidas acima de 100% do PIB. Além da Grécia e Itália hoje também nessa lista entram Portugal, Bélgica, Espanha, Irlanda e Chipre).
Além de tudo tem-se que uma maior dominância da Alemanha num novo formato da UE faria com que sérias preocupações se levantassem nos restantes membros dessa nova enfraquecida união. Por exemplo, a Polônia já começou a afastar-se de Bruxelas e Berlim no quadro do Grupo de Visegrado, onde entra então a Polônia, a República Checa, a Eslováquia e a Hungria. Dessa maneira Bruxelas fará todo o possível para impedir a realização de um referendo na Itália quanto a uma sua continuada presença na união.
REFERÊNCIAS E NOTAS:
Valentin Katasonov, «Нет» на референдуме в Италии: возможные последствия для Евросоюза - ["Não" no referendo da Itália: possíveis consequências para a União Europeia]
- Валентин КАТАСОНОВ | 07.12.2016 | ПОЛИТИКА | ЭКОНОМИКА - Fonte: http://www.fondsk.ru
*Anna Malm - https://artigospoliticos.wordpress.com